domingo, 27 de novembro de 2011

Prólogos à Biblioteca de Babel

A pedido de seu editor e amigo italiano Franco Maria Ricci, Jorge Luís Borges escreveu uma série artigos sobre seus escritores favoritos para uma edição de contos relacionados à iteratura fantástica. A literatura fantástica de Borges relaciona-se à imaginação, esta sim, fantástica, dos contos árabes, da ficção científica, do absurdo kafkiano entre outras veredas.
Para falar dos ensaios introdutórios de Prólogos de La biblioteca de Babel, é preciso, antes, falar do conto A Biblioteca de Babel, que faz parte do livro traduzido em português, Ficcções. No conto, o mundo consta como uma enorme biblioteca com os mais variados assuntos, alguns de fácil decifração, outros de quase impossíveis decifrações. A biblioteca é constituídas por homens que se dizem bibliotecários. A biblioteca de Babel remete ao mundo da Mesopotâmia, a origem da civilização. O mundo, essa biblioteca, sugere igualmente o caos e o labirinto. Percorrê-lo e o desafio contra a crueldade divina.
Prólogos da Biblioteca de Babel contém 24 prólogos que Borges escreveu para a coleção La Biblioteca de Babel, publicada inicialmente em italiano e depois em espanhol. Selecionados por Borges, os livros que o interam revelam vastas e supreendentes leituras. Nos prólogos, analisa os contos de escritores diversos como Pedro Angonio Alarcon, Voltaire, Leopoldo Lugones, Leon Bloy, Giovanni Papini e P’u Sung-ling, junto a outros como Nathaniel Hawthorne, G. K. Chesterton, Robert Louis Stevenson, Herman Melville, Franz Kafka, Edgar Allan Poe e H. G. Wells, todos seus autores preferidos. Alguns desses autores têm títulos em português pela LPM. São eles, Jack London (Antes de Adão), Mark Twain (As aventuras de Huckleberry Finn), Voltaire (Cândido ou O otimismo), William Beckford (Vathek), Stevenson (A ilha do tesouro) e Wells (Uma breve história do mundo).
==================
Jorge Luís Borges. Prólogos a la biblioteca de Babel. Barcelona, Alianza Editorial, 2002.

domingo, 20 de novembro de 2011

A morte de Artêmio Cruz



Em A morte de Artêmio Cruz , Carlos Fuentes nos revela os processos mentais de um velho que já não é capaz de valer-se por si mesmo e que se acha prostrado ante a morte iminente e indigna. A técnica narrativa consiste em intercalar o passado, o presente e o futuro da personagem, tendo como pano de fundo a Revoução Mexicana de 1910. O presente narrativo se passa na década de 1950. O mesmo pretexto foi usado pelo autor em sua novela anterior, La región más transparente.Se lá a personagem central é a cidade do México, aqui é o homem que subiu na vida graças às engrenagens do mundo capitalista. Para isso, renunciou a seus preceitos revolucionários do passado.
A história começa quando Artêmio Cruz sofre um ataque.Em seu leito de morte, recusa a extremunção do cura, sabendo que há muito tempo havia deixado de lado a fé. Busca incessantemente prolongar um pouco mais seu martírio. Mãe e filha, à beira do leito do moribundo estão precocupadas com o testamento do velho, que até o momento não lhes havia dito nada sobre isso. Artêmio pensa na mulher a quem nunca amou, na filha que o despreza.
Enquanto essa e outras pessoas se movimentam ao redor de sua cama, seu cerebro se translada em indas e vindas entre o presente e o passado. Recorda dos sucessos que o levaram até onde se encontra nesse momento. Vê-se a si mesmo no ano de 1919, como um joven veterano da Revolução que chegou à fazenda dos Bernal, trazendo noticias à familia de que o filho Gustavo havia sido fuzilado por forças de Pancho Villa. A verdadeira intenção de Artêmio era ganhar a confiança do velho pai de Gonzalo e casar-se com a filha, Catalina, para assim apropriar-se das propriedades da familia. Catalina nunca conseguiu compreender esse amor insosso de Artêmio por ela. Por isso, culpa-se por toda vida pelo fato de não ter sido correspondida. Com a norte do filho, Catalina e Artêmio passam a ter uma vida aborrecida, até que ele se alista novamente para lutar na revolução espanhola e assim escapar de uma relção sem conserto.
Artêmio recorda-se também de outras relações mediocres que teve com outras mulheres, antes de Catalina. Recorda-se, também, dos assentatados da localidade de Perales, seus vizinhos, e de como se apoderou de suas terras. De como foi eleito pela primeira vez deputado, cargo que lhe valeu para todo o tipo de trapaças, subornos e chantagens. Das grandes festas que dava, em que seus convidados riam dele pelas costas.
Pouco antes de sua hora final, revela ao leitor dois epísódios que explicam por que foi o que foi. Num deles, conta como foi capturado pelas tropas de Villa e sentenciado à norte. Foi aí que ele decidiu passar informações ao inimigo e mudar seu objetivo de vida. No capítulo final, entendemos como tudo começou: Artêmio havia nascido num meio rural bem humilde. Durante seus primeiros anos, seu único amigo era o mestiço Lunero, que servia à avó e ao tio alcoólatra de Artêmio. Depois de matar seu tio por tiro acidental, ele foge para Veracruz. Ali, um professor se interessa por ele e o prepara para desempenhar o papel que o levou a lutar na Revolução, antes de perder seus ideais e eleger a traição que o levou a usar o poder, para corromper-se a si mesmo.
La muerte de Artemio Cruz apareceu em 1962. A personagem Artêmio Cruz representa, assim, os paradoxos da história moderna do México, no período da constituição de uma burguesía urbana. Há uma edição em portugués, pela Rocco, esgotada. É possível encontrá-la em sebos virtuais.
=======================
Carlos Fuentes. La muerte de Artemio Cruz. Madrid, Punto de Lectura, 2001

