O professor vienense Herbert Marder (1934), é professor
emérito de inglês em renomada universidade norte-americana. Sempre gostou de
Virgínia Woolf (1882/1941). Já havia escrito um livro sobre a autora, antes de empreender-se
na interessante biografia dessa escritora magnífica, um dos pilares do
romance moderno universal.
O biógrafo abre o livro, perguntando: por que há quem
escreva biografias e por que há quem as leia? Bem, pode ser por uma busca de
identidade, por rememorar quem fez ou criou estórias que se mantiveram vivas
para a humanidade. O biógrafo é quase um romancista. A diferença está no fato
de a personagem ser filha da imaginação do romancista, ao passo que para o
biógrafo, o biografado transcende a imaginação para ser humano. O bom biógrafo
busca seguir os passos do biografado, combinando um estilo discreto à tentativa
de transmitir verdades emocionais, bem como históricas, sobre a pessoa e os
fatos. Herbert Marder passou-me a sensação de ter sido honesto na busca de
traçar o perfil de Virgínia Woolf. Não se ateve a comentar relações bissexuais
esparsas que a autora teve com algumas mulheres, nem expôs as crises
psicológicas que a escritora teve, foram inúmeras, de forma sensacionalista. Sua
decisão de escrever essa biografia, ele explica, surgiu de um fascínio seu pelo
modo como as pessoas mudam sob grande tensão. Assim, descreveu as mudanças por
que Virgínia passou na década de 1930, seus esforços para se opor à insanidade
coletiva sem tornar as coisas piores. A escritora vivenciou os ataques de
Hitler sobre a Inglaterra, no início da segunda guerra mundial. Virgínia,
entretanto, recusava-se a imitar o inimigo, respondendo à violência com
resistência passiva e uma veemente indiferença, que alguns críticos denunciaram
como parte do caráter alienado da escritora à política, o que não foi verdade,
conforme o leitor vai verificar se ler a biografia. O biógrafo mapeou a
interseção da evolução pessoal da escritora com os eventos históricos. Nesse
caminho, o autor descobriu mudanças numa personalidade que, de início, nutria
antigos preconceitos que cedia, às vezes, mas se reformulou. Vivendo numa
sociedade elitizada, soube simpatizar com a classe trabalhadora pobre e sem
educação.
Marder procurou ouvir o que Virginia Woolf realmente disse,
não o que se esperaria que ela dissesse. Confiar, também, no próprio testemunho
da escritora e traçar os motivos de sua criação artística, o cerne de sua identidade
definido por suas próprias palavras. O autor teve acesso ao diário de Virgínia
Woolf e a algumas cartas trocadas com pessoas próximas a elas. Virginia
escrevia cartas e anotações de diário numa velocidade espantosa. Esses
escritos, sem padronização e sem censura lhe deram a vívida impressão da
personalidade da autora.
Dona de uma escritura refinadíssima, onde predomina o
fluxo de consciência, quando as ações externas parecem ter menos valor que o processo de pensamento integral de um
personagem, com o raciocínio lógico entremeado com impressões pessoais
momentâneas e exibindo os processos de associação de idéias, quase toda sua
obra é constituída de obras-primas. As que mais se destacam, sob meu ponto de
vista, são Orlando e Mrs. Dalloway. Virgínia Woolf esteve sempre perto dos
limites psicológicos extremos. Tinha transtorno bipolar. Durante anos mantivera sua
doença sob controle, mas sabendo que sempre poderia voltar. Quando estava bem,
sua energia era notável, mas quando sucumbia às crises, tinha fortes dores de
cabeça e surtos de melancolia. Em março de 1941, após um colapso nervoso, ela
conseguiu sair de casa sem ser vista e entrou no rio próximo a sua propriedade,
para morrer afogada.
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Herbert Marder. Virginia Woolf, a medida da vida. SP, Cosac
Naify, 2011, 584 pp. R$ 77,00