Livro das horas é a publicação mais recente de Nélida Piñon (1937). É
um livro de memórias, carregadas de imagens poéticas. Prosa deliciosa que nos
faz parar frequentemente para refletir sobre as colocações que a autora
brasileira faz sobre o fato de existir.
Nélida Piñon. Livro das horas. 2ª Ed., SP, Cia. das Letras, 2012, 208 pp., R$ 39,90
Nélida Piñon é escritora
desde o berço. Ao abrir os olhos, jurou ter fé nas palavras, com elas contar
uma história. Este ofício lhe compromete com a fala poética, com o discurso do
mistério, com o coração da língua. Mas, na condição de aprendiz, rastreia o
transcurso literário dos antecessores, a fim de saber onde eles estiveram e ela
não está. A quem eles amaram, ela não amou.
Não tem filhos, mas tem a nós,
leitores capazes de defender a civilização contra o avanço da barbárie. A nós,
nomeia sucessores de uma linhagem irrenunciável. E, embora duvide às vezes se
vale defender alguns princípios hoje contestados, persiste em inscrever certas
normas no código dos direitos humanos. Não nos conhece e nem sabe onde vivemos,
mas pensa um dia convidar-nos a sermos parceiros, sócios, aliados das suas
aventuras narrativas. A nos conhecer pessoalmente, trazendo debaixo do braço
algum romance de Machado de Assis. E que vejamos como é a aparência de quem se
habituou a registrar os enredos que também vivemos junto com nossas famílias.
Instalados em sua sala da Lagoa, ela nos ofereceria um guaraná Antarctica, um
cafezinho, e biscoitos de polvilho. Juntos, mergulharíamos nas águas barrentas
das palavras, no redemoinho vertiginoso das emoções, nas trevas perturbadoras
dos sentimentos ainda sem nome e definição precisa, sem que atropelemos a
palavra do outro para impor a nossa. Para exercitarmo-nos a ouvir o que o outro
tem a dizer.
Nélida Piñon nos conta que, a
cada dia, aprende a perder as pequenas utopias e os ideais indomáveis. Não
lamenta viver sem eles. Sente-se mais leve sem o fardo que representam. É
impossível servir aos deuses e a ela mesma. Além do mais, perder bens que
julgávamos eternos significa estarmos aptos a adquirir, no futuro, haveres que
só a fantasia enxerga. É como destilar a solidão que é vida também. Enquanto
escreve, ela se resigna em dissolver as ideias que nunca foram suas. Por que
padecer pelo que não sabe contar? Ou desesperar-se pela narrativa que viceja
alhures e aguardar que algum adorno estético da historia lhe transfigure de
repente? Afinal, ela diz, o fracasso literário é didático, impõe a criação de
um outro acervo constituído de experiências, lamúrias, segredos, reavaliações.
Uma técnica com a qual a vida ensina a que se reabilite no futuro um livro
previamente condenado. Acaso ocorre o mesmo com o amor e a morte, sempre
iminentes? Devemos ler esse livro maravilhoso para respondermos.
========================Nélida Piñon. Livro das horas. 2ª Ed., SP, Cia. das Letras, 2012, 208 pp., R$ 39,90
Nenhum comentário:
Postar um comentário