segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A ética que eu exijo dos outros não é a minha ética, ué!!!

Grosso modo, ética é mais ou menos a educação da nossa vontade, recebendo uma formação racional que nos ajuda a escolher entre o bem e o mal, o vício e a virtude. Isso vem lá da Grécia Antiga: a ética como a educação da vontade pela razão para a vida justa, bela e feliz, a qual estamos destinados por natureza. Nós temos paixões como amor, odio, cólera, tristeza, alegria, generosidade. Elas agem sobre nosso caráter, podendo provocar danos terríveis, deixar-nos à deriva, desorientados, sem saber o que fazer. É preciso a educação do nosso temperamento, que é a educação da nossa vontade, recebendo uma formação racional que ajuda a escolher entre o bem e o mal, o vício e a virtude.
Atualmente, será que o que era ético deixou de sê-lo? Corrupção na polícia, nos bancos, na política... A ética dos gregos antigos parece andar como uma nau perdida no mar das incertezas, mantida pela impunidade. Tomemos como exemplos ações simples do dia a dia que envolvem a ética: se estaciono o carro na vaga destinada a deficiente em supermercado; infringi uma lei, mas foi rapidinho, "chegasse alguém eu saía!" Ou, saio com o meu cachorro para fazer xixi e cocô no muro e na calçada do vizinho, saindo de fininho pra ninguém me ver, afinal "o que é público não tem dono", ou melhor, posso sujar o que é público, já que não tem dono! Chego para o almoço e estaciono o carro na calçada em frente ao portão da garagem, atrapalhando o trânsito de pedestres (inúmeros moradores do bairro Petrópolis fazem a mesma coisa que eu!). Ora, que passem pelo meio da rua, "estou na frente da minha casa!" Ou ainda quando atrapalho o trânsito na rua estreita onde moro e viro a cabeça de dentro do carro para dizer ao motorista buzinando atrás que eu não estou com pressa. Também infrinjo uma lei. Mas, ora bolas, "que se explodam"! E assim é nossa vida cotidiana, cometendo pequenos pecados com a velha desculpa: todos fazem isso, se fosse só eu! Será reflexo do que entendemos por democracia pelo lado contrário?
Isso é micro, coisa corriqueira. Avancemos um pouco no campo jurídico, por exemplo. O advogado que defende um agressor com certo poder aquisitivo tem sua ética aceita pelos tribuniais - eu posso arrumar testemunho falso, desdizer o que disse, sonegar informações para não me incriminar. Já o advogado do agredido, quando pertencente às camadas mais carentes da população, a ética é outra. Parta-se para um acordo!
Se cada homem é um individuo que realiza, a seu modo, seu individualismo, como vai se entender a possibilidade de uma vida coletiva, gregária, socialmente organizada? Se cada homem é uma ilha, se minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro, como vai se organizar a sociedade? É um problema pungente e original, especialmente na classe média. Aquele camarada pobre lá da casinha de papelão debaixo da ponte, suja porque não teve acesso à educação. Agora eu, classe média, com estudo, que sei o que é certo e errado, quando transgrido a lei, não é por falta de educação, é por falta de ética mesmo!
Na forma democrática todo homem deve valer a mesma coisa. Isso é uma abstração: os homens não valem a mesma coisa, são diferentes entre si, mas na forma democrática significa que, na escolha política, todos nós temos o mesmo peso.Como é que é?
Com a mídia é a mesma coisa: a falsa ilusão de isenção partidária na hora de publicar uma matéria. José Miguel Wisnick disse numa entrevista a um programa cultural que "nos acostumamos a ler uma reportagem como se ela fosse mais real do que é, por ter o peso de uma coisa escrita, uma forma acabada da verdade. Essa é uma ilusão de que a página escrita é verdadeira, é uma ilusão difícil de perder. Ao lermos um jornal, tendemos a acreditar no que está escrito. No entanto, o que está escrito é uma construção que pode alterar completamente o significado que foi acontecido. Ética jornalística. Todo trabalho jornalístico está centrado nesse poder de montar e de que é o lugar onde o lugar da noticia vai se dar."
Assim sendo, leitor, quando você abrir a boca para criticar (e deve fazê-lo, mesmo!)da falta de ética da política brasileira, lembre-se do cocô do seu cão na calçada, do seu carro atrapalhando os pedestres, das sua paradas rapidinhas nas vagas dos deficientes e no controle da sua vontade. Afinal, a política nada mais é do que o reflexo do homem da pólis. A política pode, ou melhor, a política é o espelho da sociedade que nós, como cidadãos, constituímos.
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Fontes de referência:
Convite à filosofia. Marilena Chauí, Ática, 2003.
Cultura brasileira: tradição, contradição. Gerd Bornheim. Zahar, 1997.
As fundações do pensamento político moderno. Renato Janine Ribeiro, Cia. das Letras, 1996.
Série Ética: A Arte do Viver/A Culpa dos Reis. Dvd. Cultura Marcas.

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