A escrita é um ato de solidão. Ninguém
pode fazer nada a ninguém, a não ser o escritor a si mesmo. A escrita literária
é pura abstração poética. Uma das funções da linguagem poética é mostrar as
coisas que não acontecem no convívio social. GH não tem memória empírica, é
pura abstração. Está no quarto de empregada e logo mais num minarete no
deserto. GH sonha em se objetivar, mas é medrosa: “Ontem, no entanto, perdi
durante horas e horas a minha montagem humana. Se tiver coragem, eu me deixarei
continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não
entendo – quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo,
não sei me entregar à desorientação.” (p.8) Mesmo assim insiste, quer escrever sobre o que não tem controle, quer compartilhar
sua individualidade.
A paixão segundo GH não é um mergulho na
loucura nem no inconsciente por si só. Sua luta deve ser a busca com o mundo.
Está tentando dar uma forma à sua desorientação. GH quer a objetividade: “Será
preciso coragem para fazer o que vou fazer: dizer. E me arriscar à enorme
surpresa que sentirei com a pobreza da coisa dita. Mal a direi, e terei que
acrescentar: não é isso, não é isso! Mas é preciso também não ter medo do
ridículo: é que há também o dilaceramento do pudor. Adio a hora de me falar. Por
medo?” (p.16)
Ela precisa dizer, mas não sabe como. Ao entrar no quarto da empregada que se fora,
para arrumá-lo, depara-se com uma barata no guarda-roupa. Num impulso prensa o
inseto na porta do móvel. Pronto! Deu-se o fluxo do inconsciente. Esse é o
ponto de partida para a narrativa introspectiva. A personagem, perdida no
exercício da memória, esforça-se para reorganizar o seu discurso, solicitando a
atenção do leitor como a mão que a apoiará nessa tentativa de reorganização
caótica da memória. No romance quase não há ação externa. Ficamos sabendo que mora
sozinha, é independente financeiramente, é escultora, fez um aborto e amou um
homem, mas esses acontecimentos externos não são desenvolvidos, não adquirirem
importância na obra. O que vale é seu labirinto interior.
A
paixão segundo GH
é um romance metafísico. Trata-se de um monólogo centrado na experiência da
linguagem. O eu e a coisa. GH e a barata (que inicialmente é nojenta). O
romance é uma narrativa poética, como já se disse. GH efetua uma busca
existencial, própria da poesia. O tempo interior é o que predomina, com suas
angústias e seus gestos.
“Viver não é
coragem, saber que se vive é a coragem.” (p.20)
Clarice Lispector. A paixão segundo GH. 6ª ed., Nova Fronteira, 1979, 176 pp
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