domingo, 24 de fevereiro de 2013

A invenção da solidão



A Invenção da Solidão é um  livro que traça um retrato importante da vida passada de Paul  Auster.  No entanto, não é uma autobiografia típica.  Seu objetivo, além de descrever acontecimentos relativos à perda de seu pai, é apresentar algumas questões universais. Auster o considera "uma meditação sobre certas questões, colocando-se como o personagem central"  O livro se divide em duas partes: Retrato de um Homem Invisível e O Livro de Memória. Originalmente escritas como dois livros separadosforam publicadas em conjunto com o nome A Invenção da Solidão, em 1982.

Auster começou a escrever Retrato de um Homem Invisível como uma reação espontânea à morte súbita de seu pai. Narrado na primeira pessoa, explora, entre outras coisas, em que medida é possível compreender sentimentos e emoções, assim como penetrar na solidão de terceiros, quando se está intimamente ligado a eles. Assim, ficamos sabendo que foi graças a uma poupança que o pai lhe deixou, que Auster pôde se tornar escritor. Também tomamos conhecimento de um acontecimento marcante na vida do autor, quando descobriu que sua avó paterna havia matado seu avô por questões que permanecem um tanto nebulosa, já que é a impressão desse acontecimento em sua vida, o que lhe interessa.

O Livro de Memória, escrito na terceira pessoa, foi uma resposta direta à primeira parte. É uma colagem confessional de pensamentos, lembranças, citações e meditação sobre temas como identidade, paternidade e o sentido da vida. O autor busca, também aí, definir o que consiste e o que significa a solidão em nossas vidas. Nessa fase, seu casamento havia desmoronado e suas perspectivas eram pouco animadoras. Vivia sozinho em um local pequeno.   Nesse espaço,  decidiu usar sua solidão criativa e empregar a escrita como uma ferramenta de introspecção e auto-análise. O tom do livro nos faz sentir que não foi um período feliz de sua vida. É como se a realidade do mundo exterior deixasse de existir para ele, é uma temporada hermética, um longo momento de interioridade. O mundo exterior chegou a parecer não mais do que uma emanação de sua mente. Sua busca é de natureza espiritual. Ele tenta sentir o que tem de ser feito, a fim de chegar mais longe com a sua vida.


Para os leitores assíduos de Auster, a leitura de A invenção da solidão é uma forma de se aproximar mais da natureza desse autor, cuja obra é best seller ao redor do mundo. Para quem se inicia em sua escrita, é uma leitura que aprofunda, sem prolixidade. Sua escrita é simples  e pouco ousada.  A maioria das obras romanceadas de Auster tem um pé na memória do autor.

Eu li a obra no original, pois a edição em português encontra-se esgotada. Entretanto, você pode encontrá-la na Estante Virtual pelo preço médio de R$ 20,00.


                                                                paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Paul Auster. A invenção da solidão. SP, Cia. das Letras, 1999, 200 pp. Tradução de Rubens  Figueiredo.




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domingo, 17 de fevereiro de 2013

