O homem sem
qualidades
é uma obra híbrida: contempla ensaísmo e narração. Seu processo de criação foi
lento e exigente. Em 1906, Robert Musil (1880/1942) já tinha anotações sobre a estrutura do
livro, que é publicado em 1930, a primeira parte. Em seguida, por pressão dos
escritores, edita a segunda parte. A terceira parte, inacabada, foi publicada
após sua morte, em 1942, pela viúva do autor. A edição brasileira contém as
três partes do livro.
A
proposta do autor era contar como o homem normal nasce e se coloca diante da
realidade empírica sem se deixar submeter a uma razão opressora. O ser que não
tem qualidades próprias, que não sabe o que é, que só se conhece no cumprimento
de tarefas. Diante disso, busca saber como pode adquirir o autoconhecimento
diante da modernidade. Embora escrito entre a primeira e segunda guerras
mundiais, não se trata de um livro histórico, nem um manifesto contra o
nazismo. O que o escritor austríaco se propõe é narrar a utopia de Ulrich, de
criar um mundo à parte.
Ulrich,
o homem sem qualidades, é alguém que se propõe a tirar férias da vida. Não tem uma profissão
definida, não tem família e sente que vive num mundo de qualidades que são
impostas a ele. A história começa em 1913 em dois mundos paralelos, o da
reflexão do protagonista e o mundo dos eventos. No mundo dos eventos, existe
uma trama paralela, a ação patriótica para comemoração do jubileu de coroação
do imperador austríaco, em 1918. Aparecem as mais diferentes personalidades da
aristocracia. Ulrich é secretário desse comitê, que não chega a lugar nenhum.
Em
contrapartida, há a figura de Moosbrugger, um assassino que chama a atenção de
todos pelo crime de matar sua mulher. A intenção da sociedade é eliminar esse
elemento, através da condenação à morte. Mas o grupo liderado por Clarisse e
Walter, amigos de Ulrich, é estudar uma terceira via para o destino do assassino.
Na
segunda parte há também uma relação quase incestuosa entre Ulrich e a irmã
Ágatha, que surge quando decide separar-se do marido, aplicando-lhe um golpe no
testamento deixado pelo pai. A
aproximação de Ulrich com a irmã é uma forma de tentar dar uma continuidade dos
acontecimentos que giram em torno de sua existência. Uma forma de recuperação.
Ulrich
é um homem bastante à frente de seu tempo. Provara ter espírito forte e
aguçado. Sempre sabe o que deve fazer, sabe olhar nos olhos de uma mulher, sabe
refletir bastante sobre qualquer coisa a qualquer momento. Talentoso, isento de
preconceitos, corajoso, resistente, destemido, prudente.
Essas
qualidades, entretanto, ele não as tem. Elas fizeram dele aquilo que ele é, e
determinaram seu caminho, mas não lhe pertencem. A uma coisa, Ulrich opõe
outra. Para ele, nada é sólido. Tudo é mutável, parte de um todo que ele ainda
não conhece integralmente. Assim, todas suas respostas são respostas parciais,
cada um de seus sentimentos um ponto de vista. Para ele, não importa o que a
coisa é, mas como é. O adjetivo
"homem sem qualidades" deve ser visto nesse sentido. Um
caráter sem caráter nenhum.
Tradução
de Lya Luft e Carlos Abbenseth
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Robert
Musil. O homem sem qualidades. Rio,
Nova Fronteira, 1989, 872 pp.
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