O Jogo da Amarelinha não tem cronologia, não tem enredo convencional, nem
suspense. É uma espécie de antirromance. A história, de forma ambígua, faz o
leitor mergulhar no livro intuitivamente, para enxergar o que seja a realidade.
O argumento é aparentemente simples: o argentino Horácio Oliveira busca
incessantemente a Maga, uruguaia, mãe de um menino, que ele conhecera em Paris,
enquanto estava lá exilado. Após a morte do menino, a Maga desaparece e
Oliveira a busca pela cidade parisiense e depois em Buenos Aires, quando entra
em contato com Traveler, administrador de circo, e Talita, sua mulher. À medida
que esse relacionamento avança, Oliveira vai confundindo em sua mente a
presença de Talita com a de Maga. Os três decidem trocar de negócio, comprando
um hospício, onde Oliveira, no final da história, acaba internado como maníaco.
Quando
Oliveira inicia a busca pela mulher, sobre uma ponte em Paris, o leitor já fica
sabendo que a busca do personagem será uma busca perdida, posto que a primeira
frase do romance é a fala de Oliveira, dizendo com o verbo no futuro do
pretérito: "Encontraria a Maga? Mas Oliveira tenta, em vão, recuperá-la
pela narrativa numa divagação frustrada pelas pontes e ruas de Paris, depois no
trabalho com o circo, em Buenos Aires.
O
livro é dividido em três partes: "Do lado de lá", ambientada em
Paris;" Do lado de cá", em Buenos Aires; e "De outros lados",
com capítulos prescindíveis, que se tornarão imprescindíveis, de acordo com a
escolha do leitor. São no mínimo dois romances dentro de um. Cortázar convida o
leitor a escolher uma das duas possibilidade que o livro oferece: o primeiro
livro seria lido em sequência, até o capítulo 56, quando termina a história. O
segundo livro começaria a ser lido a partir do capítulo 73 e seguindo logo na
ordem que é indicada ao final de cada
capítulo. Essa segunda possibilidade tem a ver com o jogo da amarelinha. O
leitor avança, retrocede, avança novamente e assim sucessivamente.
Cortázar pensa a obra de arte como uma condensação de significados. A proposta do autor,
sugerindo ao leitor começar o livro no capítulo 73, parte da destruição radical
de sua estrutura, para inovar na experimentação da linguagem, pois o romance é
projetado em sua própria construção. Ao propor a leitura aos saltos, um jogo, o
autor acrescenta desdobramentos ou
comentários poéticos sobre o romance que se vai construindo, com a participação
do leitor, pois é este que vai consumar a obra, gestando-a à medida em que a lê.
Há
um personagem enigmático que aparece na leitura aos saltos: Morelli, que faz
parte das conversas dos intelectuais integrantes do Grupo da Serpente de Paris,
que se reuniam periodicamente para discutir as coisas da vida. Morelli é um
escritor que não escreve, uma espécie de filósofo idealista, ou então, alguém
que escreve um romance em eterna gestação. Morelli é mencionado na
possibilidade de leitura sequencial como um velho escritor que morre
atropelado, sem que lhe mencione o nome.
Tradução de Fernando de Castro Ferro
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Julio
Cortázar. O jogo da amarelinhas. 22ª
Ed. Civlização Brasileira, 2014, 640p.
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