sábado, 12 de novembro de 2011

Carlos Fuentes y La región más transparente



La región más transparente romance do escritor mexicano Carlos Fuentes, é uma novela social. Tem como escopo a Revolução de 1910, no México, embora a ação da trama se desenrole na décadas de 40/50, quando uma burguesia oriunda das classes industrial e latifundiária se estabelece de forma desigual. Carlos Fuentes põe a descoberto a essência injusta dessa sociedade, assim como a frustração provocada pela negação dos valores de justiça social da Revolução de 1910. As classes populares estão impossibilitadas de se realizarem economicamente. As ânsias de poder e de corrupção da burguesia, a falsidade e superficialidade dos ambientes pseudo-intelectuais circulam todo o romance. La región más transparente é uma novela audaz, de denúncia e reflexão, de análise e busca, que logra tramar eficazmente diversas histórias, para brindar um extenso afresco do caótico e turbulento México contemporâneo.
Podemos dizer que a novela é a descrição geral de um só personagem: a cidade, em cuja ebulição se percebem os distintos discursos das distintas classes e castas sociais do México, os distintos tipos humanos (mestiços, criollos, indígenas, assim como estrangeiros assimilados e acomodados), distintas formas de ver o mundo e assimilar a então jovem e crescente modernidade industrial que é filtrada de uma nação que vive o processo de des-composição de uma revolução e o início de uma nova sociedade corrupta.
Das inúmeras personagens da história, cabe referirse à presença de Norma Larragoiti, que foi noiva de Rodrigo Pola, fiho de um revolucionário da Revolução de 1910, mas casou-se com Federico Robles, filho de camponeses de uma das fazendas da família De Ovando, soldado da revolução, advogado e banqueiro conselheiro de companhias estrangeiras. Norma é filha de mãe mestiça e de espanhol pobre, comerciante do norte do país. Seu irmão mora nos Estados Unidos e trabalha como pedreiro, ofício característico dos estratos mais pobres da sociedade. A origem de Norma, então, é visivelmente humilde. A partir de casamento com o banqueiro Federico Robles, tem a possibilidade de participar, de certo modo da elite mexicana. Entretanto, dentro desses grupos de classe alta, tanto Norma como seu marido são criticados por sua origem baixa e tolerados somente por seu dinheiro. Dessa forma, Norma tenta introjetar-se nessa classe social rica, ignorando e rechaçando sua própria origem.
Carlos Fuentes é um dos escritores mais importantes, sólidos e prolíficos da América Latina. Assim o atestam, entre outras, suas novelas La muerte de Artemio Cruz, Cristóbal Nonato, Los años com Laura Diaz e Terra Nostra, que serão comentados em sequencia nas colunas a seguir.
===========================
Carlos Fuentes. La región más transparente. Alfaguara Argentina, 2008. 640 pp

sábado, 5 de novembro de 2011

Augusto Roa Bastos e sua trilogia do monoteísmo do poder



O paraguaio Augusto Roa Bastos (1917-2005) foi um escritor brilhante, mas quase desconhecido no Brasil. Seu romance traduzido aqui, Eu, o Supremo, não teve boa tradução. Esse romance, assim como os demais da trilogía: Hijo de hombre e El fiscal, não são de leitura fácil, já que necesitam do leitor uma consciencia desperta da realidade latino-americana de início do século XX até o período turvo da ditadura latino-americana, de 1950 até finais da década de 1980.

