O Jardim do Passado é o último romance da trilogia do Cairo. Estamos no ano de 1935. Faz 15 anos que a revolução para a independência do Egito começou, mas os ingleses ainda
estão por toda parte. A velha tradição egípcia ainda apresenta sinais de vida. Para Ahmed Abd el-Gawwad, o patriarca da família, o tempo do esforço, da luta e dos prazeres estava acabado. Agora, ele se curva no canto da aposentadoria, dando
adeus ao mundo do futuro para saudar o da velhice, da doença, da espera e do
definhamento do coração tão loucamente apaixonado pelo
mundo e por seus prazeres, já que a fé era para ele apenas uma de suas
alegrias, uma incitação a se recolher. Nunca, até então, conhecera a devoção
austera que faz renunciar ao mundo e erguer os olhos para o além. Certamente, a
loja não era mais "sua loja", mas como apagar a lembrança dela,
que tinha sido o centro de sua atividade, o alvo dos olhares, o ponto de
referência dos amigos e dos irmãos, a fonte de honra e prestígio? Só lhe restava, agora, o consolo. Casara suas filhas, educara seis filhos, vira
nascer seus netos, que tem dinheiro bastante para sustentá-lo até a morte. Provara bastante o sumo da vida. Chega, agora, ao tempo
de dizer obrigado. É um dever agradecer a Deus sem cessar, sem nostalgia.
Kamal, o filho mais novo,
agora com 30 anos, é o professor que sempre quisera ser. Transformara-se no
vagabundo a explorar campos infinitos do pensamento, lendo, tomando notas que
depois eram reunidas em seus artigos. Nisso, a sede de conhecimento, o amor à
verdade, o espírito de aventura imaginário motivara seu esforço, como o desejo
de se consolidar e se distrair do clima sinistro que o submergia, desse
sentimento de solidão que jazia no seu âmago. Certa vez, encontrou Latif, o amigo da adolescência, quando discutia
política e conhecera Aída, que se casara com Hussein, outro amigo rico. No
espaço de alguns anos, de 1924 a 1935, um novo Latif nascera, mas permanecia, apesar de tudo, o velho e eterno
amigo. Kamal pôs-se a olhar o amigo com uma curiosidade redobrada. Tinha diante
de si um outro indivíduo, sem relação comum
com o Ismail Latif com quem convivera entre 1921 e 1927, esse período
único de sua vida que ele vivera intensamente, do qual nem um minuto se passara
sem alegria profunda, da verdadeira amizade encarnada em Hussein
Sheddad, do puro amor cristalizado em Aída, do ardor impetuoso nutrindo à chama
da revolução egípcia; o das experiências violentas em que o tinham lançado a
dúvida e os caprichos da carne. Este mesmo Ismail Latif tinha sido o símbolo daquela
época, o iniciador eminente. Mas tinha ele hoje a ver com aquilo? Talvez a lembrança
viva de um passado fabuloso. Kamal pode-se orgulhar de que o passado não foi um
sonho.
A narrativa segue, neste último volume da trilogia do Cairo,
com os sobrinhos de Kamal, jovens e idealista. O Egito, no campo político,
continua atrelado, ainda, à Inglaterra, apesar da independência. O mundo estava
se preparando para enfrentar a Segunda Guerra Mundial.
paulinhopoa2003@yahoo.com.br
===============================
Naguib Mahfouz. O jardim do passado. Rio, Record/Best bolso, 2008, 434 pp, R$ 22,00
paulinhopoa2003@yahoo.com.br
===============================
Naguib Mahfouz. O jardim do passado. Rio, Record/Best bolso, 2008, 434 pp, R$ 22,00