Sartre
(1905/1980) sempre conservou, durante
toda sua vida, a junção entre os temas filosóficos e condição humana, através
da literatura. A Náusea, lançada em
1938, é o romance que o levou à
notoriedade. O título inicial era Melancolia, mas por sugestão do editor,
Sartre optou por A Náusea. O romance é importante, na obra de Sartre, por ser a
primeira a desenvolver o tema que aparecerá no restante de sua obra ficcional:
o existencialismo. Está escrito em forma de diário, para dar verossimilhança ao
personagem.
O
personagem central é um historiador que viajou muito. Recolheu-se à cidade de
Bouville para escrever o retrato de um marquês do século XVIII, Rollebon. Como
nessa cidade havia arquivos importantes sobre o biografado, mudou-se para lá.
Em sua convivência no local, vai aos poucos se desinteressando pela existência
de Rollebon, por considerá-lo um personagem de si mesmo, alguém que não é ele
mesmo, e abandona a função de historiador, que passa a considerar uma
subordinação ao real, ao acontecido, e vai dar asas à liberdade através da
ficção.
O
encontro do historiador consigo mesmo é o encontro com a liberdade, e isso
acontece de forma dramática, pois é o encontro com a contingência, isso é, nada
na vida é premeditado. Ocorrem ao acaso. A existência é gratuita.
O
livro é muito teatral, com cenas surrealistas, com personagens caricatos, simbólicos,
como o Autodidata, que adquire cultura na biblioteca da cidade, lendo autores
pela ordem alfabética, sem um objetivo pré-determinado. A moça do rendez-vous
representa a caricatura do sexo, a banalização da vida amorosa e das relações
humanas. Os casais que vão ao restaurante almoçar, namorar e comer, são falsos,
constituem uma imagem projetada, estereótipo, uma tentativa de marcar uma
essência humana e não viver a existência em seu decurso gratuito.
A
namorada que ele encontra no final do livro, na esperança de retomar um amor
perdido, diz respeito ao valor do instante. Ela tem uma característica de viver
o instante em toda sua intensidade, mas perdeu isso com o tempo,
idealizando-o. Quando se separam, o personagem
toma consciência de que cada um tem a sua história. E supera a náusea, a
contingência de existir, ao ouvir uma música que ele considera perfeitamente
acabada, como a vida deveria ser, mas não é. Vai escrever um livro de ficção,
onde a liberdade apareça.
Sartre
debruça-se em A Náusea, sobre a
filosofia da existência, onde não existe uma essência humana à qual os
exemplares estão determinados, existe o homem existente em sua contingência e
sua gratuidade, ao contrário da figura idealizada que o pensamento burguês
supunha.
O
romance é anterior a O ser e o nada (se
o homem existe, Deus é nada; se Deus existe, o homem é nada) e ao O que é literatura?, onde se propôs a
responder em que medida a literatura deve ater-se à vida circundante e, a seu
modo, refleti-la e procurar transformá-la. Mas contém, em essência, aspectos
das duas obras filosófico literárias.
Tradução
de Rita Braga
=================
Jean-Paul
Sartre. A náusea. Rio, Nova
Fronteira, 2006, 222 pp.
Nenhum comentário:
Postar um comentário