domingo, 30 de abril de 2017

50. Cem anos de solidão

Quando tinha 8 anos de idade, o avô de Gabriel García Márquez levou-o a conhecer o gelo. Esse acontecimento, que ele relembra em suas memórias de Viver para contar, serviu de ponto inicial para a sua obra-prima Cem anos de solidão, quando o coronel Aureliano Buendía, diante do pelotão de fuzilamento, relembra a tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. A obra é um resgate dos fantasmas que povoaram a vida de García Márquez durante sua infância. Muitas das personagens encontram similitudes na vida real do autor, como ele conta em O cheiro da goiaba, outro livro de lembranças do escritor colombiano.

Publicado em 1967, embora tivesse escrito antes, foi o ponto de partida para o boom dos cinco maiores da literatura latino-americana, que ganhou notoriedade mundial: García Márquez, Vargas Llosa, Carlos Fuentes, José Donoso e Júlio Cortázar. Posteriormente, outros juntaram-se ao boom: Miguel Ángel Astúrias, Alejo Carpentier, Juan Rulfo, João Guimarães Rosa, Juan Carlos Onetti, Borges (um pouco mais isolado). Começa a existir, assim, o sentimento de latino-mericanidade. As obras desses autores passam a configurar o realismo mágico, que não se deve confundir com o realismo fantástico. Esse é uma alegoria, enquanto o realismo mágico resulta de um tipo de consciência mítica do mundo. Os personagens desses romances, de certa forma, sacralizam o mundo. Seus destinos já estão marcados desde o nascimento. Esse tipo de característica é pertencente às sociedades arcaicas.

Em Cem anos de solidão, José Arcádio, o patriarca da clã dos Buendía,  tem predileção por descobertas e pelo esoterismo. Trava conhecimento com o cigano Melqúiades, que lhe ensina a magia, ao mesmo tempo em que escreve em uma língua desconhecida os documentos que serão traduzidos por um descendente da família. Na verdade, é Melquíades que escreve os cem anos de solidão da família Buendía. José Arcádio acaba morrendo amarrado a uma amendoeira, louco. Aureliano Buendía, um de seus filhos, é introvertido, apresenta uma imagem taciturna e frágil. O pouco de felicidade que teve na vida, foi quando se apaixonou por Remédios, uma criança. Foi preciso que esperasse a menina adolescer para que se pudesse casar com ela. Ela morre em seguida, quando tenta dar à luz. Depois tem relação com Pilar Ternera, uma índia que jogava cartas e búzios. Figura centenária em quase toda a obra. A descendência dos membros da família apresenta relações incestuosas. Por isso a loucura se manifesta em mulheres solitárias e secas, como Rebeca, que comia terra, Amaranta, que recusou todos os pretendentes apesar de amá-los. Úrsula, a matriarca, temia que nascesse alguém com rabo na família, o que acabou acontecendo com o último dos Buendía, um Aureliano.

O Coronel Aureliano Buendía teve seus primeiros contatos com as tensões políticas,  com as eleições que aconteceram em Macondo. É quando aprende a distinguir um liberal de um conservador. Acaba simpatizando com os liberais. Ser liberal não consistia em ser um ser com lisuras, Aureliano Buendía praticava a violência com seus inimigos e a corrupção, pelo poder. Aureliano será um dos que lutam na Guerra dos Mil Dias, que ocorreu no período de 1896 a 1902, na Colômbia, quando os conservadores vencem. Há um longo período de ditadura, onde os liberais são perseguidos. Na vida de García Márquez, seu avô simpatizava com os liberais, mas seu pai era político conservador. Por isso não há defesas de um regime ou de outro.

Aureliano morre numa tarde solitária de outubro, passando a ser uma lenda viva para todos de Macondo e arredores. Morreu velho, triste, taciturno e ensimesmado, exatamente como fora na juventude. O ciclo do Coronel Buendía é um ciclo de solidão, que acaba dando nome ao livro. Os 17 filhos que teve com 17 mulheres diferentes, todos Aurelianos e Arcádios alguma coisa, todos assassinados, todos com um ar de solidão que não permitia pôr em dúvida o parentescos com o coronel Aureliano Buendía.

É um livro riquíssimo, com várias histórias que se cruzam e se mesclam formando o todo do universo de Cem anos de solidão.
     
Tradução de Eric Nepomuceno
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Gabriel García Márquez. Cem anos de solidão. 46ª ed, Record, 2009, 448 pp. 


domingo, 23 de abril de 2017

49. Rayuela – o jogo da amarelinha

O Jogo da Amarelinha não tem cronologia, não tem enredo convencional, nem suspense. É uma espécie de antirromance. A história, de forma ambígua, faz o leitor mergulhar no livro intuitivamente, para enxergar o que seja a realidade. O argumento é aparentemente simples: o argentino Horácio Oliveira busca incessantemente a Maga, uruguaia, mãe de um menino, que ele conhecera em Paris, enquanto estava lá exilado. Após a morte do menino, a Maga desaparece e Oliveira a busca pela cidade parisiense e depois em Buenos Aires, quando entra em contato com Traveler, administrador de circo, e Talita, sua mulher. À medida que esse relacionamento avança, Oliveira vai confundindo em sua mente a presença de Talita com a de Maga. Os três decidem trocar de negócio, comprando um hospício, onde Oliveira, no final da história, acaba internado como maníaco. 

Quando Oliveira inicia a busca pela mulher, sobre uma ponte em Paris, o leitor já fica sabendo que a busca do personagem será uma busca perdida, posto que a primeira frase do romance é a fala de Oliveira, dizendo com o verbo no futuro do pretérito: "Encontraria a Maga? Mas Oliveira tenta, em vão, recuperá-la pela narrativa numa divagação frustrada pelas pontes e ruas de Paris, depois no trabalho com o circo, em Buenos Aires.

O livro é dividido em três partes: "Do lado de lá", ambientada em Paris;" Do lado de cá", em Buenos Aires; e "De outros lados", com capítulos prescindíveis, que se tornarão imprescindíveis, de acordo com a escolha do leitor. São no mínimo dois romances dentro de um. Cortázar convida o leitor a escolher uma das duas possibilidade que o livro oferece: o primeiro livro seria lido em sequência, até o capítulo 56, quando termina a história. O segundo livro começaria a ser lido a partir do capítulo 73 e seguindo logo na ordem  que é indicada ao final de cada capítulo. Essa segunda possibilidade tem a ver com o jogo da amarelinha. O leitor avança, retrocede, avança novamente e assim sucessivamente.

