O Sr. Grandet era, em 1789, um mestre tanoeiro bastante próspero,
sabendo ler, escrever e contar. Quando, no distrito de Saumus, a República pôs
à venda os bens do clero, o tanoeiro, então com quarenta anos, acabara de
desposar a filha de um rico negociante de tábuas. Munido de sua fortuna líquida
e do dote, munido de 2000 luíses de ouro, Grandet compareceu ao distrito, onde,
graças a 200 luíses duplos oferecidos pelo sogro ao feroz republicano que
administrava a venda dos domínios nacionais, obteve, a troco de nada,
legalmente, senão legitimamente, um dos mais belos vinhedos da região, uma
velha abadia e algumas terras arrendadas.
Depois disso, foi
nomeado membro da administração do distrito de Saumur, e sua influência
pacífica fez-se sentir nos domínios político e comercial. Politicamente, ele
protegeu os nobres e usou de todo o seu poder para impedir a venda dos bens dos
emigrados; comercialmente, forneceu aos exércitos republicanos 1 ou 2 milhares
de barris de vinho branco e se fez pagar em soberbos prados, pertencentes a uma
comunidade de mulheres que haviam sido reservados como derradeiro dote.
S
ob o Consulado, foi
prefeito, administrou sabiamente, vindimou melhor ainda; sob o Império (de
Napoleão), voltou a ser o Sr. Grandet. Napoleão não gostava dos republicanos e o
substituiu. Mesmo assim, deixou as
honras municipais sem nenhum pesar. Mandara abrir, no interesse da
cidade, excelentes estradas que conduziam às suas propriedades. Sua casa e seus
bens, vantajosamente cadastrados,
pagavam impostos módicos. Com a classificação das suas diferentes quintas, suas
vinhas, graças a cuidados constantes, haviam-se tornado a cabeça da região,
termo técnico empregado para indicar os vinhedos que produzem a melhor
qualidade de vinho. Teria podido solicitar a cruz da Legião de Honra.
Este acontecimento
deu-se em 1806. O Sr. Grandet tinha então 57 anos e sua mulher andava pelos 36.
Uma filha única, fruto de seus amores legítimos, tinha dez anos de idade.(*)
Como
podemos ver, Balzac nos mostra a figura do Sr. Grandet de forma irônica, que se
aproveitou da liberdade republicana para enriquecer, assim como hoje em dia
fazem os políticos por aqui, de legislar em causa própria.
Ele
era muito conceituado na província. Nunca devia nada a ninguém. Seu grande
defeito era ser sovina até dar com o pau! Tanto que a mulher, a filha e Manon,
a criada fiel, não imaginavam que ele pudesse ser tão rico, tal a penúria com
que ele subjugava a família em seu cotidiano. Mãe e filha eram responsáveis por
toda a roupa da casa, e empregavam tão conscienciosamente os seus dias nesse
verdadeiro trabalho de operárias que, se Eugênia queria bordar algo para a mãe,
era obrigada a perder horas de sono, enganando o pai para poder ter luz.
Só
duas pessoas na cidade podiam supor, vagamente, o vulto de sua fortuna: o Sr.
Cruchot, notário, encarregado das inversões usurárias do Sr. Grandet; outra, o
Sr. de Grassins, o mais rico banqueiro de Saumur, de cujos lucros o vinhateiro
participava segundo sua conveniência e secretamente. Esses dois senhores tinham,
cada um deles, um filho que pretendiam casar com Eugênia Grandet, para
herdar-lhe a imensa fortuna do sovina.
Quando
Eugênia completa 23 anos, o pai faz um jantar de comemoração, onde comparecem
as partes interessadas no dote. De repente, batem à porta e apresenta-se um
jovem cavalheiro vindo de Paris, Carlos, sobrinho do Sr. Grandet e primo,
portanto, de Eugênia. Junto com Carlos vem uma carta lacrada do pai do jovem, onde
o irmão lhe revela que está arruinado, afogado em dívidas, e que cometerá o
suicídio. Pede, assim, que contem ao filho o ocorrido e que o amparem em sua pobreza.
Esse
moço fino, de hábitos corteses, chama a atenção de Eugênia, que se apaixona por
ele de forma ingênua e terna. Ao saber que está sem dinheiro, Carlos decide
saldar o que pode com a venda de alguns bens móveis e planeja viajar às Índias,
para tentar fazer riqueza. Como não tem um puto vintém, Eugênia lhe empresta
uns medalhões de ouro que dão um bom dinheiro para ele fazer a viagem. O sonho
de Eugênia é que ele enriqueça e volte para casarem.
Carlos
desaparece momentaneamente, o pai descobre que a filha havia se desfeito de seu
ouro e a castiga, prendendo-a a pão e água por um bom tempo. A mãe de Eugênia
fica doente de desgosto e acaba morrendo, quando pai e filha já estavam reconciliados.
O Sr. Grandet morre de velho e Eugênia
herda-lhe a herança. E Carlos ressurge em Paris, rico à custa de serviços
escusos. O final do romance é triste, já que Eugênia sucumbe diante de uma
sociedade gananciosa, por acreditar no valor dos sentimentos ternos e
verdadeiros como essência da vida.
Eugênia Grandet é uma joia de romance,
considerado pela crítica como a obra-prima de Balzac, juntamente com Pai Goriot (que mostra o reverso da fortuna
na França pós-Revolução). Balzac usa de descrições de pessoas e de situações de
forma primorosa, que envolve o leitor até o final do romance.
A
edição que eu li tem tradução de Moacyr Werneck de Castro, pela Difel,
relançado pelo selo da Abril Cultural, "Os imortais da literatura
universal". Poderá ser encontrado em sebos. A LP&M tem se dedicado a
boas traduções da obra de Balzac e tem Eugênia
Grandet em seu catálogo. Tem a edição da Martin Claret, porém...
(*)
adaptado
paulinhopoa21003@yahoo.com.br
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