Lição dos mestres


George Steiner é renomado professor e crítico literário. Nascido em Paris, em 1929, com profunda erudição filosófica, pedagógica e literária, já lecionou nas universidades em Cambridge, Genebra, Harward e Yale. Em Lição dos Mestres, ele nos propõe uma reflexão sistemática sobre a interação sutil e complexa entre poder e saber, confiança e paixão, a partir da relação de mestres e alunos, os discípulos, partindo de Sófocles e Platão, Jesus e seus apóstolos, Virgílio e Dante, Nietzche e o músico Peter Gast ( o filósofo achava que estava enlouquecendo pela irremediável solidão decorrente da incompreensão de seus alunos), Husserl e Heidegger, etc.
Steiner nos diz que o discípulo representa um caminho para que o intelecto não envelheça. Para ele, conhecimento é transmissão. No progresso, na inovação, por mais inventivos que sejam, o passado está presente. Os mestres seriam os guardiães e os transmissores da memória. Os discípulos aprimoram, disseminam ou rejeitam os fios que tecem essa identidade pessoal e social.
Steiner nos fala, ainda, do caráter “sacerdótico” do magistério. Em qualquer contexto étnico, qualquer que seja a civilização, o magistério sempre teve profundas raízes na experiência e no culto religioso. Nas origens do magistério encontra-se o sacerdócio. O mestre medieval ou do renascimento era o teólogo.  A herança teológica, entretanto, foi se enfraquecendo ao longo do tempo. Porém, suas convenções mantiveram-se na modernidade. Essas convenções de espírito eram subscritas por uma reverência praticamente inquestionável e evidente. Reverenciar o mestre era a forma natural de relacionar-se com ele.
O crítico toca numa questão relevante, e pouco comentada nessa relação de mestre e discípulo: seu aspecto erótico. Existe muito da sedução, da conquista que o mestre exerce sobre o discípulo e da submissão deste a seus caprichos. Alguns mestres burlaram o lado ético dessa questão e tiveram relacionamentos íntimos com seus discípulos: Jung e sua paciente russa Sabina Spielrein, que depois se tornou psiquiatra,  Ingmar Bergman e Liv Ullman, para citar os mais recentes conhecidos.
Apesar de apresentar alguns conceitos contraditórios (há quem possa implicar com a afirmação de que ensinar é transmitir, por exemplo), trata-se de um livro que qualquer pessoa interessada em cultura deve ler.
                                                                   Paulinhopoa2003@yahoo.com.br

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George Steiner. Lições dos Mestres. 2ª ed., RJ, Record, 2000, 2010, 240 pp.  R$ 32,90

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Memórias de uma moça bem comportada



Neste seu primeiro livro de memórias, retratando sua infância e juventude, Simone de Beauvoir nos conta que não foi tão comportada assim, em sua juventude. Nascida de uma família burguesa em 1906, desenvolveu desde cedo o gosto pela leitura. Desde pequena sofria com a solidão, por se perceber uma pessoa com pensamento mais avançado que os demais à sua volta. Aos 21 anos já estava graduada em Filosofia pela Sorbonne. Bem antes disso,  já questionava a fé católica (quando criança, frequentava a igreja três vezes por semana). Adolescente, teve a consciência de que não acreditava mais em Deus. Durante o período em que foi estudante universitária, passou a frequentar bares e a beber socialmente, o que nunca havia feito antes. Apaixonou-se por um primo que muito  influenciou sua intelectualidade, mas não foi correspondida. Teve poucas, mas grandes amigas. Conheceu Sartre, estudante como ela. Sua influência sobre Simone foi essencial, para que ela enveredasse pelo caminho do existencialismo. Sartre sentia carinho e atração por Simone, mas não era correspondido, ainda.
Muito bem escrito, parece prosa de ficção, o livro reserva muitas outras nuances dessa personalidade marcante no modo de pensar do século XX. Simone morreu em 1986, deixando romances, peças teatrais e vários livros autobiográficos. Seu livro Cerimônia do adeus (será resenhado aqui brevemente) retrata os últimos dez anos da vida de Sartre, que veio a falecer em 1980.
Os romances que Simone de Beauvoir escreveu tinham como estrutura uma tese filosófica. Suas tramas serviam como exemplos de sua forma existencialista de pensar. Por isso parecem soar falsos como ficção. A convidada e Os Mandarins são suas obras romanceadas mais conhecidas no Brasil. Nessas duas obras, por exemplo, a autora examina a condição feminina nas dimensões sexual, psicológica, social e política. Amarrada às tramas, aparece a proposta de caminhos que podem levar à libertação não só das mulheres, como também dos homens. Para Simone, o certo era que até o momento do século XX, as possibilidades da mulher haviam sido sufocadas e perdidas para a humanidade. Portanto, era (e é) já tempo de deixar a mulher, enfim, correr todos os riscos, tentar a sorte. Simone de Beauvoir disse em O segundo sexo, que ninguém nasce mulher: torna-se mulher, posto que nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro.
Se você sentir vontade de ler Memórias de uma moça bem comportada, irá se deparar com uma prosa clara, objetiva e interessante. Correrá o risco, também, de querer ler o segundo livro de suas memórias,  A força da idade, que retrata a Simone na fase em que ela mais queria viver, quando adolescente, a da mulher adulta.
Memórias de uma moça bem comportada, assim como outros livros de Simone de Beauvoir, são frequente relançados e rapidamente se esgotam. É possível encontrar exemplares bem conservados a preços acessíveis nos sebos virtuais.
                                                                        Paulinhopoa2003@yahoo.com.br

