Já se passou quase um século
desde que Tchecov escreveu seus contos, atuais e eternos. Momentos de vida,
fragmentos arrancados do real, trechos da existência cotidiana. A distância no
tempo e no espaço não diminuiu ou empalideceu a força dessas estórias ou a
emoção que sentimos ao lê-las. E isto acontece porque Tchecov - como todos os
grandes gênios criadores - trata da essência do ser humano. As figuras que nos
apresenta são gente como nós, como nossos amigos, vizinhos e conhecidos. As
emoções que sentem são iguais às nossas. E as tramas descritas em cada um de
seus contos - apesar de situadas na Rússia czarista - estão acontecendo à nossa
volta e conosco mesmo.
Tchecov foi um realista no
sentido de expressar em seus textos a "verdade absoluta e honesta".
Quanto mais objetivo, mais forte. Suas histórias respiram realidade, seus
personagens palpitam vida sem um só efeito supérfluo com toda a riqueza e
profundidade de seu conteúdo humano. Tchécov, no entanto, jamais se permitiu
qualquer tipo de pieguice, de sentimentalismo. Mantinha um olhar desarmado de idealizações de
qualquer espécie. Muitos de seus contos
possuem uma atmosfera de tragédia silenciosa, um beco sem saída, numa atmosfera
de tristeza difusa, às vezes revestidas de ironia e humor.
Entre os contos maravilhosos
de Tchekhov destaco O professor de
letras, em que Mikítin toma-se de amores por Maniússia, de 18 anos, que era
apaixonada por cavalos. Passa a fazer visitas constantes a sua casa e os dois
acabam casando. A irmã mais velha, entretanto, mantém-se solteira e isso acaba
causando algum transtorno à família. Ao longo de sua vida conjugal atrelada a
seu contato social, foi dando-se conta
de que era, na verdade, um professor de literatura medíocre, que nunca tivera
talento para o magistério. Na conversa dos demais, passou a perceber o conteúdo
vazio de suas conversas, em que as pessoas só se ocupavam em dissimular a
ignorância e o descontentamento com a vida. Míkitin, assim, passa a ter vontade
de largar tudo, voltar a Moscou e revisitar o quarto de pensão em que morava
quando era solteiro.
Em O assassinato, um garçom
decadente que já tivera vida melhor, serve em uma estalagem onde se cruzavam
duas estradas de ferro. Lá, viviam pessoas igualmente decadentes e derrotadas
na luta pela vida. Um dia acontece um assassinato, presenciado por esse garçom.
o assassino oferece-lhe dinheiro em troca do silêncio. O garçom reluta mas
aceita o dinheiro. Mesmo assim o assassino acaba descoberto e preso. Tchékhov
descreve a vida miserável e desumana com incrível realismo. O escritor havia
conhecido a prisão onde narra a parte final do conto.
Em Os mujiques, temos a classe camponesa apodrecida pela miséria e
abandono do poder público. A grande maioria é constituída de analfabetos. Os
poucos que aprendem a ler, geralmente os homens, partem para Moscou para
trabalhar em casas abastadas. O mujique, isto é, o camponês russo,
hipoteticamente vivia de seu próprio trabalho, depois que a servidão foi
abolida na Rússia da segunda metade do século XIX. Na prática, entretanto, muitos
viviam como escravos livres, pela falta de incentivo para gerarem sua própria
subsistência com recursos próprios. A religiosidade transparece de forma ineficaz
para deter a crueldade presente nessa classe social.
O homem extraordinário retrata a vida de um avarento compulsivo. Numa
madrugada, uma parteira é despertada por um homem que quer contratar seus
serviços, mas exige que ela lhe dê o preço antecipadamente, quer pagar-lhe de
forma justa, nem um centavo a mais ou a menos. Ela lhe dá o valor, ele acha
demais. Ela baixa um pouco, mas ele lhe quer dar menos. Pelo valor que lhe quer
pagar, ela prefere então fazer de graça. Ele quer ser justo e pagar o que ele
acha o correto. Ela recusa. Ele vai embora mas volta em seguida, e decide pagar
o que ela havia pedido. A parteira realiza o parto, mas observa que o homem
permanece calado e inexpressivo. A única que coisa que diz, ao ver o filho, é
dizer: "Pois é, graças a Deus, há um ser humano a mais no mundo".
Quando ele se afasta , a parteira fica sabendo da parturiente que seu marido é
um homem justo e bom, ponderado e sensato economicamente, mas tudo isso de
forma tão extraordinária que todos sentem-se desconfortáveis ao lado dele. A
mulher e os filhos lhe têm medo, apesar dele nunca bater e grita com ninguém. A
parteira sai da casa tão atordoada que no caminha se dá conta de que não havia
cobrado a conta.
São centenas de contos e
algumas novelas. Não esqueçamos de que Tchékhov foi um dramaturgo de sucesso
com O Jardim das Cerejeiras, A Gaivota, Tio Vânia e As três irmãs. O
diretor russo Stanislavski gostava de montar suas peças.
Os contos comentados aqui
foram retirados dos livros Um homem
extraordinário e outras, da LPM, com tradução de Tatiana Belinki; O assasssinato e outras histórias, da
Cosac Naify, com tradução de Rubens Figueiredo e Treze contos de Tchékhov, da Ediouro, com tradução de Maria
Jacintha. Os treze contos foram relançados pela Edibolso (Record). A outra
seleção dos contos de Tchékhov feita e traduzida por Boris Schneiderman pela
Editora 34, A dama do cachorrinho e
outros contos, está na fila de
leitura.
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