Em um dos monólogos, ele diz: Eu nunca me aproximara tanto do teu corpo. O teu cheiro
surpreendeu-me pela delicadeza e pela névoa erótica. Encostei o meu braço ao
teu e comecei a transpirar. Sentia uma vontade violenta de me desmoronar em ti.
Não, não era fazer amor. Fazer amor não existe, porra, o amor não se faz. O
amor desaba sobre nós já feito, não o controlamos – por isso o sistema se cansa
tanto a substituí-lo pelo sexo, coisa gráfica, aparentemente moldável. Também
não era foder, fornicar, copular – essas palavras violentas com que tentamos
rebentar o amor. Como se fosse possível. Como se o amor não fosse exatamente
essa fornicação metafísica que não nos diz respeito – sofremos-lhe apenas os
estilhaços, que nos roubam vida e vontade. Eu queria oferecer-te o meu corpo
para que o absorvesses no teu. Para que me fizesses desaparecer nos teus ossos.
Eu, educado no preceito alimentar de que os rapazes comem as raparigas, depois
de uma vida inteira de domínio dos talheres queria agora ser comido por ti.
Queria entregar-me nas tuas mãos.
A escritora portuguesa Inês Pedrosa (1962) ganhou
reconhecimento no Brasil com o romance Em tuas mãos, em que intercala os discursos de três mulheres de uma
mesma família, entrecruzando memórias e pensamentos que ilustram três gerações.
Em 2007, a Alfaguara lançou aqui A eternidade e o desejo, onde uma jovem
professora portuguesa decide voltar a
Salvador (Bahia) anos após ter ficado cega ao tentar salvar de um tiroteio o
homem que amava. Nesse regresso ao
Brasil, seu objetivo é seguir as pegadas de Padre Antônio Vieira, buscando
conforto e inspiração em seus sermões, ao mesmo tempo em que relembra o passado
e começa, lentamente, a mergulhar no sincretismo religioso baiano. Fazes-me
falta, obra anterior a A eternidade e o desejo, chega à mídia através da
publicação da Folha de São Paulo, que reeditou obras da literatura
ibero-americana.
Em Fazes-me Falta, a autora compõe uma narrativa com duas vozes distintas - um homem e uma mulher - que se entrecruzam gradualmente sua intensa relação em monólogos, num estado intenso entre paixão e amizade. De forma insólita, esse diálogo resulta num contato partido, pois a mulher, cuja voz inicia esse romance, morreu ainda jovem. É ela, no entanto, quem ampara seu companheiro da perda e da solidão. Entre as lembranças de encontros e desencontros, caberá a ambos dizer o que nunca puderam pronunciar em vida, e curar antigas cicatrizes do passado. O romance sofre do problema da sintaxe portuguesa, com a rigidez da colocação dos pronomes oblíquos, que chateia um pouco. Os personagens falam como escrevem. Fora isso, é uma historia contada com delicadeza e sensualidade, apesar das perdas.
paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Inês
Pedrosa. Fazes-me Falta. SP, Alfaguara Brasil, 2010, 224 pp., R$ 38,90
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