Cortázar pensa a obra de arte como uma condensação de significados. A proposta do autor, sugerindo ao leitor começar o livro no capítulo 73, parte da destruição radical de sua estrutura, para inovar na experimentação da linguagem, pois o romance é projetado em sua própria construção. Ao propor a leitura aos saltos, um jogo, o autor acrescenta  desdobramentos ou comentários poéticos sobre o romance que se vai construindo, com a participação do leitor, pois é este que vai consumar a obra, gestando-a à medida em que a lê.

Há um personagem enigmático que aparece na leitura aos saltos: Morelli, que faz parte das conversas dos intelectuais integrantes do Grupo da Serpente de Paris, que se reuniam periodicamente para discutir as coisas da vida. Morelli é um escritor que não escreve, uma espécie de filósofo idealista, ou então, alguém que escreve um romance em eterna gestação. Morelli é mencionado na possibilidade de leitura sequencial como um velho escritor que morre atropelado, sem que lhe mencione o nome.

Tradução de Fernando de Castro Ferro
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Julio Cortázar. O jogo da amarelinhas. 22ª Ed. Civlização Brasileira, 2014, 640p.

domingo, 16 de abril de 2017

48. A paixão segundo G. H.

A escrita é um ato de solidão. Ninguém pode fazer nada a ninguém, a não ser o escritor a si mesmo. A escrita literária é pura abstração poética. Uma das funções da linguagem poética é mostrar as coisas que não acontecem no convívio social. GH não tem memória empírica, é pura abstração. Está no quarto de empregada e logo mais num minarete no deserto. GH sonha em se objetivar, mas é medrosa: “Ontem, no entanto, perdi durante horas e horas a minha montagem humana. Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo – quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.” (p.8) Mesmo assim insiste, quer  escrever sobre o que não tem controle, quer compartilhar sua individualidade.

A paixão segundo GH não é um mergulho na loucura nem no inconsciente por si só. Sua luta deve ser a busca com o mundo. Está tentando dar uma forma à sua desorientação. GH quer a objetividade: “Será preciso coragem para fazer o que vou fazer: dizer. E me arriscar à enorme surpresa que sentirei com a pobreza da coisa dita. Mal a direi, e terei que acrescentar: não é isso, não é isso! Mas é preciso também não ter medo do ridículo: é que há também o dilaceramento do pudor. Adio a hora de me falar. Por medo?” (p.16)

Ela precisa dizer, mas não sabe como.  Ao entrar no quarto da empregada que se fora, para arrumá-lo, depara-se com uma barata no guarda-roupa. Num impulso prensa o inseto na porta do móvel. Pronto! Deu-se o fluxo do inconsciente. Esse é o ponto de partida para a narrativa introspectiva. A personagem, perdida no exercício da memória, esforça-se para reorganizar o seu discurso, solicitando a atenção do leitor como a mão que a apoiará nessa tentativa de reorganização caótica da memória. No romance quase não há ação externa. Ficamos sabendo que mora sozinha, é independente financeiramente, é escultora, fez um aborto e amou um homem, mas esses acontecimentos externos não são desenvolvidos, não adquirirem importância na obra. O que vale é seu labirinto interior.  

A paixão segundo GH é um romance metafísico. Trata-se de um monólogo centrado na experiência da linguagem. O eu e a coisa. GH e a barata (que inicialmente é nojenta). O romance é uma narrativa poética, como já se disse. GH efetua uma busca existencial, própria da poesia. O tempo interior é o que predomina, com suas angústias e seus gestos.

“Viver não é coragem, saber que se vive é a coragem.” (p.20)


Clarice Lispector. A paixão segundo GH. 6ª ed., Nova Fronteira, 1979, 176 pp

domingo, 9 de abril de 2017

47. O Gattopardo

A Sicília é o pano de fundo para o grande romance O Gattopardo,  obra póstuma de um escritor desconhecido dos grandes meios literário, Tomaso di Lampedusa (1896/1957), que morreu antes da obra ser publicada. Oriundo da classe aristocrática, Lampedusa narra o declínio e a decadência de uma família nobre e do feudalismo siciliano, numa atmosfera pitoresca e grandiosa.

A história começa em 1860, na guerra em que Garibaldi une as duas Sicílias, propiciando o surgimento e enriquecimento da classe burguesa, formando uma nova Itália. Em seu palacete na vila de Salina, em Palermo,  acompanha os fatos com certa apreensão, por estar totalmente envolto nas tradições e hierarquias. Por isso, vivia eternamente descontente, contemplando o ruir de sua casta e do seu patrimônio sem nada fazer e sem nenhum desejo de remediar o desastre que se vislumbrava no ambiente político da Itália. Em vez disso, pensava na linda família que tivera. Tinha sete filhos, um deles, o mais amado, estava ausente há dois anos. Um dia sumira de casa e nada se soube dele durante dois meses. Até que chegara uma carta de Londres, em que se desculpava pelos transtornos causados, afirmando preferir a vida modesta de funcionário de uma empresa de carvão à existência excessivamente protegida nos confortos de Palermo. O príncipe tinha a esposa com crises de histerismo, excessivamente pudica - nunca lhe vira o corpo desnudo

Próximo à propriedade dos Salina, havia uma vila semidestruída, pertencente a Tancredi, seu sobrinho e pupilo. Seu pai perdulário dilapidara toda a fortuna, morrendo em seguida, quando Tancredi tinha 14 anos. O rapaz, inicialmente quase um desconhecido, tornara-se muito querido do Príncipe, que percebia nele um entusiasmo briguento. Agora, aos vinte anos, Tancredi entregava-se ao ócio e aos prazeres com o dinheiro que o tutor não lhe negava, mesmo tendo de tirá-lo do próprio bolso. O sobrinho  acaba simpatizando com a causa de Garibaldi, lutando a seu lado. Isso desagradou o príncipe, que no entanto não deixou de amá-lo.

A situação política na região estava muito tensa, temia-se a invasão de piemonteses próximo a vila Salina e as autoridades haviam detectado na população uma efervescência silenciosa, a escória da cidade esperava o primeiro sinal de enfraquecimento do poder para lançar-se ao saque e ao estupro. Mas o príncipe preferia não pensar nesses acontecimentos. Mantendo a calma, pediu permissão a Giuseppe Garibaldi para viajar à região de Ragusa, na vila de Donnafugata, onde tinha outro palácio, igualmente suntuoso.

Lá chegando, trata de dar uma festa solene para saudar a nobreza do lugar. Lampedusa descreve em detalhes primorosos a preparação do banquete, desde a arrumação da mesa, o lustro das louças e a decoração da sala, deixando no leitor imagens completas do ambiente. O momento da entrada de Angélica, filha de Don Calógero, um aristocrata arruinado, é outro momento brilhante da narrativa.

