Com De
olhos bem fechados, de Stanley Kubrick, descobri e passei a gostar de
Arthur Schnitzler (1862-1931). Médico de formação, era dramaturgo, romancista,
contista e ensaísta. Foi contemporâneo e amigo de Sigmundo Freud. A película de
Kubrick foi baseada em sua novela Breve
romance do sonho. No filme, Bill Harford (Tom Cruise) é
casado com a curadora de arte Alice (Nicole Kidman). Ambos vivem felizes, até
que, logo após uma festa, Alice confessa que sentiu atração por outro homem no
passado e que seria capaz de largar Bill e sua filha por ele. Bill fica
desnorteado e sai pelas ruas de Nova
York, assombrado com a imagem da mulher nos braços de outro. Acaba
infiltrando-se em uma reunião secreta numa mansão afastada. Lá, vive emoções
fortes e perigosas, reconhecendo pessoas de seu convívio social, ainda que
todos estivessem mascarados. A novela de Schnitzler passa-se em Viena, quando o
casal Fridolin e Albertine conversam sobre o que aconteceu no baile de máscaras
que acabaram de participar. A conversa envereda por pontos de sedução, ambos
trocando confidências sobre seus desejos e fantasias sexuais, até que a
infidelidade causa uma ruptura emocional em Fridolin. O ciúme é o ponto de
apoio entre os dois. A sequência da história é uma aventura alucinante pela
noite, culminando numa orgia assustadora. Schnitzler nos diz que, mesmo
acordado, não se pode deixar de sonhar.
Bolso, 2008, 112 pp, tradução de Sérgio Tellaroli, R$ 16,50
_________________ Médico das termas. Rio, Record, 2011, 192 pp. Tradução de Marcelo Backes, R$ 33,90
_________________ Aurora. SP, Boitempo Editorial, 2001, 152 pp. Tradução de Marcelo Backes, esgotada
Em Doutor Gräsler:
Médico das Termas (a obra foi reeditada pela Record com o nome de Médico das Termas, pelo mesmo tradutor),Schnitzler nos apresenta o médico
Emil Gräsler, convidado a trabalhar nas termas de um balneário. No mundo local
em que se relaciona, mostra-se gradativamente um homem sem disposição para
firmar vínculos de qualquer natureza, seja na profissão, com as mulheres e os
amigos. O autor desenvolve aqui um recurso literário de que foi um dos
precursores na literatura: o monólogo interior ou fluxo de consciência. Através
dessa estratégia, ficamos acompanhando o pensamento íntimo do personagem que
pouco revela de si exteriormente. Os avanços e recuos nas tentativas de amar, o
sentimento de um vazio imponderável são revelados na análise da alma do Doutor
Gäsler. O personagem faz de tudo para que nós, leitores, não venhamos a gostar
dele, já que nos perturba.
Aurora,
sua obra-prima, passa-se no período anterior à Primeira Guerra Mundial, em
Viena. O tenente Wilhelm Kasda, homem com forte complexo de inferioridade,
decide ajudar um companheiro de caserna, que lhe pedira dinheiro emprestado
para pagar uma dívida. O tenente Kasda, pensando em ajudá-lo, resolve sair à
noite para jogar, sonhando que conseguirá ganhar o suficiente para poder
emprestar o que lhe havia pedido. Kasda ganha algumas vezes, chega a juntar um
monte considerável de dinheiro, que acaba perdendo de uma hora para outra. Sem
dinheiro, não tem como recuperar o que perdera. Então, um cônsul lhe empresta
uma quantia considerável, que o tenente perde. Empresta-lhe mais, até que Kasda
fica devendo ao cônsul onze mil florins, um montão de dinheiro. O credor lhe dá
pouquíssimo tempo para a restituição do montante, sem o quê dará parte ao
exército da falta que cometera. O mundo de Kasda vira de cabeça para baixo,
numa busca alucinada para conseguir um empréstimo. O final da novela
surpreende.
Otto Maria Carpeaux (1900-1978), austríaco e brasileiro,
nos informa em sua monumental História
da Literatura Ocidental, que a obra de Schnitzler é o espelho de uma
sociedade agonizante dividida entre operários socialistas e pequenos burgueses
agitados, antissemitas que responsabilizavam a rica burguesia judia vienense
pelos males do país. Acima dessa massa em ebulição havia a alta burocracia e o
exército, comandando, gente sem nacionalidade definida, com títulos de nobreza
alemães, mas de origens alemã, húngaras e eslavas. Foi dessa elite mesclada que
surgiu a nova literatura austríaca, da qual Arthur Schnitzler é um representante
dos mais importantes. A obra de Schnitzler é escrita com realismo sincero, cabe
ao sexo o papel principal, sem esquecer, entretanto, a morte. O amor em todos
os seus aspetos é quase o único assunto do autor. Há um pessimismo irônico
misturado a uma poesia intensa.
Há mais obras de Arthur Schnitzler traduzidas para o português: Caminho para a liberdade, O retorno de
Casanova, Crônica de uma vida de mulher, A senhora Beate e seu filho etc. A
Editora Record vem editando as obras do autor, sob tradução de Marcelo Backes.
Entretanto, algumas delas ainda se encontram esgotadas. Será preciso
garimpá-las em sebos virtuais com preços acessíveis. Aurora você encontra em bom estado de conservação por um preço
médio de 25 reais. Vale a pena ler as histórias desse autor que sabe cativar e
incomodar o leitor com maestria.
paulinhopoa2003@yahoo.com.br
=======================
Arthur Schnitzler. Breve
romance do sonho. SP, Companhia deBolso, 2008, 112 pp, tradução de Sérgio Tellaroli, R$ 16,50
_________________ Médico das termas. Rio, Record, 2011, 192 pp. Tradução de Marcelo Backes, R$ 33,90
_________________ Aurora. SP, Boitempo Editorial, 2001, 152 pp. Tradução de Marcelo Backes, esgotada
Nenhum comentário:
Postar um comentário