O narrador de Viva o
povo brasileiro nos explica que O comportamento das almas inopinadamente
desencarnadas, sobretudo quando muito jovens, é objeto de grande controvérsia e
mesmo de versões diametralmente contraditórias, resultando que, em todo o
assunto, não há um só ponto pacífico. Em Amoreiras (praia da Ilha de
Itaparica), por exemplo, afirma-se que a conjunção especial dos pontos
cardeais, dos equinócios, das linhas magnéticas, dos meridianos mentais, das
alfridárias mais potentes, dos polos
esotéricos, das correntes alquímico-filosofais, das trações da lua e dos astros
fixos e errantes e de mais centenas de forças arcanas - tudo isso faz com que,
por lá, as almas dos mortos se recusem a sair, continuando a trafegar
livremente entre os vivos, interferindo na vida de todo dia e às vezes fazendo
um sem-número de exigências. Dizia-se que era por causa dos tupinambás que lá
moravam, que com mil artes e manhas de índios, amarravam as almas dos mortos
até que eles pegassem os obséquios que morrem devendo, ou resolvessem qualquer
pendência de que foram partes. Mas depois dos tupinambás vieram os portugueses,
espanhóis, holandeses, até franceses, e os defuntos , mesmo não havendo mais
índios para os amarrar, continuaram por lá, desafiando as ordens dos padres e
feiticeiros mais respeitados para que se retirassem. Em seguida, chegaram os
pretos de várias nações da África e, não importa de onde viessem e que, deuses
trouxessem consigo, nenhum deles jamais pôde livrar-se de seus mortos, tanto
assim que foram os que melhor aprenderam a conviver, com essa circunstância, não
havendo, por exemplo, órfãos e viúvos entre eles. Os muitos deles que não
conseguiram suportar viver na companhia de uma memória infinita e na presença
de tudo o que já existiu mudaram-se para lugares bem longe de Amoreiras e
jamais comem qualquer coisa vinda de lá.
A trama de Viva o povo brasileiro, grosso modo, é mais ou menos assim: um grande barão do Império vivia na Bahia, onde era senhor de todos os peixes que lá se pescava e possuía muita riqueza e muitos domínios vastos e grande número de escravos. Isto se deu, porque esse barão foi considerado herói, na guerra da Independência, por isso mesmo nomeado barão, e recompensado com terras e presentes do rei Imperador Dom Pedro.
Veio a República e o governo continuava a não se preocupar com o povo, os coronéis mandando e desmandando em tudo. Então, Maria da Fé, essa mulher guerreira, partiu para o sertão com seus milicianos, porque sabia que lá havia muita gente revoltada disposta a combater contra a tirania.
Hoje não se sabe por onde anda Maria da Fé agora, mas se sabe que ela continua acreditando que um dia vai vencer, nem que não seja ela em pessoa, mas quem herde as ideias e a valentia dela, que serão muitos. Como nasceu na época da Independência, já deve estar velha e talvez nem velha seja, pois faz aniversário de quatro em quatro anos, tendo nascido no dia 29 de fevereiro.
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A trama de Viva o povo brasileiro, grosso modo, é mais ou menos assim: um grande barão do Império vivia na Bahia, onde era senhor de todos os peixes que lá se pescava e possuía muita riqueza e muitos domínios vastos e grande número de escravos. Isto se deu, porque esse barão foi considerado herói, na guerra da Independência, por isso mesmo nomeado barão, e recompensado com terras e presentes do rei Imperador Dom Pedro.
Mas, esse barão era muito perverso. O heroísmo dele na
guerra foi uma mentira. Sem ninguém ver, matou um cativo e com o sangue desse
cativo se lambuzou e fez muitos curativos para dizer que tinha sido ferido na
batalha. Apresentou-se como ferido, se escondeu uns tempos e depois apareceu de
novo, ficando conhecido como o grande herói de guerra. Numa noite, véspera de Santo Antônio, mandou buscar uma
cativa de grande beleza e a deflorou, deu-lhe depois uma surra e a expulsou dali. O barão teve a
maldade castigada. Logo depois do abuso com a escrava, apareceu uma grande
Irmandade numa casa de farinha que havia no sítio do barão, chefiada por um
negro feiticeiro chamado Dandão e por um negro muito alto chamado Bodeão. Esses
dois negros tinham uma canastra contendo muitos segredos do destino do povo,
muitas defesas e muitas receitas de orações e feitiços. E, por meio dessas
orações e feitiços, bem como a ajuda de outros como eles, conseguiram dar uma
certa bebida ao barão, o qual foi estuporando aos poucos, até morrer uma das
piores mortes que já se viu na Bahia.
