Bernardo Kucinski (1937) esclarece o leitor em K. Relato de
uma busca, que "Tudo neste livro é
invenção, mas quase tudo aconteceu".
Um homem morou por tinta anos em
uma casa e costumava receber de tempos em tempos cartas de um banco com oferta de produtos
financeiros endereçadas a sua filha que
nunca morou lá. De início, questionou como era possível enviar reiteradamente
cartas a quem desaparecera há mais de três décadas. Sua filha tinha sido morta
pelo regime militar e seu corpo nunca foi encontrado. Por que teria ela dado esse endereço, se a
casa havia sido comprada seis anos depois de seu desaparecimento? De fato, os
fugitivos do exército que entravam para a clandestinidade não tinham lares
fixos. Talvez ela tivesse dado aquele endereço ao banco como forma de se
proteger.
Esse homem é K.,um imigrante judeu, professor emérito, escritor de livros em iídiche,língua que os judeus da Europa oriental falavam e
hoje é língua morta, substituída pelo
hebraico após a criação do estado de Israel. Bernardo Kucinski descreve a
agonia e a angústia desse um homem que vê a filha desaparecer subitamente, saber
que casou no exílio como forma de se proteger ela e o marido em caso de fuga,
sem que pudesse participar, bater em diversas delegacias e departamentos do
exército e nunca ter uma resposta concreta de que a filha havia sido mesmo
sequestrada, sem nunca saber se estaria viva ou morta.
Quem acompanhou ou
tem conhecimento do que foi o doloroso processo de perseguição aos presos
políticos, vai reconhecer no livro personagens que remetem a figuras conhecidas
do meio repressivo, a maior não nomeada, com exceção do delegado Fleury. Esses
acontecimentos, entretanto, ganham fôlego maior pela força da ficção representada
pelo personagem K.
O desaparecimento da irmã do escritor durante a ditadura
militar serviu de mote para a construção dessa narrativa carregada se suspense,
agonia e compaixão.
paulinhopoa2003@yahoo.com.br
==========================
Bernardo Kucinski. K. Relato
de uma busca. SP, Cosac Naify, 2014, 192 pp, R$ 29,90
Nenhum comentário:
Postar um comentário