O romance do italiano Alessandro Baricco (1958) é engraçado, mas não é
burlesco. As imagens cômicas que o leitor depreenderá de sua prosa competente
são carregadas de graça e delicadeza, como cenas da commedia dell'arte ou dos
filmes de fantasia de Tim Burton. Essa graciosidade poética da narrativa
retrata o tema que amarra as personagens
do romance: a necessidade de se olhar o que não se vê. O personagem central da história é o mar.
Todos os demais personagens vivem relacionados diretamente com ele. Esses
personagens funcionam como máscaras: um
quer determinar onde começa o mar; outro, onde o mar termina. Há a menina que tem a estranha doença de
flutuar, tirando os pés da realidade. A belíssima mulher que é obrigada a curar-se
do mal do adultério. O estranho marinheiro que precisa salvar as histórias que
escondia. Todos vivem em uma ilha para que tenham um tipo de transformação,
alguma chance que lhes resgate a vida. Vivem em quartos com vista obrigatória
para o mar, que lhes dê alento. Há um sétimo quarto com um habitante que se
mostrará somente no final da história, causando a curiosidade dos demais. Plasson, o pintor, pinta suas telas na beira
da praia, usando como tinta a água do mar. Ele vangloria-se da beleza de seus
retratos, mas os demais habitantes da ilha enxergam somente uma tela em branco.
Plasson anteriormente fizera dinheiro,
tornando-se o retratista mais amado em sua terra. Todas as famílias
endinheiradas faziam questão de ter um retrato seu na parede. Poderia ter continuado assim a vida inteira, enriquecido,
mas certo dia veio-lhe a ideia surpreendente: fazer o retrato dos olhos do mar.
Foi assim que se mudou para a ilha. Naquele lugar, ele e os demais se despem de si próprios, o que são resvala
sobre si mesmos, aos poucos. O presente desaparece diante do mar e se torna
memória. Todos se despem de tudo, medos, sentimentos, desejos. Isso torna-se
roupa que é guardada, porque não se usa mais.
As crianças apresentam papel essencial na narrativa. São
elas que conseguem olhar, que conseguem expressar a verdade das coisas. Funcionam como protótipos da esperança,
conseguem sensibilizar os que não conseguem ver nem sentir. O lado materno do
mar poderá levá-los a enxergar o outro lado. Afinal, talvez seja realmente
importante não sermos sempre os mesmos.
Quem quiser se aprofundar um pouco mais sobre o romance de
Baricco, procure o ensaio da professora Maria Célia Martirani no Jornal
Rascunho, sob o título Quando o olhar se
faz visão.
Oceano mar tem
tradução de Roberta Barni.
paulinhopoa2003@yahoo.com.br
==========================
Alessandro Baricco. Oceano
mar. SP, Iluminuras, 1997, 222 pp, R$ 47,00
Nenhum comentário:
Postar um comentário