No caminho de Swann, o primeiro volume de Em busca do tempo perdido consta, em realidade, de três romances. O
primeiro, "Combray', em forma de devaneio, descreve a infância do terno e
apaixonado menino que era o próprio autor, bem como a vida de veraneio numa
pequena cidade, e as carinhosas relações com a mãe e a avó. Surge então a
figura de Swann, estabelecendo a ligação com Paris. Em "Um amor de Swann",
temos a história da paixão desse homem por Odette, antiga cocote. Swann tinha dinheiro, mas considerado um canalha, por se
envolver com mulheres de baixa condição social. Os dois casam, causando mal
estar na comunidade. O assunto de "Nome de lugar: o nome", é o amor
precoce do menino por Gilberta, filha de Swann e Odette. Completas em si
mesmas, essas histórias foram, contudo, parte integrante de um conjunto mais
amplo, cuja estrutura final só podemos compreender e admirar ao findarmos o
último dos 7 volumes da obra monumental de Proust.
Tradução
de Mário Quintana
Em À sombra das raparigas em flor, o segundo
volume, vemos desenvolver e depois
fenecer o amor de Marcel por Gilberta, enquanto que Swann, após o casamento,
vai cada vez mais se aburguesando e enchendo-se de preocupações. Odette vence
os preconceitos da alta sociedade, que ainda a mantém afastada, mas reconhece e
acompanha sua ascensão. Aprendemos a conhecer melhor o escritor Bergotte,
Norpois, o diplomata, e o grande médico Cottard. Na praia de Balbec, onde fora
com a avó, Marcel admira um grupo de amigas: Albertina, Simonet, Andreia,
Gisela e Rosemonde, por quem se sente atraído. Torna-se também amigo do pintor
Elstir, cuja experiência artística o interessará sobremaneira. Trava conhecimento,
ainda, com o Barão de Charlus, irmão do Duque de Guermantes, e com o sobrinho
destes, Roberto de Saint-Loup, penetrando, assim um pouco e de longe naquele
mundo que se lhe afigurava inacessível e maravilhoso.
Tradução
de Mário Quintana
No
terceiro volume, O caminho de Guermantes, ação se passa em Paris, Proust esboça da
sociedade parisiense um quadro de esplendor deslumbrante. Como figura central
sobressai Oriana, Duquesa de Guermantes, venerada de longe pelo tímido autor.
Este mantém estreita amizade com Roberto de Saint-Loup, que, por sua vez,
toma-se de paixão pela medíocre atriz Raquel. Um episódio comovedor é a morte
da velha avó, à qual o autor estava ligado por fervoroso afeto. O desempenho da
grande atriz trágica Berma, no papel de Fedra, torna-se o ponto alto da arte
descritiva de Proust neste romance, em cuja tessitura, colorida e rica como a
própria vida, encontramos o vaivém de inúmeras personagens e de seus dramas.
Tradução
de Mário Quintana
O
quarto volume, Sodoma e Gomorra, envereda pela difícil análise da inversão
sexual, assim como apresenta Proust, na figura do Barão de Charlus e na de
Albertina. A sociedade francesa, na época de Proust, considerava a
homossexualidade um vício, uma doença do caráter, mas comportamentos afeminados
como o do Barão de Charlus e suas aventuras com o músico Morel eram aceitas na
alta sociedade em que transita o narrador do romance, assim como a desconfiança de alguns nobres
casados que mantinham relações
homossexuais com gigolôs, de forma discreta. A bissexualidade de
Albertina é vista com preocupação por Marcel, que a ama e quer casar-se com
ela. O cenário desse quarto romance se passa, em sua maior parte, em Balbec,
onde Marcel retorna para reavivar a lembrança de sua avó, recém morta. E seu convívio
nos salões dos Verdurin e dos Cambremer.