Tancredi toma-se de amores por Angélica e os dois acabam casando, para desgosto de Concetta, filha do Príncipe, apaixonada pelo jovem. Há uma série de acontecimentos importantes, até  o príncipe voltar a Palermo, quando a cidade vivia de relativa calma e os bailes pela cidade se multipicavam. O Príncipe comparece a um desses bailes, na companhia de Tancredi. Em certo momento, sofre um mal súbito e é retirado do baile pelo sobrinho que busca levá-lo a um hospital, mas param num hotel decadente para que Don Fabrício pudesse descansar um pouco. O príncipe piora e acaba morrendo pouco depois.

Nos sete primeiro capítulos, os acontecimentos se dão em curto espaço de tempo, no mesmo ano, 1860. No oitavo e último capítulo, há um salto de 50 anos após a morte do Príncipe. Estamos em 1910 na residência da família, onde as três filhas remanescentes e solteiras, Concetta, Catarina e Caterina, recebe a visita de Angélica, já viúva, para confortar as três irmãs profundamente ofendidas pela inspeção da sua capela  por um membro da Igreja, que considerou relíquias que elas tanto amavam, como objetos descartáveis para ornamentar o local. Quando ficam a sós, Concetta retira-se para seu quarto, amargurada pelo amor não correspondido de Tancredi.

Tradução de Marina Colasanti

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Giuseppe Tomasi di Lampedusa. O Gattopoardo. 2ª ed., Rio, Record, 2006, 306 pp.

domingo, 2 de abril de 2017

46. O Quarteto de Alexandria

O Quarteto de Alexandria é a história da vida e amores de um jovem britânico, Darley, que vive no Egito antes e durante a Segunda Guerra Mundial. Darley tem casos de amor com três mulheres: Justine, Melissa e Clea. Lawrence Durrell (1912/1990) acreditava na ideia de que experimentando as variedades de amor, se poderia ascender do contato físico cru para formas superiores de conexão espiritual. Assim, cada uma das principais personagens incorpora um ou mais aspectos do amor ocidental. Justine representa o poder da paixão sexual, Melissa, afeto de caridade,e  Clea, a alma gêmea de Darley. Mas, o que se percebe no desenrolar dos quatro romances, é que o amor  está falido, os personagens procuram, mas não conseguem encontrar relações apaixonadas. Embora centrada nas relações humanas, há um foco paralelo, menos intenso, centrado nas relações políticas da região, ocupada pela Inglaterra, com o Egito e outros países árabes buscando sua independência.


Justine

No início de sua vida em Alexandria, Darley conhece Melissa dançando em um cabaré. Passam a viver juntos numa pobreza profunda, pois sua renda exígua como escritor não permitia nem mesmo frequentar o cabaré onde Melissa trabalhava. Com o tempo, conhece Nessim, rico empresário, e através dele começa a transitar com alguma desenvoltura pela imensa teia da sociedade alexandrina como convidado. Ficaram amigos rapidamente e passou a acompanhá-lo nos mais diversos lugares. Desde então, conhece a esposa de Nessim, Justine, por quem se apaixona profundamente.

Com o desenrolar da história, ficamos sabendo que Justine fora violada na adolescência, tivera uma filha que se encontra desaparecida, estivera casada com um velho rico, de quem se separou logo em seguida. Depois, casou-se  com Nessim, também mais velho que ela. Darley torna-se amante de Justine. O incômodo desse relacionamento, é que quanto mais ele tentava amá-la e compreendê-la, mais distante ela se tornava dele. Ele descobre que Justine tinha outros amantes, inclusive um relacionamento rápido com Cléa, uma pintora aristocrática. Um dia Justine desaparece da vida de todos. Mais tarde, Clea conta que, numa viagem que fizera a Síria, parara em Israel e encontrara Justine, trabalhando num kibutz. Paralelamente, Melissa conta a Nessim, que Justine mantinha um caso com Darley. Esperançoso de que a mulher um dia voltasse a ele, pede a ela que mantenha esse fato em segredo.

Melissa acaba doente e morre, deixando uma filha pequena que tivera com Nessim. A história termina onde começa, com o narrador chegando a Alexandria para o enterro de Melissa, passando a adotar a menina.


Baltazar

Publicado em 1958, representa uma mudança de ângulo, em relação a Justine, divulgando novas informações que mudam a história do caso de amor do narrador com Justine. Este segundo volume, apresenta a história vivida por eles sob o ponto de vista de Balthazar,  personagem discreto no volume anterior. Era em sua casa que a intelectualidade de Alexandria costumava se encontrar de vez em quando.

A novela começa como no romance anterior. Darley encontra-se isolado numa ilha grega com a filha de Melissa, buscando colocar em texto  o que Justine, Melissa e Clea representam para ele. Enquanto terminava o livro, não mais enxergava suas amantes e seus amigos como pessoas vivas, mas como imagens coloridas de sua mente, habitando seu manuscrito. No entanto, quando escreveu seu esboço, não dispunha de todos os fatos, deduzindo, muitas vezes, através de suposições.

De repente, recebe uma carta de Balthazar, afirmando que tem um manuscrito com verdades reveladoras a respeito de todos. Até então, Darley encontrava-se mergulhado nas revelações dos diários de Justine, revelados pelo seu primeiro marido. Assim, avisa ao escritor que lhe enviará seu manuscrito sobre os acontecimentos que o cercaram.
Darley recebe os manuscritos diretamente de Balthazar, repleto de observações manuscritas nas margens do texto. Após a curta conversa que tiveram, Balthazar parte com o amante, deixando-lhe um grande problema: como encontrar uma maneira de introduzir esse material novo e perturbador sob a pele do antigo, sem modificar ou destruir os contornos que dera a seus personagens.

Nas observações de Balthazar, Justine saíra do nada, forçando-se a trabalhar por um tempo como modelo para os estudantes de um ateliê, ganhando uns cobres por hora. Clea, certo dia,  passou pela galeria e ficou impressionada pela  beleza sombria e alexandrina de seu rosto e contratou-a para um retrato. Logo depois, deu um golpe astuto, casando-se com Arnauti, um estrangeiro, apenas para ganhar o desprezo da sociedade ao permitir que ele a abandonasse. O dois tiveram uma menina, a quem não davam bola. Certo dia, ela e o marido estavam com a filha junto a um lago, quando a menina desapareceu, sendo encontrada depois afogada. O fato marcara profundamente a vida dos dois, Justine justificava aos demais que a filha havia sido sequestrada. 

