Quem me mostrou o escritor islandês Halldór Laxness foi Valter Hugo Mãe em seu romance Desumanização (próxima postagem).Halldór parece nos dizer em seu
longo, belo e poético romance Gente
independente, que um homem não é independente a menos que tenha coragem de
resistir sozinho. Nunca devemos desistir enquanto estamos vivos, mesmo que
roubem tudo da gente. Quando não há mais nada, sempre se pode dizer que o
ar que respiramos é nosso, ou pelo menos a gente pode dizer que o toma de
empréstimo. Quem fica sozinho é o mais forte. O homem nasce sozinho. O homem
morre sozinho. A capacidade de
resistir sozinho não é a perfeição da vida, o objetivo? Lendo o livro, o leitor poderá entender por que Bjartur pensa dessa forma.
Bjartur da Casa Estival conseguira comprar uma propriedade
na zona rural da Islândia, desvalorizada pelo fato de os habitantes do lugar
acreditarem que havia espíritos perigosos nos penhascos próximos ao local. Bjartur não acreditava em espíritos que pudessem interferir em seu
destino. Era dono
de uma propriedade. No prazo de doze anos
pagaria o último centavo pela propriedade, um total de trinta anos. Era um rei
em seu próprio reino. Sua mulher era sua
cônjuge legal, embora não fosse virgem quando casaram. Ásta Sólilja,
suposta filha de um relacionamento anterior da mulher o transformará de forma
definitiva ao final da narrativa.
Leia esse belo trecho que relata uma conversa do neto de Bjartur com a avó, sobre a morte:
Leia esse belo trecho que relata uma conversa do neto de Bjartur com a avó, sobre a morte:
Desde o momento em que ele dera a primeira piscadela sonolenta
até o instante em que as pálpebras pesadas finalmente se abriam, não eram meramente horas que se seguiam a horas; não, século após século pela vastidão
incomensurável da manhã, mundo após mundo, como nas visões de um cego, a
realidade seguia-se à realidade e não era mais realidade - a luz tornava-se mais
brilhante. Tão distante está o dia do inverno em sua própria manhã. Mesmo sua
manhã está distante de si mesma. O primeiro frágil vislumbre no horizonte e a
claridade plena na janela na hora do café são como dois começos diferentes,
dois pontos de partida. E, uma vez que na aurora até sua manhã está distante, o
que ser seu anoitecer? Manhã, meio-dia e tarde estão tão distantes quanto os
países que sonhamos ver quando crescermos; o anoitecer tão remoto e irreal
quanto a morte sobre a qual o caçula ficou ontem sabendo, a morte que leva as
criancinhas de suas mães e faz o ministro enterrá-las no jardim do intendente,
a morte da qual ninguém volta, como nas histórias da avó, a morte que chamará
você também, quando ficar tão velho que se torne criança novamente.
- Então são apenas os bebês que morrem? - perguntou ele.
- Então são apenas os bebês que morrem? - perguntou ele.
Por que perguntara?
Foi porque ontem seu pai havia atravessado as fazendas com o bebê que tinha morrido. Ele carregara-o numa caixa nas costas para ser enterrado pelo ministro e pelo intendente. O ministro cavaria um buraco no pátio da capela do intendente e cantaria uma canção.
Foi porque ontem seu pai havia atravessado as fazendas com o bebê que tinha morrido. Ele carregara-o numa caixa nas costas para ser enterrado pelo ministro e pelo intendente. O ministro cavaria um buraco no pátio da capela do intendente e cantaria uma canção.
- Algum dia serei bebê de novo? - perguntou o menino de sete
anos.
E sua mãe, que lhe havia cantado extraordidinárias canções e
lhe falado tudo sobre os países estrangeiros, respondeu debilmente do leito em
que estava acamada.
- Quando uma pessoa fica muito velha, torna-se novamente um
bebezinho.
- E morre? - perguntou o menino.
Foi uma corda em seu peito que se rompeu, uma dessas
delicadas cordas da infância que se rompem antes que a pessoa tenha tempo de
perceber que são capazes de soar; e essas cordas não soam mais; doravante são
apenas uma lembrança de dias incríveis.
- Todos nós morremos.
Mais tarde nesse dia, ele tocara no assunto novamente, dessa
vez com a avó:
- Eu sei de alguém que
nunca morrerá - disse ele.
É verdade, meu bichinho? - perguntou ela, perscrutando-o de
cima do nariz com a cabeça inclinada para o lado, como era seu costume quando
estava olhando para alguém. - E quem seria este?
Meu pai - respondeu o menino, decidido. No entanto, ele não
tinha certeza absoluta de que não estaria cometendo um erro, porque continuou
olhando para a avó com olhos interrogativos.
- Ah, ele morrerá, claro que morrerá - rosnou a velha,
impiedosa, quase exultante, e soltou um sonoro suspiro pelo nariz.
Essa resposta apenas despertou a teimosia do menino, que
perguntou:
- Vovó, a colher de pau vai morrer um dia?
- Agora chega - explodiu a velha, como se achasse que ele
estivesse zombando dela.
- Mas, vovó, e a panela preta? Ela vai morrer um dia?
- Tolice, criança - replicou ela. - Como pode uma coisa
morrer quando já está morta?
- Mas a colher e a panela não estão mortas - disse o
garotinho. - Eu sei que elas não estão mortas. Quando acordo de manhã, sempre
as escuto conversando.
Que bobagem fizera: havia revelado um segredo que só ele
conhecia, pois só ele descobrira, durante a que talvez tenha sido uma das mais
notáveis todas as vastidões matinais do tempo, que as caçarolas e panelas e
outros utensílios de cozinha mudavam de forma e se transformavam e homens e
mulheres. De manhã cedo, quando ficava deitado e acordado, muito antes dos
outros, ouvia-os conversando entre si com a compostura séria e o vocabulário solene e exclusivo dos utensílios de cozinha. Tampouco foi apenas por acaso que
ele se referira primeiro à colher de pau, pois a colher de pau, afinal de
contas, é uma espécie de aristocrata entre os utensílios,; raramente é usada, e
quase sempre para a sopa de carne, passa a maior parte do tempo pendurada na parede
em imaculada limpeza e ócio decorativo. Entretanto, assim que é trazido para
baixo o papel que desempenha na panela é o mais notável. O menino, portanto,
considerava a colher de pau com particular respeito e achava que não havia
ninguém à qual ele pudesse compará-la senão com a esposa do intendente. A
panela preta, que quase estava cheia até à borda e às vezes tinha uma crosta
queimada no fundo e muita fuligem embaixo, a panela preta não era ninguém mais
que o intendente de Mýri, cuja boca sempre estava cheia de tabaco. Era fácil
ver que às vezes ele fervia e devia haver um fogo em seu interior, e que ele
tinha uma esposa de intendente para mexê-lo para que ele não transbordasse em
ocasiões especiais. o esmo acontecia com
as outras coisas da cozinha: no escuro, transformavam-se em homens e mulheres.
Halldór Laxness (1902/1998) ganhou o Nobel de Literatura de 1955
A edição do livro esgotada, mas você poderá encontrar o livro em algumas livrarias que ainda o têm em estoque. Vá ao buscapé
paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Halldór Laxness. Gente independente. Rio, Globo, 2004, 680 pp, R$ 50,00
Halldór Laxness (1902/1998) ganhou o Nobel de Literatura de 1955
A edição do livro esgotada, mas você poderá encontrar o livro em algumas livrarias que ainda o têm em estoque. Vá ao buscapé
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Halldór Laxness. Gente independente. Rio, Globo, 2004, 680 pp, R$ 50,00
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