Uma confissão escrita é
sempre mentirosa. Mentimos em cada palavra toscana que dizemos! Podemos falar
com naturalidade das coisas para as quais temos frases prontas, mas evitamos
tudo quanto nos obrigue a recorrer ao dicionário! Dessa mesma forma, escolhemos
de nossa vida os episódios mais notáveis. Compreende-se que ela teria uma
feição realmente diversa se fosse narrada em dialeto.
O
tema de A consciência de Zeno é a
psicanálise, subvertida no romance de forma irônica. A psicanálise também influencia a estrutura
narrativa, pois não é uma obra escrita em ordem sequencial, mas a partir do
fluxo da memória em função do tratamento a que Zeno se submete. Quando decide
escrever sua autobiografia, incentivado por seu psicanalista, já está velho, os
efeitos da Primeira Guerra já se fazem sentir no Trieste, região onde mora.
O
motivo condutor da história é o fumo. O fumo é o grande problema de Zeno.Está
sempre fumando o último cigarro, mas nunca pára. Chega a anotar datas de que
fumou o último. O problema de Zeno é que o último cigarro que fuma é sempre o
mais prazeroso.
Zeno
procurou o psicanalista porque queria curar-se de uma doença e precisa, assim,
descobrir as causas. Achava que a doença
é uma convicção e ele nasceu com essa convicção. Não se lembraria da que
contraiu aos vinte anos se não a tivesse naquela época relatado a um médico.
Curioso é como recorda melhor as palavras ditas que os sentimentos que não
chegaram a repercutir no ar. O doente imaginário é um doente real, mais
intimamente que os demais. Isso porque seus nervos são propensos a acusar uma
doença quado esta não existia, ao passo que sua função normal seria a de dar um
alarme por meio da dor para provocar a busca de alívio. Só os doentes sabem algo
sobre si mesmos.
Assim
vamos conhecendo Zeno. Era um zero à esquerda. Um inepto. Nunca precisou dar
duro no trabalho, pois tinha dinheiro (um tutor cuidava de suas finanças). Vacilou
entre estudar Química ou Direito. Decidiu-se ao Direito, achando que teria sido
melhor fazer Química. Nunca toma decisões, e quando toma, vai procrastinando
até que alguém tome por ele. Zeno se apega a um comerciante (que fica sendo
meio um pai adotivo) e apaixona-se por Ada, a mais bonita das três filhas em
idade de casar. Na noite em que se apresenta para pedir a mão de Ada, acaba
pedindo a três em casamento e sobra-lhe a mais feia, a quem não ama. Casa-se, e
aparece a amante. Um dia, a amante quer conhecer a mulher de Zeno. Como tem
vergonha de apresentar-lhe a esposa, apresenta-lhe Ada. No final, acaba
afastando a amante, apresentando a ela o homem que acabaria sendo seu marido.
Zeno
passa o tempo todo querendo achar a cura. No final fica isolado no Trieste e
acaba se dando bem, através da especulação financeira. No final, dá-se conta de que não é só ele que
está doente, a sociedade é que está doente.
Tem
muito mais coisa interessante na autobiografia de Zeno.Quem apresenta a
história é o psicanalista dele. Como Zeno havia interrompido o tratamento,
publicou a autobiografia à revelia do paciente. Nota-se de cara tratar-se de um
médico que não merece credibilidade, visto que propõe dividir os direitos
autorias da autobiografia, se ele voltar ao tratamento que havia interrompido.
A tática usada para o tratamento era incutir em Zeno que ele tinha complexo de
Édipo, fato que Zeno nunca assimilou. Buscava incessantemente a razão para isso
e chegou à conclusão de que só podia ser o tapa que dera no pai, de forma um
tanto ocasional, pouco antes do pai morrer.
Italo
Svevo (1861/1928) era o pseudônimo de Aron Hector Schmitz, depois italianizado para Ettore Schmit.Nasceu
em Trieste, quando pertencia ao Império Austro-Húngaro. O pai era de origem
austríaca e a mãe italiana. Fez os estudos iniciais na Áustria. Em casa falava
o dialeto triestino. A escolha do pseudônimo resume as duas culturas a que se
viu envolvido. É o primeiro autor italiano a usar a teoria de Freud na
literatura. Transfigura comicamente a psicanálise e a utiliza no livro. Mas não
a subverte por desconhecimento Era estudioso do psicanalista austríaco.
Quem
incentivou Svevo a publicar A consciência de Zeno foi o escritor irlandês James
Joyce, de quem era amigo. Joyce morou um tempo em Trieste e foi professor de
inglês de Svevo.
Excelente
livro.
Tradução
de Ivo Barroso.
paulinhopoa2003@hotmail.com
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Italo
Svevo. A consciência de Zeno. Rio,
Nova Fronteira, 2015, 400 pp. R$ 35,90
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