Tradução
de Mário Quintana
A Prisioneira apareceu em 1923,
depois da morte de Proust. Apesar das desavenças já tidas com Albertina, e da
revelação de alguns aspectos da vida que ela levava, o narrador sente que já
não lhe é possível prescindir de sua presença. Comunicando a sua mãe a decisão
de casar-se com Albertina, ele a leva para Paris e passa a viver com ela sob o
mesmo teto, para desgosto da mãe que, entretanto, não tem ânimo para
reprovar-lhe o procedimento. Embora já vivendo juntos, ele percebe que o seu
amor está-se encaminhando para o cansaço, e que só os ciúmes o mantém ligado à
noiva. Várias vezes lhe vem a ideia de abandoná-la, de libertar-se de
Albertina, para dedicar-se inteiramente à arte. Mas, obsedado pelo passado da
amiga, conserva-a enclausurada e sob uma vigilância constante que a transforma
numa prisioneira. Albertina reage e sempre que possível foge-lhe ao controle. O
narrador sabe que um dia terá de separar-se dela. Mas a ideia de que ela pode
abandoná-lo, por iniciativa própria, o desespera. Ele sente que vai perdê-la, mas
quer decidir sobre o momento da separação. Afinal, no momento em que decide
abandoná-la definitivamente, Francisca, a fiel empregada, vem comunicar-lhe que
Albertina partiu. Para sempre.
Também
neste tomo, morre Bergotte, e desenrola-se em tom cada vez mais dramático, as
relações do Barão de Charlus com os Verdurin. Tratados antes pelo Barão com
certa reserva, agora se vingam dele, intrigando-o com Morel, seu amante.
Tradução
de Manuel Bandeira
A fugitiva, o sexto volume, nos apresenta o narrador
abandonado por Albertina. Esse desfecho, em vez de trazer-lhe a almejada
libertação, vem apenas agravar-lhe as dúvidas e tormentos, e ele procura, para
fugir à realidade que o abate, embalar-se na ilusão de que ela voltaria, talvez
no mesmo dia. Mas Albertina morre, vítima de um acidente. E o narrador, ao
descobrir que ela era realmente culpada de todas as faltas suspeitadas, sofre e
se consome no inferno de um ciúme póstumo sem limites. Mas todos esses
padecimentos , pouco a pouco vão cedendo lugar ao esquecimento. Instala-se nele
a indiferença, que é o princípio da morte. Nesta altura, ele já não é o mesmo,
não é mais aquele que amara Albertina. E a verdade que brota neste volume denso
de inquietação e de humanidade, é que só cessamos de sofrer porque mudamos continuamente,
porque, à medida que a vida flui, nos tornamos estranhos a nós mesmos, até
desfigurar nossa identidade e nos
perdermos irremediavelmente no tempo. Gilberta, filha de Swann finalmente é
recebida no lar dos Guermantes, onde durante muito tempo seus pais não puderam
frequentar, devido ao passado de Odette. Agora Gilberta está podre de rica e
casa-se com o amigo de Marcel, Roberto Saint-Loup, cuja identidade homossexual
é revelada no final deste tomo.
Tradução
de Carlos Drummond de Andrade
O tempo redescoberto, último volume da
longa obra de Marcel Proust, adquirem relevo mais nítido os momentos essenciais
dessa busca do tempo perdido, Proust já
nos delineara uma fresta através da qual
pudemos perceber uma lenta tentativa de reconstrução de um universo contendo
uma outra realidade, mais profunda e mais vasta que esta da superfície a que
estamos habituados pelos nossos sentidos, um universo que está do outro lado
das aparências e contém, no mistério por vezes entrevisto de seus abismos, a
essência fundamental das coisas. Essa longa tentativa vem avançando através da
obra que tem as dimensões de toda uma vida dedicada à recaptação do tempo
morto, para chegar finalmente a esta milagrosa recuperação, ao tempo
descoberto. Tornam-se mais vivas, presentes e atuantes, as sondagens involuntárias através do bolinho
molhado no chá de tília; dos degraus desiguais do batistério de São Marcos, em
Veneza, e da entrada da residência dos Guermantes, em Paris; daquela passagem
da sonata de Vinteuil; do tinir da colher contra a porcelana da xícara; do
áspero contato do guardanapo despertando o azul sobrenatural do mar em Balbec; de todos
os momentos em que Proust mergulha em si mesmo para reencontrar a misteriosa
essência do tempo sedimentada em sua memória afetiva. Aqui, o escritor encontra
a outra dimensão da vida, aquela que, atravessando a bruma do tempo, talvez
participe do enigma da eternidade. É neste tempo que Marcel Proust repousa,
depois de nos haver dado esse maravilhoso fruto que esgotou toda sua substância,
e foi a razão de sua vida.
Tradução
de Lúcia Miguel Pereira
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Marcel
Proust. Em busca do tempo perdido. 7
volumes,Globo Livros
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