Levei um tempo para decidir falar do Catatau de Paulo
Leminski. É desses livros que quase ninguém leu e talvez não consiga levá-lo
adiante, se não tiver fôlego suficiente. Entretanto, vale a pena falar de
Catatau pela sua importância como prosa concretista de um poeta igualmente
concretista que foi Paulo Leminski. Nascido em 1944, em Curitiba, e morto em
1989, foi escritor, poeta, crítico literário, tradutor e professor. Foi
casado com a poeta Alice Ruiz, de quem você deve conhecer o trabalho através
das letras de muitas músicas de Arnaldo Antunes e Itamar Assumpção. Leminski
também teve poemas musicados por Caetano Veloso e o grupo baiano A Cor do Som. Possuía
profundo conhecimento intelectual, foi considerado pela crítica como poeta de
vanguarda, talvez por ter aderido à contracultura, publicando seus versos em
revistas alternativas. Também foi incluído na geração de poetas marginais da década
de 80, apesar de não ter se aproximado dos poetas dessa leva. Travou amizade com Décio Pignatari, Haroldo e
Augusto de Campos. Chegou a fazer parte do Grupo Noigandres, surgido inicialmente
na década de 50, em São Paulo, para divulgar a poesia concretista, que supervalorizava
o caráter gráfico da palavra, proporcionando novos níveis de leitura..Profundo conhecedor da literatura e
cultura japonesa, Leminski notabilizou-se com sua poesia curta, fazendo haicais
e brincando sobre frases feitas, no jeito próximo a Oswald de Andrade.
Considerado pelo
autor um romance-ideia, Catatau, publicado em 1975, fala da vinda do filósofo René Descartes (no romance
chamado de Cartésio) ao Brasil, junto com Maurício de Nassau, durante as
invasões holandesas. Cartesio veio aqui para exercer a lógica: penso, logo
existo. Cartesio espera a vinda do polonês Artychewsky, também vindo com os
holandeses, para mostrar ao filósofo como funcionam as coisas no Brasil
quinhentista. Com um cachimbo de “canabis” em uma das mãos, presente de um
escravo, e uma luneta na outra, passa a estudar a paisagem e a filosofar de
forma verborrágica. Esse discurso é o que sustenta toda a narrativa, visto que
o polonês Artyschewsky só vai aparecer na história na última página do livro,
podre de bêbado. O livro apresenta de forma satírica o ponto de vista
cartesiano sobre o Brasil e o desenvolvimento. O texto, apesar de cansar um pouco, é
muito divertido. É bom que seja lido em pequenas doses. Assim o leitor
certamente vai se rolar de rir das tiradas de Cartesio, parodiando discursos e
jargões conhecidos de nosso imaginário popular.
O “chapado”
Cartesio, faz suas tiradas filosóficas. Conta-nos, por exemplo, de um tratado
sobre o juiz perfeito, chegando à conclusão de que o juiz seria tanto mais perfeito
quanto mais se assemelhasse ao réu, para conhecê-lo e puni-lo com justiça.
Assim, o juiz e o réu seriam a mesma pessoa, que se absolvem e fazem as pazes.
E arremata: “Quando se come é que se vê como a natureza foi sábia em colocar o
boi no prato e o homem na cadeira”. Noutra, “Do mau pau cai o bom macaco, com
caco pra cá, outro naco lá para as putas, que me lambdam, me arrepenteiem, me
arrebastam, me depressipintam: falai do mau, parai o pau, a pedra, o pacau.
Desse coalho – não sai coelho, aquele cacau no cascalho tira água do joelho”.
Em mais uma de inúmeras outras: “Fluxo, lago enxuto”.
Catatau seria
obra para leitores verticais? Nem tanto. Basta ter senso de humor.
paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Paulo Leminski.
Catatau: um romance-ideia. SP, Iluminuras, 2010, 256 pp. R$ 44,00
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