domingo, 29 de junho de 2014

O círculo trágico de Ésquilo

Durante a Guerra de Troia, os navios gregos comandados por Agamenon encontram-se presos no porto de Áulis, devido a uma calmaria provocada por Ártemis, deusa grega da caça, porque Agamenon teria dito que era melhor caçador que a deusa. Calcas, adivinho próximo a Agamenon, alerta-o de que Artemis o perdoaria, se ele sacrificasse Ifigênia, sua filha adolescente. Embora se recusasse inicialmente, pressionados por seus soldados mandou buscar a filha, sob pretexto de dá-la em casamento a Aquiles, o herói da Guerra de Troia. Ao chegar a Áulis, acompanhada da mãe, Clitemnestra, as duas descobrem que foram enganadas. Depois de séria discussão entre seus pais, é Ifigênia quem decide cumprir seu destino de ser imolada para salvar os gregos (outro tragediógrafo grego, Eurípides, serviu-se do sacrifício mítico de Agamenon para escrever Ifigênia em Áulis).

Clitemnestra, sentindo-se traída pelo marido e chorando a morte da filha, retorna a Micenas, prometendo vingança.Vamos nos deter, aqui, em Agamenon, a primeira peça da trilogia de Ésquilo. Esse herói volta para casa após destruir a cidade e os troianos, durante dez anos de luta. Clitemnestra, entretanto, já havia planejado o assassinato do marido juntamente com Egisto, primo de Agamenon, que também queria vingar-se dele por lhe ter usurpado o trono.  Para comemorar a volta do marido, Clitemnestra prepara-lhe o banho em que será assassinado. Electra, filha de Agamenon, temendo que seu irmão Orestes, ainda pequeno, fosse morto, envia-o para um reino distante onde é criado. Já na idade adulta, o deus Apolo aparece a Orestes, ordenando-lhe que vingue a morte do pai.  Orestes viaja a Micenas para visitar o túmulo, deixando lá um cacho de seus cabelos. Quando foi render homenagem ao morto, Electra encontrou a oferenda, reconhecendo a presença próxima do irmão.  Orestes entra no reino disfarçado de viajante, para comunicar a Clitemnestra a morte do filho.  Ele mata a mãe e Egisto, fugindo para Delfos, onde é purificado por Apolo. Esse é o argumento da segunda peça da trilogia, Coéforas.  

As Erínias ou As Fúrias passam a perseguir Orestes pelo assassinato da mãe.  Apolo, protegendo Orestes, manda-o a Atenas, para ser submetido a julgamento e ser absolvido de seus tormentos.  O julgamento de Orestes fica empatado, a deusa Atena o absolve com seu voto e Orestes sai de cena. Há versões que relatam ele ter ficado louco. As Fúrias, antagonistas de Atena, ameaçam com uma desgraça para a região. Atena, com a promessa de honrarias às Fúrias, contorna a situação e as Fúrias passam, de deusas do ódio para as deusas benévolas (Eumênides, a terceira peça da Oréstia).
                  
Lamentavelmente a trilogia de Ésquilo com a tradução competente de Mário da Gama Kury encontra-se esgotada e custa caro nos sebos. Existe a edição em e-book, se você curte ler pelo computador. A Editora Iluminuras publicou as peças separadamente, por um preço médio de 30 Reais. Nos sebos você pode encontrá-los por um preço médio de 18 Reais.

                                     paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Ésquilo. Oréstia: Agamenon/Coéforas/Eumênides. 3ª ed., Rio, Zahar, 1991, 196 pp.                            

domingo, 22 de junho de 2014

Odisseia





A Odisseia retrata o herói Ulisses (Odisseu) em suas viagens aventurosas na luta para voltar para casa, depois da guerra de Troia. De um lado, temos o Ulisses ausente e retido na ilha de uma ninfa apaixonada, Calipso, por sete anos. De outro, seu filho Telêmaco à espera dele no lar abandonado. Pai e filho, um de cada lado, se põem em movimento ao mesmo tempo, para no final se reunirem no regresso do herói. Sua saga de retorno leva dez anos, pois seu regresso é atrasado deliberadamente por alguns deuses para castigá-lo.