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Simone de Beauvoir. Memórias de uma moça bem comportada. Rio, Nova Fronteira, 1983, 372 pp. 

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Fazes-me Falta


Em um dos monólogos, ele diz: Eu nunca me aproximara tanto do teu corpo. O teu cheiro surpreendeu-me pela delicadeza e pela névoa erótica. Encostei o meu braço ao teu e comecei a transpirar. Sentia uma vontade violenta de me desmoronar em ti. Não, não era fazer amor. Fazer amor não existe, porra, o amor não se faz. O amor desaba sobre nós já feito, não o controlamos – por isso o sistema se cansa tanto a substituí-lo pelo sexo, coisa gráfica, aparentemente moldável. Também não era foder, fornicar, copular – essas palavras violentas com que tentamos rebentar o amor. Como se fosse possível. Como se o amor não fosse exatamente essa fornicação metafísica que não nos diz respeito – sofremos-lhe apenas os estilhaços, que nos roubam vida e vontade. Eu queria oferecer-te o meu corpo para que o absorvesses no teu. Para que me fizesses desaparecer nos teus ossos. Eu, educado no preceito alimentar de que os rapazes comem as raparigas, depois de uma vida inteira de domínio dos talheres queria agora ser comido por ti. Queria entregar-me nas tuas mãos.
A escritora portuguesa Inês Pedrosa (1962) ganhou reconhecimento no Brasil com o romance Em tuas mãos, em que intercala os discursos de três mulheres de uma mesma família, entrecruzando memórias e pensamentos que ilustram três gerações. Em 2007, a Alfaguara lançou aqui A eternidade e o desejo, onde uma jovem professora portuguesa  decide voltar a Salvador (Bahia) anos após ter ficado cega ao tentar salvar de um tiroteio o homem que amava.  Nesse regresso ao Brasil, seu objetivo é seguir as pegadas de Padre Antônio Vieira, buscando conforto e inspiração em seus sermões, ao mesmo tempo em que relembra o passado e começa, lentamente, a mergulhar no sincretismo religioso baiano. Fazes-me falta, obra anterior a A eternidade e o desejo, chega à mídia através da publicação da Folha de São Paulo, que reeditou obras da literatura ibero-americana.
 Em Fazes-me Falta, a autora compõe uma narrativa com duas vozes distintas - um homem e uma mulher - que se entrecruzam gradualmente sua intensa relação em monólogos, num estado intenso entre paixão e amizade. De forma insólita, esse diálogo resulta num contato partido, pois a mulher, cuja voz inicia esse romance, morreu ainda jovem. É ela, no entanto, quem ampara seu companheiro da perda e da solidão. Entre as lembranças de encontros e desencontros, caberá a ambos dizer o que nunca puderam pronunciar em vida, e curar antigas cicatrizes do passado. O romance sofre do problema da sintaxe portuguesa, com a rigidez da colocação dos pronomes oblíquos, que  chateia um pouco. Os personagens falam como escrevem. Fora isso, é uma historia contada com delicadeza e sensualidade, apesar das perdas. 

                                                                                           paulinhopoa2003@yahoo.com.br            

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Inês Pedrosa. Fazes-me Falta. SP, Alfaguara Brasil, 2010, 224 pp.,  R$ 38,90