Justine e Arnauti separam-se e logo em seguida Nessim, que já era apaixonado por ela, busca aproximar-se para casarem e viverem juntos. Ele não se importa que ela não o ame, partindo para visitar a família e comunicar à mãe, Leda, o desejo de casar-se com Justine. A mãe era uma mulher fútil, amante de um diplomata mais jovem, 

Mountolive, que irá protagonizar o terceiro volume da tetralogia. Leda, apesar da ressalva a Justine pelo fato dela ser judia, concorda com o casamento. Nessim tinha um irmão que administrava os bens da família no interior, Nahriz, um homem complexado por ter o lábio leporino. Nariz apaixona-se por Clea.  Buscando saber mais informações sobre o paradeiro da filha de Justine, Nariz procura uma espécie de feiticeiro árabe, que tem uma visão de que a filha de Justine encontrava-se com ela e o marido em um lago e a menina desaparecera nas águas.


Mountolive

Publicado em 1958, é o terceiro volume da série.  Nele, Lawrence Durrell apresenta os fatos de Justine e Balthazar através de uma perspectiva nova, com um narrador em terceira pessoa, que conta a vida do embaixador britânico Mountolive, que esteve por duas vezes no Egito, especialmente em Alexandria. O romance apresenta certo clima de romance policial, onde há complôs, traições e mortes, além de um impasse diplomático, envolvendo o Reino Unido, o Egito e a Palestina. Não nos esqueçamos que a trama dos quatro romances ocorrem antes da Segunda Guerra Mundial, quando o Estado de Israel ainda não havia sido demarcado.

Mountolive esteve pela primeira vez no Egito com a intenção de estudar melhor a língua árabe, já que poderia ser útil pela embaixada britânica futuramente ali. Quando chega, entra em contato com a família Hosnani,  coptas (egípcios cristãos), donos de grandes posses. Convidado pelo pai de Nessim a permanecer aquele tempo em uma de suas propriedades, para manter o contato com a língua mais estreito, Mountolive aceita e acaba sendo amante de Neila, mulher do patriarca, este paralítico. O embaixador fica sabendo que o casamento dela com o marido, bem mais velho, fora arranjado, para unir a fortuna das duas famílias. Através de conversas com Nessim, toma conhecimento de que os coptas encontravam-se oprimidos pela soberania dos muçulmanos no país, sublimando sua cultura cristã.

Mountolive retorna à Inglaterra e depois de prestar serviço em outro país, é nomeado embaixador no Cairo. Em seguida, recebe o relatório de um tal de Maskelyne, membro da embaixada britânica, denunciando uma conjuração copta contra o governo egípcio, comandada por Nessin Hosnani. Em conversa entre os dois, sobre o relatório, toma conhecimento de que os Hosnani não eram muito confiáveis. Nessin estaria contrabandeando armas para a Palestina, para prover Israel de um futuro levante. Para isso casara-se com a judia Justine, com o fim de trabalhar melhor o complô e manter contato mais direto com Israel.

Através de Mountolive, ficamos sabendo que Nessim estava sendo monitorado, em relação ao complô contra os árabes. Também sabemos que Marley foi usado por Justine e Nessim para controlar Melissa, amante de Marley e que tivera um caso com alguém que conhecia as tramoias sobre a insurreição copta. Naruz, irmão de Nessim, ameaça os planos do irmão, incitando os coptas do campo a formarem um exército para tirar do poder os egípcios muçulmanos. Isso soou como uma ameaça aos planos do grupo e Naruz acaba sendo morto.


Clea

Darley, novamente o narrador do quarto romance, recebe o convite de Nessim e Justine para voltar a Alexandria, para que o casal possa ver a menina. A Segunda Guerra já se iniciara. Ao desembarcar no porto, é recebido por soldados britânicos que lhe dão ordem de se encaminhar à embaixada. Como o escritor deixara partes de seus pertences lá, não se opõe à ordem. Ainda no porto, é recebido por um Nessim diferente, havia perdido um olho e um dos dedos da mão e vestia um uniforme. O egípcio o convida para irem ao solar, onde se encontra Justine. Durante o jantar, sente uma atmosfera pesada, onde é possível sentir o ódio entre Nessim e Justine. Fica, então, sabendo que Nessim vivia em liberdade vigiada, desde que sua conspiração fracassara, e Justine vivia presa no Solar.

Quando Justine e Darley ficam a sós, ela lhe questiona como pode ele perdoar a traição dela, sem guardar rancor. Enquanto ela fala, ele fica pensando que sua Justine havia sido realmente a criação de um ilusionista, sustentada por uma estrutura defeituosa composta de palavras, ações e gestos mal interpretados. O verdadeiro responsável pelo que acontecera entre os dois, era seu amor, que inventara uma imagem da qual se alimentou. O perfume inebriante que ele sentira nela, agora era insuportável. A imagem outrora magnífica de seu amor se esvaíra. Tornara-se, enfim, uma mulher asquerosa e gasta, como se um portão de ferro se fechasse entre eles.

Justine lhe conta que quando o plano deles sobre a Palestina ruiu, os judeus o acusaram de traição com os ingleses, e  em seguida ele se dirige à embaixada britânica e recebe, contrariado, a notícia de que o embaixador Mountolive o havia nomeado para trabalhar no departamento de censura da embaixada. Depois, encontra Clea e tornam-se amantes. Através dela, o escritor reencontra Balthazar, velho e amargurado pela velhice e a solidão numa Alexandria, envolta numa atmosfera de apreensão e nostalgia, sofrendo as consequência da Segunda Guerra Mundial.

Clea reúne as peças que faltavam ao quebra-cabeça, possibilitando compreender a totalidade da narrativa. O romance  se constitui no desfecho da tetralogia de Lawrence Durrell. Se nos três romances anteriores, a mesma história é vista de três pontos de vista diferentes, em Clea temos a continuação, pelo avanço do tempo.

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Lawrence Durrell. O Quarteto de Alexandria. 4 volumes. Rio, Ediouro, 2006. Tradução de Daniel Pellizzari

domingo, 26 de março de 2017

45. Grande sertão: veredas

Riobaldo, fazendeiro mineiro, conta sua vida de jagunço a um ouvinte não identificado. Trata-se de um monólogo onde a fala do outro interlocutor é apenas sugerida. São histórias de disputas, vinganças, longas viagens, amores e mortes vistas e vividas pelo ex jagunço nos vários anos em que este andou por Minas, Goiás e sul da Bahia. Toda a narração é intercalada por vários momentos de reflexão sobre as coisas e os acontecimentos do sertão.

O assunto parece sempre girar na existência ou inexistência do diabo, já que Riobaldo parece ter vendido sua alma numa certa ocasião. Ele era um dos jagunços que percorriam o sertão abrindo o caminho à bala. Entre seus companheiros, havia um que muito lhe agradava: Reinaldo, ou Diadorim. Conhecera-o quando menino e mantinha com ele uma relação que muitas vezes passava de uma simples amizade. O jagunço, que admirava e cultivava um terno laço com Diadorim, perturbava-se com toda aquela relação, mas a alimentava com uma pureza que ia contra toda a rudeza do sertão, beirando inclusive o amor e os ciúmes.