O poema começa dez anos depois da queda de Troia. Durante o saque da cidade, o comportamento desrespeitoso de alguns gregos aborreceu os deuses, em especial Atena, que tendo favorecido o lado grego durante toda a guerra, agora provoca tempestades terríveis para atrapalhar a volta do grupo. Embora ela ainda esteja bem intencionada com Ulisses, não lhe permitiu retornar a Ítaca, onde sua esposa fiel, Penélope, tenta há sete anos evitar uma multidão de pretendentes. Poseidon e Apolo procuraram punir Ulisses (que durante suas viagens cegou Polifemo, filho de Poseidon, e cujos companheiros mataram o gado do deus-sol para comer). Ele está agora numa ilha longínqua, prisioneiro da ninfa Calipso, que o escolheu para amante. Assim começa a Odisseia, contada em 24 cantos.

Ulisses representa o ideal herdado da sagacidade guerreira. Era conhecido como um herói ardiloso, ideou o cavalo de madeira que ajudou na destruição de Troia. A isso se junta a elevada estima das virtudes espirituais e sociais. Ulisses é o homem a quem nunca falta o conselho inteligente, para cada ocasião acha a palavra adequada. Sua honra é sua destreza, e sua inteligência demonstrada na luta pela vida e na volta ao lar sai sempre triunfante diante dos inimigos mais poderosos e dos perigos que o espreitam.

Ao contrário de Aquiles, o herói colérico e sanguinário da Ilíada, Ulisses é um herói mais humano, mais próximo de nós. Ulisses mente, mata, sobrevive, abraça as múltiplas experiências que vêm ao seu encontro, conhece o canto das Sereias e o leito de belas mulheres, desce ao mundo dos mortos e recebe, mais tarde, a oferta de nunca morrer. Mas, essencialmente, são as circunstâncias e não a sua própria natureza, que lhe conferem uma dimensão heroica. É a superação desesperada dos perigos, nas ameaças que lhe surgem na luta pela sobrevivência, que nos identificam com ele. Ulisses representa culturalmente a essência do homem ocidental. Sua figura foi e é fonte de inspiração de vários romances e poemas da humanidade. O escritor irlandês James Joyce escreveu o monumental romance Ulysses, inspirado no herói grego, narrando as aventuras do judeu Leopold Bloom durante um dia, precisando superar numerosos obstáculos e tentações até retornar a sua casa, onde sua mulher Molly o espera. Aguarde resenha para breve.
Também não dá pra morrer sem ler a Odisseia. Busque a bela e acessível tradução de Frederico Lourenço.
                          paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Homero. Odisseia. SP, Penguin/Companhia, 2011, 584 pp, R$ 36,00 

domingo, 15 de junho de 2014

Ilíada

Um caso de adultério motivou a Guerra de Tróia. O troiano Páris visita o grego Menelau, apaixona-se por Helena, sua esposa, raptando-a. Mas o tema de Ilíada, longo poema narrativo de Homero, é a fúria de Aquiles. Após os gregos saquearem uma cidade aliada aos troianos, duas jovens belíssimas, Criseida e Briseida, são dadas a Agamênon e Aquiles, como escravas concubinas. Crises, o velho sacerdote, pai de Criseida, chega ao acampamento dos aqueus para resgatar a filha, em troca de incontáveis riquezas. Agamenon rejeita violentamente o resgate e Crises reza a Apolo, pedindo-lhe que castigue os aqueus (gregos). O exército é assolado por uma peste, fazendo com que os conselheiros de Agamenon se reúnam em assembléia, sugerindo-lhe que devolva Criseida ao pai. Aquiles defende essa proposta. Agamenon, apesar de ser o soberano máximo, sente uma inveja ressabiada de Aquiles, que é o herói em campo de batalha. Agamenon decide devolver Criseida. Porém, rouba Briseida de Aquiles. Surge então a ira de Aquiles, que se sente desonrado e abandona o campo de luta, ainda que não abandone o acampamento dos aqueus. A falta de Aquiles faz com que Agamenon mande Ulisses e Ájax à tenda de Aquiles com a incumbência de lhe prometer mundos e fundos se ele reconsiderar sua posição. Trata-se do Canto IX, o mais famoso canto da Ilíada, considerado estruturalmente perfeito. O esforço não dá certo. O herói divino deixa de acreditar na guerra, na glória, no heroísmo. Só um motivo pessoal e íntimo fará Aquiles mudar sua decisão e pegar em armas: a dor perante a morte de Pátroclo, seu amigo íntimo. 