Enquanto isso, a cativa, que ficara prenha do barão, se tornou grande pescadora. A menina nasceu, foi protegida e educada em
boas escolas. Ficou moça bonita e inteligente. Certa vez ela e a mãe foram
atacadas por um bando de homens que queriam estuprá-la. A mãe a defendeu e foi morta a pauladas. Esse acontecimento modificou a vida da moça para sempre. Querendo justiça, entrou para a Irmandade,
tornando-se a chefe do grupo, perdendo-se no mundo combatendo a injustiça na
companhia de uma milícia, a Milícia do Povo, para mostrar a todos a tirania que
sofria o povo pobre e negro por parte dos poderosos. Sabe-se que teve somente um grande amor por um alto oficial
do Exército, herói da Guerra do Paraguai, que nunca quis combater contra o povo. Ele
propôs que se juntassem como marido e mulher, mas ela tinha um ideal maior,
lutar pela igualdade e a injustiça.Veio a República e o governo continuava a não se preocupar com o povo, os coronéis mandando e desmandando em tudo. Então, Maria da Fé, essa mulher guerreira, partiu para o sertão com seus milicianos, porque sabia que lá havia muita gente revoltada disposta a combater contra a tirania.
Hoje não se sabe por onde anda Maria da Fé agora, mas se sabe que ela continua acreditando que um dia vai vencer, nem que não seja ela em pessoa, mas quem herde as ideias e a valentia dela, que serão muitos. Como nasceu na época da Independência, já deve estar velha e talvez nem velha seja, pois faz aniversário de quatro em quatro anos, tendo nascido no dia 29 de fevereiro.
A história abrange o período histórico de 1637 até 1972, mas o miolo da trama está centrado entre a Independência do Brasil e a proclamação da República. O romance de João Ubaldo Ribeiro é sobre os muitos espíritos
encarnados e desencarnados por esse Brasil
onde muitos trabalhavam e poucos ganhavam. O povo que produzia, construía,
vivia e criava, mas não tinha voz nem respeito,onde os poderosos
encaravam sua terra apenas como algo a ser pilhado e aproveitado sem nada darem
em troca, piratas de seu próprio país. Eram (e são) carpinteiros, marceneiros
ferreiros, tanoeiros, sapateiros, alfaiates, pedreiros, lavradores,
jardineiros, alambiqueiros, padeiros, barbeiros,pintores, armeiros,
açougueiros, carroceiros, cuteleiros, vassoureiros, quitandeiros, vaqueiros,
fateiros, muleiros, carregadores, caixeiros, sineiros, ourives, tecelões,
paneleiros, mineiros, caçadores, boticários, quituteiros, maquinistas,
tiradentes, curandeiros, cocheiros, mariscadores, peixeiros, lenhadores,
magarefes, faxineiros, aguadeiros, taverneiros, amoladores, foguistas,
mascates, alfarrabistas, oleiros, impressores, escreventes, acendedores,
gravadores, coveiros, almocreves, aseiros, arreiros, tosadores,capadores,
leiteiros, estalajadeiros,moleiros, músicos,saltimbancos, palhaços, cantadores,
violeiros, repentistas, músicos,bailarinos, escultores, atores, escritores,
entalhadores, douradores, mágicos, contadores de histórias, motoristas, cobradores, zeladores, hidráulicos, eletricistas,prostitutos,
seguranças, moradores de rua, babalorixás, macumbeiros... Viva o povo brasileiro!
paulinhopoa2003@yahoo.com.br===============================
João Ubaldo Ribeiro. Viva
o povo brasileiro. Rio, Objetiva, 2008, 640 pp, R$ 69,90
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