Nas longas tramas e aventuras dos jagunços, conhece um dos seus heróis: o chefe Joca Ramiro, verdadeiro mito entre aqueles homens, que logo começa a mostrar certa confiança por ele. Isso dura pouco tempo, já que Riobaldo logo perde seu líder, pois Joca Ramiro acabou sendo traído e assassinado por um dos seus companheiros chamado Hermógenes. Riobaldo jura vingança e persegue Hermógenes e seus homens por toda aquela árida região.

O medo da morte e uma curiosidade sobre a existência ou não do diabo toma cada vez mais conta da alma de Riobaldo, evidencia-se um pacto entre o jagunço e o príncipe das trevas, apesar de não explícito. Acontecido ou não o tal pacto, o fato é que Riobaldo começa a mudar à medida que o combate final contra Hermógenes se aproxima. E a crescente raiva do jagunço só é contida por uma relação mais estreita com Diadorim, que já mostra marcas de amor completo.

Segue-se, então, o encontro com Hermógenes e seus homens, e a vingança é enfim saboreada por Riobaldo. Vingança, aliás, que se tornou amarga, já que Hermógenes mata, durante o combate, o grande amigo Diadorim... A obra reserva, nas últimas páginas, uma surpreendente revelação: na hora de lavar o corpo de Diadorim, Riobaldo percebe que o velho amigo de aventuras que sempre lhe cativou de uma forma especial era, na verdade, uma mulher.

Após o sepultamento dos mortos, Riobaldo, cansado e doente, abandona definitivamente a jagunçagem, quase morrendo de doença. Quando sara, reencontra Otacília, com quem já pretendia casar, quando estava no bando. Descobre, ainda, que Selorico Mendes,seu padrinho, fora na verdade seu pai, de quem herda a fazenda onde o herói reside na velhice presente.

Assim a história chega ao fim, com Riobaldo e o interlocutor no ponto de partida.
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João Guimarães Rosa. Grande sertão: veredas. 10ª ed., Rio, José Olympio, 1976, 462 pp.

domingo, 19 de março de 2017

44. Pedro Páramo


Juan Rulfo (1918 - 1986), romancista e contista nascido no México, começou a trabalhar em dois capítulos de Pedro Páramo (1955), publicados em revistas literárias. Mais tarde, com auxílio de uma bolsa, pôde concluir a obra, que ganhou dimensões internacionais, tendo sido traduzida em vários idiomas.

O filho de Pedro Páramo, Juan Preciado, vai a Comala para encontrar seu pai. No entanto, essa  jornada tem sua essência na busca de identidade. Comala é um lugar desabitado, cheio de fantasmas, almas perdidas daqueles que lá viviam. Através de conversas com essas almas perdidas, Juan Preciado percebe estar vivendo, com eles, o coletivo passado de Comala e da história de Pedro Páramo, o cacique que fora tão importante para seu povo. O leitor vai perceber, através da trama meio enredada (mas inteligível), que Juan Preciado conversa com Dorotea, a mulher que lhe conta toda a história de Comala e de seu povo, numa situação “real maravilhosa” que não posso contar, para não estragar um ponto que é uma das muitas qualidades da escritura.

A novela de Juan Rulfo tem um estilo surrealista, cuja estética influenciou o real maravilhoso, característica que predominou na literatura latino-americana a partir da década de 40/50. O resultado é uma obra de grande perfeição técnica, que contou com várias versões e títulos anteriores para chegar à final. Graças a este desenvolvimento, a novela tem a particularidade e a singularidade dos personagens fortes, num ambiente fascinante.

A estrutura da narrativa apresenta uma sequência em ordem cronológica  contada em primeira pessoa, por Juan Preciado. Há outra sequencia mostrada em terceira pessoa, narrando  acontecimentos relacionados a seu pai, Pedro Páramo, em certa desordem cronológica. Há, ainda uma terceira sequência, que mistura as duas anteriores.

Juan Rulfo não descuida do contexto histórico e social, fazendo referência à Revolução Mexicana de 1910, num México rural, em que Pedro Páramo é um cacique de um povo tiranizado pelo poder capitalista que se instalou no país a partir do século XX.

Tradução de Eric Nepomuceno
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Juan Rulfo. Pedro Páramo. Bestbolso, 2009, 134 pp   R$ 12,90 

domingo, 12 de março de 2017

43. O Continente - volume 1


                                                                                                

Continente compreende dois volumes iniciais da trilogia O Tempo e o Vento, do escritor gaúcho  Erico Veríssimo (1905/1975). O primeiro volume, que nos interessa aqui, narra o final da Revolução Federalista no Rio Grande do Sul (1893/1895) e as origens da família Terra Cambará até o momento do conflito. Os liberais apoiadores de Júlio de Castilhos venceram os federalistas de Gaspar Martins e Gumercindo Saraiva, mas em Santa Fé, o universo literário da narrativa épica de Erico Veríssimo, os federalistas só consideram acabada a guerra quando o neto de Bibiana, Licurgo Cambará, dono do sobrado, entregar suas armas. A trama é narrada em contraponto com o início e progressão da povoação do Rio Grande do Sul, na região das Missões, quando o território gaúcho era disputado entre portugueses e espanhóis.  

Quando começa O Continente, o ano é 1895 e a família Terra Cambará está acossada no casarão. Alice espera um filho e passa mal. Todos precisam de água que está no poço no centro da praça, vigiada por pistoleiros dos dois lados. Há um corte no tempo, e o leitor é situado nas Missões Guaraníticas de Santo Ângelo e arredores, então pertencentes à Espanha. Os personagens centrais são Padre Alonzo, que tem um segredo em sua vida pessoal e carrega consigo um punhal. Ele se encarrega da catequização do menino índio Pedro. O padre dá-lhe o punhal de prata, símbolo importante em toda a narrativa, pois atravessará o tempo nas mãos de determinados membros da família Terra Cambará.

Pedro Missioneiro nasce nas Missões Jesuíticas, filho de uma índia estuprada por algum bandeirante. Revela a capacidade de ter visões fantásticas desde a infância. Nessa época, 1745, os Sete Povos das Missões, pertencentes à coroa espanhola, vivem em crescente prosperidade. Com a guerra, Portugal devolve a Colônia do Sacramento à Espanha e recebe em troca o território das Missões, os povoados jesuíticos são destruídos e Pedro foge, sendo descoberto por Ana Terra, ferido, no açude da propriedade da família, paulistas vindos de Sorocaba para povoar o Continente de São Pedro.

