Quando
tinha 8 anos de idade, o avô de Gabriel García Márquez levou-o a conhecer o
gelo. Esse acontecimento, que ele relembra em suas memórias de Viver para contar, serviu de ponto
inicial para a sua obra-prima Cem anos
de solidão, quando o coronel Aureliano Buendía, diante do pelotão de
fuzilamento, relembra a tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o
gelo. A obra é um resgate dos fantasmas que povoaram a vida de García Márquez
durante sua infância. Muitas das personagens encontram similitudes na vida real
do autor, como ele conta em O cheiro da
goiaba, outro livro de lembranças do escritor colombiano.
Publicado
em 1967, embora tivesse escrito antes, foi o ponto de partida para o boom dos
cinco maiores da literatura latino-americana, que ganhou notoriedade mundial:
García Márquez, Vargas Llosa, Carlos Fuentes, José Donoso e Júlio Cortázar.
Posteriormente, outros juntaram-se ao boom: Miguel Ángel Astúrias, Alejo
Carpentier, Juan Rulfo, João Guimarães Rosa, Juan Carlos Onetti, Borges (um
pouco mais isolado). Começa a existir, assim, o sentimento de latino-mericanidade.
As obras desses autores passam a configurar o realismo mágico, que não se deve
confundir com o realismo fantástico. Esse é uma alegoria, enquanto o realismo
mágico resulta de um tipo de consciência mítica do mundo. Os personagens desses
romances, de certa forma, sacralizam o mundo. Seus destinos já estão marcados
desde o nascimento. Esse tipo de característica é pertencente às sociedades
arcaicas.
Em
Cem anos de solidão, José Arcádio, o
patriarca da clã dos Buendía, tem
predileção por descobertas e pelo esoterismo. Trava conhecimento com o cigano
Melqúiades, que lhe ensina a magia, ao mesmo tempo em que escreve em uma língua
desconhecida os documentos que serão traduzidos por um descendente da família. Na
verdade, é Melquíades que escreve os cem anos de solidão da família Buendía.
José Arcádio acaba morrendo amarrado a uma amendoeira, louco. Aureliano
Buendía, um de seus filhos, é introvertido, apresenta uma imagem taciturna e
frágil. O pouco de felicidade que teve na vida, foi quando se apaixonou por
Remédios, uma criança. Foi preciso que esperasse a menina adolescer para que se
pudesse casar com ela. Ela morre em seguida, quando tenta dar à luz. Depois tem
relação com Pilar Ternera, uma índia que jogava cartas e búzios. Figura
centenária em quase toda a obra. A descendência dos membros da família
apresenta relações incestuosas. Por isso a loucura se manifesta em mulheres
solitárias e secas, como Rebeca, que comia terra, Amaranta, que recusou todos
os pretendentes apesar de amá-los. Úrsula, a matriarca, temia que nascesse
alguém com rabo na família, o que acabou acontecendo com o último dos Buendía,
um Aureliano.
O
Coronel Aureliano Buendía teve seus primeiros contatos com as tensões políticas,
com as eleições que aconteceram em
Macondo. É quando aprende a distinguir um liberal de um conservador. Acaba
simpatizando com os liberais. Ser liberal não consistia em ser um ser com
lisuras, Aureliano Buendía praticava a violência com seus inimigos e a
corrupção, pelo poder. Aureliano será um dos que lutam na Guerra dos Mil Dias,
que ocorreu no período de 1896 a 1902, na Colômbia, quando os conservadores
vencem. Há um longo período de ditadura, onde os liberais são perseguidos. Na
vida de García Márquez, seu avô simpatizava com os liberais, mas seu pai era
político conservador. Por isso não há defesas de um regime ou de outro.
Aureliano
morre numa tarde solitária de outubro, passando a ser uma lenda viva para todos
de Macondo e arredores. Morreu velho, triste, taciturno e ensimesmado,
exatamente como fora na juventude. O ciclo do Coronel Buendía é um ciclo de
solidão, que acaba dando nome ao livro. Os 17 filhos que teve com 17 mulheres
diferentes, todos Aurelianos e Arcádios alguma coisa, todos assassinados, todos
com um ar de solidão que não permitia pôr em dúvida o parentescos com o coronel
Aureliano Buendía.
É
um livro riquíssimo, com várias histórias que se cruzam e se mesclam formando o
todo do universo de Cem anos de solidão.
Tradução de Eric Nepomuceno
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Gabriel García Márquez. Cem anos de
solidão. 46ª ed, Record, 2009, 448 pp.
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