Provenientes do Alto Paraná, das planícies do Chaco e Assunção, os vários personagens que povoam Hijo de hombre são testemunhas e vítimas da história do Paraguai: a passagem do cometa Halley em 1910 marca as primeiras páginas do romance para, em seguida, atravessar os anos de revoltas camponesas, suas repressões, fundindo-se, nos últimos capítulos, nas consequências da desoladora Guerra do Chaco (1930). Mas a ação também é baseada em um plano atemporal: o autor dá voz ao homem em rebelião, denuncia os abusos das oligarquias, retrata em uma imagem muito terrena o mártir crucificado, reivindicando o legado dos mortos e, portanto, seu passado: em determinada cidade do interior do Paraguai, uma imagem de Cristo, inicialmente no topo de um morro, passa de povoado em povoado para lembrar que o fiho de Deus é o filho do homem que, como os demais cidadãos, precisa ser vingado. Filho do Homem (1960) foi o primeiro romance publicado por Augusto Roa Bastos, uma cosmogonia audaciosa, onde se percebem as vozes ancestrais da herança guarani e espanhola do Paraguai, um projeto que redefine a função do escritor como alguém destinado a colher, conforme palavras de Roa Bastos, “um discurso oral ainda não transcrito, mas presente e marcante no ritmo da história.

Em Yo El Supremo, Augusto Roa Bastos retrata com certa complexidade histórica e simbólica o mundo irreal de José Gaspar Rodrigues de Francia, que governou com mão de ferro o Paraguai entre 1814 e 1840. Ele é a figura totêmica da novela, um homem dedicado à redação de um interminável documento púbico, a Circular Perpétua (na trama, suas memórias), que tem a participação de Patiño, seu nem sempre fiel secretario. A relação do dr. Francia com aduladores, intrigantes, súditos e governos vizinhos, frutifica em uma vereda oral e textual, que aspira a instituir-se, a Circular, como poder absoluto em voz única e irretocável. Com esta obra, publicada originalmente em 1974, temos um marco narrativo que remete a Don Quijote, já que fala sobre o poder e o indivíduo, a supremacía do discurso sobre a realidade, a História americana, a psicología do tirano e, o que é seu cerne, os limites da linguagem e a novela como estrutura narrativa. Em seu discurso quando do recebimento do Prêmio Cervantes na Espanha, relativo a Eu, o Supremo, em 1989, Roa Bastos nos disse que o núcleo gerador de sua novela com Dom Quixote, foi a de imaginar um dublé do Cavaleiro da Triste Figura metamorfoseado no Cavaleiro Andante do Absoluto, realizando esse mito do absoluto em realidade que ele trata de compilar em sua Circular, a simbiose da realidade real com a realidade simbólica, da tradição oral e da palavra escrita. El Supremo Ditador da República do Paraguai desejou apenas o poder absoluto e o teve em suas mãos sem deixar de ser, também, o homem mais pobre do mundo.

El Fiscal (O Fiscal), narra a tragetória de Félix Moral, um escritor paraguaio que teve de se exilar no interior da França, tendo inclusive de trocar de nome. Ele tem uma obsessão: assassinar o presidente ditador Alfredo Stroessner durante um congreso de escritores e intelectuais que se realizará em Asunción em 1987, idealizado pelo próprio Stroessner. Sua companheira de vida, Jimena, representa para Félix o baluarte da estabilidade afetiva. O escritor se debaterá entre a função messiânica do intelectual exilado e o sacrificio do herói (matar o ditador Stroessner), enquanto constrói um discurso elaborado, quase uma sentença jurídica sobre a lealdade e a traição, onde sua experiencia se funde com episódios trágicos da história paraguaia. O escritor, no final, acaba sendo reconhecido, torturado e morto. A novela termina com o relato dos últimos passos do escritor contados de forma escrita por Jimena à mãe de Félix Moral. Com essa obra, reescrita em 1993, Roa Bastos conclui sua trilogía sobre sobre o monoteísmo do poder. Sob meu ponto de vista, este é o melhor romance dos três. Apresenta uma linguagem contemporânea de fatos históricos ainda vivos em nossa memória. O livro foi reescrito por Roa Bastos em 1993.
=================
Augusto Roa Bastos. Hijo de hombre. Barcelona, Debolsillo, 2008
__________ Yo, El Supremo. Barcelona, Debolsillo, 2008. A ed. Paz e Terra apresenta uma edição em português. Por ser uma edição econômica, possui caracteres minúsculos, dificultuando sua leitora. Entretanto, é a única tradução desse autor que conheço, existente no Brasil.
__________ El Fiscal. Barcelona, Debolsillo, 2008