A família Terra trata do índio, que se afeiçoa a todos. Um dia Pedro seduz Ana Terra no açude. Ana descobre, pouco depois, estar grávida. Pedro é morto pelos irmãos dela. Pedro Terra nasce. A família não aceita a criança. Num ataque dos castelhanos, todos são mortos, exceto Ana, o filho e a cunhada. Para salvar a vida do filho, ela insiste em ficar na casa, sendo estuprada barbaramente pelos bandidos. Os sobreviventes veem-se ao desabrigo. Ana decide, então, recomeçar de novo e parte com um grupo de colonizadores. Chegam às terras do coronel Amaral, que decide fundar o povoado de Santa Fé. A família Amaral vai se tornar inimiga dos Terra, até o final de O Continente.

Pedro Terra casa-se e tem dois filhos, Juvenal e Bibiana. Quando Bibiana já está moça, surge em Santa Fé o Capitão Rodrigo Cambará, personagem-símbolo do gaudério rio-grandense. Oriundo de Viamão e condecorado nas diversas guerras de que participou, Rodrigo Cambará chega à cidade sem muito propósito, até que põe os olhos em Bibiana e apaixona-se. A paixão é correspondida, mas o irmão e o pai não aprovam a aproximação dela com Rodrigo. Além do quê, Bento Amaral tem pretensões sobre Bibiana, mas a família Terra não o suporta. Há um duelo entre Bento Amaral e Rodrigo Cambará, Rodrigo vence, mas é traído, quase vindo a morrer. Quando se recupera, toma jeito e pede a mão de Bibiana em casamento e o enlace é consentido por Pedro Terra, com ressalvas. Rodrigo, em sociedade com o cunhado Juvenal, abre um armazém na cidade. Mas, com o tempo, se desinteressa pelo negócio, pois gosta de barulho, pelear pelo mundo. Bibiana sofre com as saídas frequentes do marido para outras freguesias. Os dois têm três filhos, Bolívar, Anita e Leonor. Numa dessas saídas para guerrear, Rodrigo acaba sendo morto.

Com a morte do marido, Bibiana vai viver com os filhos na casa do pai, que perde a propriedade para um tal de Aguinaldo Silva, homem enriquecido através de empréstimos a juros. No lugar da casa, Aguinaldo ergue o Casarão, onde se situa o mote central de "O sobrado". Aguinaldo tem uma neta, Luzia, por quem Bolívar se apaixona e os dois acabam casando. Bibiana tem sérios embates com a nora, até que arquiteta um plano para que a família Terra Cambará recupere o Casarão, o que acaba acontecendo.
Durante o confinamento no Sobrado, Alice Terra, casada com o primo Licurgo, está esperando o terceiro filho. Eles já tinham Toríbio e Rodrigo Cambará, que será o personagem principal da  segunda parte da trilogia, O Retrato. Este segundo Rodrigo é diametralmente oposto ao Capitão Rodrigo, por revelar uma personalidade de lisura contestável. Floriano, filho de Rodrigo neto, será o narrador-personagem da terceira parte da trilogia, O ArquipélagoO primeiro volume de O Continente termina com Alice Terra enlouquecendo, enquanto espera, com dificuldade,  para dar à luz.


O plano geral de O tempo e o vento é traçar toda a saga da formação rio-grandense, desde as origens remotas no século XVIII até o ano de 1946, finalizando a narrativa ao encontrarem-se, mais uma vez, o tempo da ficção e o momento presente em que o discurso é produzido.  A estrutura temporal, portanto tem o passado reconstruído como uma possibilidade de esclarecer o presente. Apesar disso, a obra de Erico Veríssimo não é um romance histórico e nem épico, já que a família Terra Cambará declina moral e economicamente, com o passar das gerações.

O Continente apresenta em contraponto o histórico com o social  com seu ritmo próprio e independência em relação ao conjunto do texto. Dentro dessa moldura, desenvolvem-se vários segmentos, com início, meio e fim, contendo, portanto, vida própria e autonomia do âmbito da totalidade da obra. Prova disso é o fato de Ana Terra e Um certo capitão Rodrigo terem sido lançados como romances independentes no mercado editorial.


http://educaterra.terra.com.br/literatura/livrodomes/livrodomes_ocontinente_11.htm

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Erico Veríssimo. O Continente vol. 1. Cia. das Letras, 2004, 416 pp


domingo, 5 de março de 2017

42. A Peste

Albert Camus (1913/1960) nasceu na Argélia, no período, em que o estado africano era colônia francesa. Logo, era um francês nascido na Argélia. Tinha, também, ascendência francesa por parte do pai. Filho de família muito humilde, fez seus estudos em Argel, destacando-se pela inteligência e originalidade na forma de se expressar. Graças a empenho de professores, conseguiu, através de bolsas de estudos, concluir o grau superior em Filosofia. Exerceu a função de jornalista em Argel, até mudar-se para Paris, onde passou a ser reconhecido internacionalmente, por  sua literatura. Camus era também teatrólogo.

Publicado em 1947, A Peste trata do absurdo da existência humana, que se resolve através da solidariedade. A narrativa se passa na Argélia, na cidade fictícia de Oran, onde as pessoas "se dedicavam ao tédio e a criar hábitos". Era uma cidade feia, sem pombos, sem árvores e sem jardins, apenas nos céus se lia a mudança das estações. Durante a manhã de 06 de abril de 1940, surge um acontecimento insólito: começam a aparecer ratos e mais ratos mortos pelas ruas e casas, assustando as pessoas. Era o vírus da peste bubônica que, logo em seguida, começa a dizimar os habitantes de Oran.
A administração pública in­siste em esconder o flagelo, mas a situação se complica e a cidade inteira entra em quarentena,  sitiada. Todos exilados, na condição de prisioneiros.

Quando os portões das cidades são fechados pelo isolamento do mundo, um fato inusitado acontece: os laços de amor e amizade estreitam-se. Um grupo de pessoas se dedicará à luta contra a peste, num enfrentamento resignado e persistente,  travado pelos homens que providenciavam o isolamento sanitário dos doentes e a quarentena dos familiares, assim como um mínimo de atendimento às vítimas da peste.

Uma das figuras solidárias é a do dr. Rieux, ateu, que faz o máximo possível para o bem estar alheio, mas não é visto como herói, faz o que faz de forma gratuita, nada além do estar bem consigo mesmo. O padre Paneloux é outro que se envolve voluntariamente no combate à peste. Ele achava, inicialmente, que a peste pudesse ter sido obra de Deus, para castigar os moradores da cidade. Com o tempo, começa a se opor à ideia de aceitação e submissão, achando aquilo tudo revoltante, sem, entretanto, perder a crença religiosa. Tarrou, um artista revoltado, é um estrangeiro em Oran, atuando lado a lado com o médico, criando abrigos sanitários. Ele se dizia ser um santo sem Deus.

