O velho embaixador Soares de Vilhena precisa descobrir o que
se esconde por trás da morte misteriosa de sua filha, também casada com um
embaixador. Soares de Vilhena notara que a filha andava meio tristonha pouco
antes de sua morte, mas o marido reiterava que era exagero da moça. Como tem dificuldade para a leitura, devido à
catarata avançada, contrata uma jovem estudante de literatura para ler as
notícias de jornais e trechos de livros para ele. Para o embaixador, cegos capazes de ver mais
que os outros eram personagens recorrentes na tradição literária.
Personagens que pareciam não ver mas
tinham uma visão interior, como visionários ou videntes, em condições de
reorganizar o mundo a partir de outros parâmetros. Capazes de apreender os
fatos ocultos ou revelar sinais vindos do céu.
O embaixador sentia estar se
reduzindo a um velho cego na dependência de ser guiado por uma moça. Obrigado a
reconhecer que fora incapaz de conduzir a própria filha e de lhe apontar saídas
que a aliviassem ou sendas que a livrassem do terror pessoal que lhe paralisara
o coração. Vontade de se incluir no coro grego da tragédia e repetir com eles
seu refrão, um desejo expresso de jamais haver existido, para não ter de viver
aquela situação. O aparecimento de um envelope com documentos antigos,
entretanto, traz à tona os fantasmas que assombram a família: fotos e
fragmentos de textos da filha que morreu em circunstâncias misteriosas. Tal
como Édipo cego que vai em busca da verdade trágica, o embaixador Vilhena vai
em busca da sua verdade de vida.
Mas há um segundo núcleo da narrativa. Jorge, seu
fisioterapeuta, tem o pai, funcionário de uma repartição pública, acusado
injustamente de participar de um esquema de corrupção. Daí temos a Infâmia que
dá título ao romance de Ana Maria Machado.
Custódio, o pai do fisioterapeuta, era funcionário atento, responsável
zeloso pelo almoxarifado. Esse Custódio começa a notar o consumo exagerado de
papel e material de escritório e produtos de limpeza. Com a ajuda de um
jornalista, denuncia a fraude a um jornal. É quando passa a ser difamado
publicamente e hostilizado no local de trabalho, a ponto de precisar se afastar
do trabalho. O neto de Vilhena, que buscara o auxílio do avô para fazer um
documentário se interessa pela história do pai do fisioterapeuta e as duas
histórias se cruzam.
Ana Maria Machado teria ganho o Prêmio Jabuti 2013 de
romance, não fosse ter levado nota zero de um dos jurados, Rodrigo Gurgel, que
argumentou posteriormente ter achado o livro de Ana Maria Machado pobre na
história e esteticamente. Rodrigo Gurgel quis chamar a atenção à organização do
Prêmio Jabuti para a valorização da obra e não a valorização do autor sobre
ela. Mas, Ana Maria Machado foi recompensada com o Prêmio Zaffari Bourbon de
melhor romance.
Reconhecida como boa escritora de obras infanto-juvenis, Ana
Maria Machado vez ou outra enveredou para romances para adultos, como esse
Infâmia. Para mim, a história não convenceu, apesar da ideia brilhante de
parodiar a cegueira de Edipo com a do embaixador, como sustentação para
descobrir a verdade trágica da morte da filha. A leitura torna-se cansativa
pela fragilidade argumentativa. Mas é bem escrito e merece ser lido para os fãs
da escritora Ana Maria Machado.
paulinhopoa2003@yahoo.com.br===========================
Ana Maria Machado. Infâmia. Rio, Objetiva, 2011, 277 pp, R$ 45,90
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