Ana Clara, Lia e Lorena. Três jovens universitárias
perdidas no mundo brasileiro contemporâneo da década de 70. As meninas de Lygia Fagundes Telles,
entre os méritos que tem, é o de apresentar a narrativa inserida na história viva
da ditadura militar (a obra foi escrita em 1983). As meninas é um documento ficcional vivo de um Brasil estilhaçado
na insegurança e falta de perspectivas. As três estudam em São Paulo e moram num
pensionato de freiras. Lia tem posicionamento contestador, escreve um livro que
não consegue acabar. Lorena é a mais burguesa das três; insegura, quer arrimo
em um casamento que a conforte. Ana Clara, a menos favorecida, é viciada, está
sempre correndo atrás de dinheiro. Lia, esquerda militante, perdeu o ano por excesso de faltas, tem um namorado preso a ser trocado por um embaixador. Lorena gosta de latim, ouve música clássica o dia inteiro, à espera de um namorado que não telefona nunca. Ana, compradora compulsiva, seguidamente é internada para se desintoxicar das drogas. As três representam vidas que podem se
perder a partir de si mesmas, vozes de uma geração violentada, colonizada e
drogada, a partir do golpe de 64.
As meninas
configura uma posição de engajamento da escritora, que mostra personagens dominadas pelo discurso dominante. Lya, a comunista, é quem mais
tenta lutar contra o esquema. O romance traça um retrato muito fiel do jovem
desse momento no Brasil. Lygia Fagundes Telles é pioneira na ficção brasileira,
ao inaugurar o fluxo de consciência da mulher na ficção, pois até então era
inédito que uma mulher falasse de suas fantasias existenciais e eróticas, de
forma tão humana e verdadeira.
Quando era aluno do curso de Letras da UFRGS, lá por 1976, assisti a uma conferência em que ela participou juntamente
com Nélida Piñon, Fernando Morais e Rubem Fonseca,. Lembro dela ter dito que o escritor escreve tentando, quem
sabe, recompor um mundo perdido, buscando-se nos personagens e a
si mesmo. A obra de Lygia Fagundes Telles apresenta um fio
muito tênue entre memória e ficção. Ela mesma mistura as duas coisas, ao escrever. Quando
criança, ouvia histórias das moças contratadas pela família para cuidar
dela, enquanto trabalhavam. Essas histórias lhe despertaram o gosto pelo
mistério, a invenção, a imaginação. Foi assim que se foi tornando escritora.
Lygia nasceu em São Paulo em 1924, foi eleita para a Academia Brasileira de
Letras em 1985. Entre sua obra, toda ela constituída por uma prosa elegante e
bem urdida, destacam-se também os romances Ciranda de pedra e As horas nuas. Excelente contista, também, com os livros Antes do baile verde e
Cemitério dos ratos.
paulinhopoa2003@yahoo.com.br
paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Lygia Fagundes Telles. As
meninas. SP, Cia. das Letras, 2009, 304 pp, R$ 41,00
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