Até que as coisas começam a mudar, a peste regride, os habitantes começam a se recuperar do isolamento e tudo se esquece e os ratos voltam a surgir vivos e espertos. Mas o que Camus desejava, com sua narrativa, é que as pessoas se dessem conta de que a vida, entretanto, não poderia voltar a ser exatamente o que era antes, que destruir é mais fácil que construir E o que se aprende com a destruição, é que colocando-se ao lado das vítimas, pode-se procurar a paz.

Tradução de Valerie Runjanek
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Albert Camus. A Peste. 5 ed, Rio, Record/Bestbolso, 2016, 294 pp

domingo, 26 de fevereiro de 2017

41. O Aleph

Borges parece ser mais difícil do que é. Tem vários níveis de leitura. Sua escrita parece estar fora do mundo real. Ele mesmo, em algumas entrevistas, considerava-se um homem do século XIX. Gostava de cultivar uma imagem distante de sua realidade, cultivando  geografias imaginárias, entidade fabulosa, animais imaginários, mundos ideais, labirintos, livros etc. Antes de ser escritor, era leitor. Viveu cercado de livros desde a infância. Mas Borges pode parecer bem mais acessível que parece.Nunca acredite no que ele diz, pois faz citações falsas, menciona escritores que não existem. É um escritor de textos alheios. O conjunto de contos O Aleph, juntamente com Ficções, trazem contribuição fundamental para a literatura universal.

O Aleph: neste conto, temos Borges lidando com o tema da universalidade, pois um episódio nos leva a este ponto onde se pode enxergar todo o universo. O personagem do conto passa a visitar anualmente a casa da falecida Beatriz Viterbo, no dia do aniversário dela, até ser informado de que a casa seria demolida. Ele fica, então, sabendo da existência de uma esfera mágica, um Aleph, um dos pontos do espaço que contém todos os outros pontos. Curiosamente, a esfera mágica que contém o Aleph está  no décimo nono degrau da estreita escada que leva ao porão que fica sob a sala de jantar da casa de Beatriz Viterbo. O protagonista  não faz nenhuma tentativa de evitar a demolição  da casa, pois percebe, sem dúvida, que depois da morte da amada, ele não tem nenhuma esperança de tornar verdadeiramente sua a visão do Aleph.

Os Teólogos: dois teólogos, Aureliano e João de Panonia, digladiam-se em suas discussões religiosas, o que Borges vai tratando com um humor que pouco aparece em outros contos; por exemplo, no trecho: “Discutiu com os homens de cuja sentença dependia a sua sorte e cometeu a grosseria máxima de fazê-lo com talento e com ironia” . A discussão leva um deles à fogueira, mas eles ainda se encontrarão na eternidade, culminando em um final inesperado.

O Imortal: relata a história de um general romano que sai à procura da imortalidade; fato que o autor aprofunda em suas reflexões filosóficas, como pode ser conferido neste trecho: “Ser imortal é insignificante; com exceção do homem, todas as criaturas o são, pois ignoram a morte; o divino, o terrível, o incompreensível é saber-se imortal”. No entanto, ao deparar-se com sua busca, toda a sua vida é alterada, não bem como ele imaginava.

O fato de ter visto um homem ser baleado num taberna em Santana do Livramento, serviu de mote para Borges criar em O morto a história de Benjamin Otálora, um jovem compadrito (descendente do gaucho rural)  dos subúrbios pobres de Buenos Aires, que mata um rival e foge para o Uruguai, onde entra para o bando de vaqueiros e contrabandistas liderado por um brasileiro chamado Azevedo Bandeira. Em um ano, aprende as habilidades de um gaucho. Estimulado por um sentimento novo de liberdade e poder, ele aspira superar Bandeira na liderança do bando. Para isso, faz amizade com um capanga de Bandeira, Suárez, e lhe diz de seu plano, recebendo uma promessa de ajuda em sua rebelião contra o velho chefe. Otálora desobedece então às ordens de Bandeira, dá aos homens contraordens e até dorme com a concubina do chefe, uma mulher com cabelos ruivos resplandecentes. Uma noite, no entanto, Bandeira desmascara o caso de Otálora com a ruiva e seu capanga e atira a sangue frio no usurpador.

O impulso misógino da história é inequívoco em Emma Zunz. Emma quer vingar seu pai, que se suicidou depois de ter sido acusado falsamente de desfalque. Maquina então um plano para matar o ex-sócio do pai, responsável por sua desgraça. Ela se prostitui com um marinheiro num bordel e depois mata a tiro o ex-sócio sob o falso pretexto de que tentou estuprá-la. Borges retrata uma mulher jovem presa num labirinto de contradições sexuais.

A Intrusa foi transposto para o cinema em 1979, dirigido por Carlos Hugo Christensen, com José de Abreu, Arlindo Barreto e Maria Zilda. Borges criticou a leitura equivocada do diretor, reduzindo a relação dos dois irmãos a um caso de homossexualidade, que não está presente no conto.  A história se passa no ano de mil oitocentos e tanto, no pampa argentino, onde os irmãos Nielsen, Eduardo e Cristián, viviam comungando a mais completa solidão. Eram tidos como perigosos malfeitores, chegados a farras e brigas violentas. Seus episódios amorosos davam-se em casas suspeitas. As coisas mudam, quando Cristián leva uma mulher para o rancho, como sua amante. A partir daí, a relação dos dois esfria. Eduardo torna-se gradativamente mais irritadiço. Até que um dia Cristián avisa ao irmão que ia para uma farra e deixava a mulher para ele usá-la como quisesse. Assim, a mulher passou a atender aos dois com uma submissão animal, mas não escondia alguma preferência a Eduardo. Um dia, puseram-se  os dois a conversar e decidiram vender Juliana a um prostíbulo. Assim, voltavam a renovar sua vida antiga de homens entre homens. Tempo depois, foi cada um para um lado resolver problemas particulares. Foi quando Cristián, dirigindo-se ao prostíbulo onde venderam Juliana, encontrou o irmão sentado na fila esperando sua vez. Decidiram que era melhor levá-la de volta à casa, "para não cansar os cavalos". Voltaram, assim, ao que já se disse, até o dia em que Cristián comunica ao irmão, que matara a mulher, para não lhes causar mais danos. Assim, abraçaram-se, quase chorando. Agora os unia outro vínculo: a mulher tristemente sacrificada e a obrigação de esquecê-la.