A originalidade de Homero consiste em ele ter estruturado uma série de episódios do ciclo lendário das guerras troianas em torno da ira de Aquiles. Sua técnica narrativa traduz uma conduta caracteristicamente grega: os gregos concebem a realidade como um todo ordenado. A harmonia exige limites precisos. O ilimitado é o não-ordenado, o caos, estágio anterior à ordem. Desde Homero, os gregos nos colocam diante de fronteiras claras, diante de unidades abarcáveis. O homem homérico sabe de um mundo interior, sabe que acontecem coisas em si, mas esse mundo não lhe é claro, não o fascina, não se demora nele. Quando percebe dentro de si fenômenos que não compreende, os atribui a forças sobre-humanas. O homem homérico volta-se para fora, para o mundo luminoso, concreto, real. Ilíada é também a guerra dos deuses, que decidem quem ganha e quem vai perder. Os próprios heróis da Ilíada sabem muito pouco de seu destino.

A Ilíada surgiu, mais ou menos, no século VIII a.C., fruto da tradição oral. Em 1488 surgiu a primeira edição impressa da obra na Itália. Para contar a Ilíada, Homero opta por isolar um período de pouco mais de 50 dias, já na fase final da guerra (a guerra de Troia teria durado uns 10 anos). Simbolicamente, a narrativa concentra-se em 14 dias. Por outro lado, os cinquenta e cinco dias da ação global do poema e mais os 14 fatídicos dias da ação efetivamente narrada, não deixa de estar condicionados fatos de todo o passado da guerra que repercutem tragicamente no presente da narrativa.

Há várias teses buscando contestar a autoria da Ilíada. O Canto IX, estruturalmente o melhor elaborado, não faria parte da Ilíada de Homero, mas de outro escrito sobre o tema. Mas os argumentos dessa corrente, entretanto, não se sustentam. A Ilíada foi toda construída por um único poeta. Seja ele quem for, trata-se de Homero. Se o leitor se interessar por este assunto, há um livro esclarecedor de Donaldo Schüler, especialista em literatura grega: A Construção da Ilíada, uma análise de sua elaboração, Ed. LPM, onde se comprova a fragilidade argumentativa dos que contestam a autoria da Ilíada.

A Ilíada merece ser lida, apesar de pequeno esforço eventual, devido ao estilo do texto. O resultado será gratificante. Aconselho a evitarem algumas edições de bolso mal traduzidas que existem por aí. Aconselho a edição portuguesa com a excelente tradução do conceituado Frederico Lourenço. Para nossa sorte, o selo Penguin, da Companhia das Letras lançou essa tradução no Brasil, a preço bem acessível. Não dá pra morrer sem ler a Ilíada.
                                          paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Homero. Ilíada. SP, Penguin/Cia. das Letras, 2013, 720 pp, R$ 40,00

domingo, 8 de junho de 2014

Maíra

Darcy Ribeiro (1922/1997) usa de sua vasta experiência como etnólogo e antropólogo para escrever Maíra, seu primeiro romance, editado em 1978. Maíra, em linguagem tupi, é um divindade entre os indígenas.
Enquanto isso, no posto da Funai da região, alguns índios vivem dentro de seus costumes. Os padres  afirmam que a estratégia da Funai é congelar os índios em seus costumes, para assim protegê-los da degeneração.Já os arrebanhados pelos padres marcham para a civilização, sem romantismos rondonianos: vestidos, calçados, limpos.  Elias, indígena da tribo mairum é um desses índios aculturados que volta para sua aldeia de origem, depois de passar sua infância  e adolescência preso em um convento para ser padre. Para ele, sua aldeia nesses anos todos de desterro só existiu dentro dele, na lembrança. Em breve estará junto de seu velho tio, o chefe da tribo Anacã, bem no meio do círculo dos homens em posição cerimonial, para ser o novo aroe(*) . Isaías é ambíguo, não é índio nem cristão. Não é homem nem deixa de ser. Manteve contato com uma mulher branca que havia se decidido a viver entre os índios e foi encontrada morta da praia com o feto de dois filhos mortos entre suas pernas. Isso pode ser encarado como a simbologia de Maíra-Coraci, o sol e Micura-Iaci, a lua - irmãos que criaram o mundo da cultura mairum. A trama se divide em núcleos, envolvendo a vida e morte dessa mulher, o reduto dos índios da Funai, o mameluco que se comunicava com esses núcleos e que matava índios, e o conflito existencial de Elias, que luta com sua consciência dividida.

