George Eliot (1819/1880) era mulher. Seu nome feminino era Mary Ann Evans. Feia, sem dote e sem posses, iniciou seus esforços
no sentido de adquirir cultura de forma autodidata, pois a mulheres do seu tempo só lhes restavam o ensino de boas maneiras, belas-artes, piano, religião e
bordados. Tinha personalidade marcante. Fugiu com um homem casado, numa época em que tal atitude chocava a moral protestante. Chamava-se George Eliot e era escritor. Foi ele que a incentivou a escrever romances. Foi dele que Mary
Evans adquiriu o pseudônimo com que se tornou conhecida, rica e famosa como
escritora. Essa atitude não adviria de um ato de submissão ao marido, pelo contrário, teria sido uma forma de homenagear o grande amor de sua vida, que a incentivou a escrever.
Dorothea, a jovem heroína de Middlemarch, é cheia de bondade.
O desejo de aprender e partilhar a cultura então exclusiva dos homens, faz com
que se case com um senhor trinta anos mais velho que ela, rabugento, doentio,
egoísta, mas supostamente culto. A autora nos mostra, nessa fase da vida de
Dorothea, os equívocos do casamento como ilusão ou negócio, não como uma troca,
retratando, assim, a sujeição degradante em que as mulheres viviam. Quando o
marido morre, deixa-a muito rica. Deixa também um testamento que ordena a
perda de seus bens, caso ela se case com um primo do marido, que lhe nutria um amor que não conseguia esconder.
Viúva, decide acordar da gaiola de luxo a que fora
submetida, enfrenta a oposição da família, as opiniões da cidade e as
convenções do mundo para realizar seu amor, mesmo tendo de perder a riqueza que
não a fazia feliz. Há toques feministas no romance, embora as mulheres não
sejam poupadas, quando a vida provinciana é exposta pelo que tem de mais fútil.
Dividido em oito partes em suas quase novecentas páginas, Middlemarch tece
outros eixos de vida na figura do médico Lydgate, que trouxe à cidade um método
diferente de tratar os pacientes. Esse médico casa-se por amor, mas sua vida é arruinada quando
fica endividado para tentar ostentar uma vida burguesa fora de suas possibilidades.
Vítima de um complô, perde tudo, mas mantém sua moral com a ajuda de
Dorothea. Há também a vida de Garth e sua família, que vive uma vida de
dificuldades, mas não abre mão de seus princípios morais.
Para dar credibilidade ao realismo de seu romance, George
Eliot se muniu de dados meticulosos sobre o que acontecia no país por volta de
1830, ano da ação do romance. Enfoca o estado de
certas áreas de atividade como a medicina, à qual faz críticas ferozes. Todo o
mundo das profissões masculinas: uma sequência de figuras caricatas como um
leiloeiro pedante, um espertalhão que vende cavalos, um juiz ardiloso, médicos
retrógrados, um banqueiro que esconde as falcatruas do passado e a origem de sua
grande fortuna sob o pretexto por obras de caridade e hipocrisia religiosa. É um
mundo que parece brotar da falsidade e onde a gana por dinheiro silencia os princípios, cheio de teatralidade e astúcia, de palavras belas e vazias,
Middlemarch, um estudo da vida provinciana é uma história
que se lê sem pressa, de forma muito agradável. A tradução do poeta Leonardo
Fróes é primorosa. É considerado pela crítica especializada um dos melhores
romances do século XIX. A edição brasileira da Record encontra-se esgotada. Existe a edição portuguesa da Relógio d'Água por R$ 103,10 com praso de seis semanas para entrega. Você pode encontrar o romance editado pela Record em sebos virtuais em ótimo estado de conservação, por 40 reais.
Paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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George Eliot. Middlemarch, um estudo da vida provinciana.
Rio, Record, 1998, 884 pp.
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