Darcy Ribeiro tem um olhar atento sobre o programa de aculturação indígena que teve o Brasil, a religiosa - que defendia a catequese católica como a única solução compatível com a formação do povo brasileiro, e a leiga - que defendia o propósito de que a assistência protetora ao índio era competência do Estado. Entretanto, nenhuma das duas correntes analisou a situação real dos índios, conhecendo e valorizando sua cultura. Maíra mostra o resultado trágico dessas invasões para trazer os índios à civilização. Está longe de ser obra didática. É ficção das boas.

(*) Provavelmente o que puxa o canto nas cerimônias. Não consegui uma definição precisa para o termo.

                         paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Darcy Ribeiro. Maíra. 17ª ed., Rio Record, 2007, 430 pp, R$ 40,00


domingo, 1 de junho de 2014

A Falência


Júlia Lopes de Almeida (1862/1934) é das grandes da literatura brasileira, apesar de quase desconhecida.  Graças à Editora Mulheres, criada em Santa Catarina em 1996 (http://www.editoramulheres.com.br/) com o objetivo de resgatar escritoras dos séculos passados,  a obra de Júlia Lopes de Almeida está vindo a público agora.  A editora lançou três romances de Júlia: A Falência, A Família  Medeiros, A Silveirinha e A Viúva Simões (esgotado). Filha de pais abastados,  seguiu o caminho da literatura sem oposição da família. Possuía espírito avançado para a época, tinha preocupações sociais como o fim da escravatura e a opressão feminina, que ela retrata tão bem em A FalênciaAjudou a fundar a Academia Brasileira de Letras, mas não pôde fazer parte dela, por ser mulher. Em seu lugar tomou posse seu marido, o escritor Filinto de Almeida, cuja obra não merece destaque. 
A trama de A Falência ocorre no final do século XIX, durante a República. Uma nova moral burguesa, novos comportamentos e ideais se impõem na sociedade do Rio de Janeiro. Francisco Teodoro é um comerciante português casado com Camila, com quem teve filhos. O comerciante é proprietário de armazéns, um palacete e muito dinheiro investido em banco.
Um dia Francisco Teodoro recebe a visita de um amigo, convidando-o a organizar no Rio um grande sindicato de café. Diz que outro grande comerciante estaria disposto a entrar com grande parte do capital. O negócio daria grande retorno financeiro aos sócios. O dinheiro de Francisco Teodoro fora adquirido com esforço. Por isso gostava de viver do bom e do melhor, para justificar seu orgulho com tanto trabalho. Fica indeciso, tem muito medo de perder dinheiro. O amigo o incentiva. Deixa-lhe o contrato para ler e pensar melhor. Passam-se dias e Teodoro aceita entrar na sociedade. Pouco tempo depois o preço do café começa a cair no mercado. O comerciante acaba sabendo, depois de um período de angústia e aflição, que tinha sido vítima de um golpe. Perdera tudo. Seus negócios começam a ruir e ele entra em falência. Acovardado, suicida-se, deixando a mulher e os filhos ao relento. A partir de então, a figura de Camila, a viúva, começa a ganhar corpo. Até então ela era parte do marido, nunca fizera nada, não entendia de nada relacionado a negócios. Vivia, enquanto rica, uma vida de futilidades e gastança. Tinha como amante o médico de família, fato que Teodoro nunca percebeu. Pobres, são obrigados a mudar-se para a casa humilde de Nina (agregada à família) que havia ganho de presente de Teodoro. Paro o relato por aqui, para não comprometer o interesse dos que pretendem ler o livro.
A edição que eu tenho e li é de 1978. Você consegue nos sebos virtuais por um preço de R$ 12,00. A edição nova, da Editora Mulheres custa R$ 30,00.

                                         Paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Júlia Lopes de Almeida. A Falência. SP, Hucitec, 1978, 242 pp.