Tradução de Flávio José Cardozo
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Jorge Luís Borges. O Aleph. 3 ed., Porto Alegre, Editora Globo, 1978, 146 p.



domingo, 19 de fevereiro de 2017

40. Ficções

O escritor argentino Jorge Luís Borges (1899/1986) cresceu entre duas línguas. Foi alfabetizado em inglês, por decisão do pai. O espanhol é ligado à linhagem materna. Tinha ascendência portuguesa por parte do bisavô paterno, que nascera em Portugal.  Ficou cego cedo, aos 58 anos. Mas continuou a produzir sempre, ditando seus textos a seus auxiliares, notadamente sua mãe e depois a esposa, Maria Kodama.
Borges foi primeiro poeta e ensaísta. Seu lado ficcional surgiu mais tarde. 

Viaja à Europa na adolescência, para tratamento da cegueira do pai, onde estuda, tem acesso e leitura em outras línguas, e retorna em 1922 à Argentina. Foi leitor voraz de enciclopédias. Isso faz ver a obra de Borges, estamos falando aqui dos contos, em duas vertentes: a mística, os arquétipos, os labirintos. De outro, o olhar para o pampa: o duplo, a violência, a solidão árida. O escritor sustentava que, por trás da sua escrita, há a leitura de um livro. Borges lia um livro e contava uma história do que lera. Isso é chave em sua literatura.

Ficções é um livro-chave para a literatura do século XX, que influencia toda a literatura que vem depois dele. Sua estética coloca a possibilidade de algo impensado.  É um relato autêntico que não propõe uma verdade fora do texto. Não é uma reprodução fiel do mundo. Mas o prazer da forma estética. Esses relatos oferecem ao leitor um prazer com a forma que assume o relato. O livro tem duas partes. A primeira, "O jardim dos caminhos que se bifurcam", contendo um prólogo, apresenta textos que foram, muitos deles, já editados em jornais e revistas. A segunda, também contendo um prólogo, "Artifícios", insiste na ideia de colocar em evidência o caráter experimental da estética do texto:

O jardim dos caminhos que se bifurcam: uma das mais importantes narrativas do autor no que se refere a falar de uma de suas metáforas preferidas: o labirinto. O protagonista do conto está sendo perseguido e foge para o lugar onde viveu seu descendente, um rei que disse que se ausentaria do mundo para construir um labirinto e escrever um livro. Contudo, o que o leitor não perde por esperar, é a relação dessa história com a do próprio protagonista.

A biblioteca de Babel: o autor fala do mundo como se este fosse uma biblioteca, tendo um dos mais impressionantes começos literários da história da literatura: “O universo (que outros chamam a  Biblioteca) constitui-se de um número indefinido, e  infinito, de galerias hexagonais, com vastos postos de ventilação no centro, cercados por varandas baixíssimas".

Pierre Menard, autor do Quixote, a falsa resenha da obras de um escritor de ficção francês recentemente falecido, que se envolveu na tarefa complexa e fútil de reescrever Dom Quixote, de Cervantes. Não se trata de copiar o romance, mas de repetir o livro com o intuito de fazê-lo coincidir, palavra por palavra e linha por linha com o original. Trata-se da total aniquilação da personalidade. Se Menard tivesse conseguido reescrever o Dom Quixote, teria sacrificado sua individualidade artística à tarefa, ao mesmo tempo que teria roubado Cervantes de seu status de autor único do grande clássico; o sucesso de Menard equivaleria então à destruição da criação original, tornando a criação um conceito arbitrário, podendo, no futuro, qualquer obra ser escrita por qualquer autor.

Tlön, Uqbar, Orbis Tertius é uma paródia do idealismo filosófico do bispo Berkeley, na qual os membros de uma sociedade secreta dirigida por um milionário chamado Ezra Buckley inventam um planeta imaginário chamado Tlön, cujos habitantes carecem de qualquer senso nato da existência de uma realidade física externa a suas consciências. Numa série de brilhantes manobras cômicas, Borges esboça as consequências desse idealismo congênito para as línguas, as ciências, a matemática, a literatura e as religiões de Tlön. Nesse conto se reconhece várias estratégicas narrativas, uma delas, apagar os limites entre o verdadeiro e o imaginário. O leitor fica confuso se o que lê é invenção ou realidade. É a busca de um livro inexistente. Nesse livro, há um verbete que fala de Ukbar. Postula uma ideia de que o livro é um mundo e o mundo é o livro. O  mundo não é uma condição de possibilidades de um livro, mas o livro pode ser uma condição de possibilidade do mundo.

As ruínas circulares, o protagonista é um homem cinza que chega a um templo circular dedicado ao deus do fogo. O homem pede à divindade o poder de sonhar um filho e inseri-lo no mundo real. Seu desejo é concedido e ele sonhará um filho que todos tomarão como real, exceto o deus do fogo e o próprio sonhador, que saberão que sua criatura é, na verdade, um fantasma imune ao fogo. O homem cinza sente uma espécie de êxtase, uma vez que o propósito de sua vida parece ter se realizado. Pouco depois, porém, um incêndio destrói o templo, e o homem cinza descobre que não é afetado pelas chamas. Percebe, então, que ele, como seu filho é um fantasma: outra pessoa o está sonhando.
A loteria da Babilônia toma a ideia banal de que a vida é uma loteria e inventa uma situação em que é impossível dizer se as vidas dos babilônios são governadas pelo acaso ou pelos desígnios de uma companhia secreta.
Em A morte e a bússola, o detetive Erik Lönrot está investigando o homicídio de um judeu estudioso de Cabala. Um estranho conflito o impele a procurar o assassino por um processo de pura razão. Porém, Erik está, na verdade, sendo manipulado por seu arqui-inimigo, um criminoso judeu chamado Red Scharlach, que planeja secretamente atrair o detetive para a morte, aprisionando-o num labirinto de pistas enganosas.

O sul e O fim tratam do duplo, quando é preciso fazer uma escolha que contempla um deles. Em O Sul, o protagonista é Juan Dahlmann, um residente de Buenos Aires de origem mista germano-protestante e argentino-católica, que se sente profundamente argentino por ser neto de um herói da guerra da Independência. Embora as propriedades da família tenham se perdido há muito tempo e ele tenha um emprego público modesto na cidade, conseguiu salvar a sede de uma estância nos pampas ao sul de Buenos Aires. Na segunda parte da história, o encontramos tomando um trem para ir visitar a mansão, mas o trem para inesperadamente no meio do campo, e enquanto espera num armazém, recebe provocações de um grupo de peões. Sem saber como reagir, subitamente resolve enfrentar o desafio de um compadrito (equivalente ao nosso gaúcho a pé, banido do pampa) depois que um velho gaucho lhe joga uma adaga.

O fim descreve o final de Martín Fierro, relatando o duelo final entre o protagonista e El Moreno, o irmão de um gaucho negro que Fierro havia matado numa briga de bar na primeira parte do famoso poema. Dessa vez, porém, é Fierro que é morto, mas a morte do protagonista não oferece, no fim, uma resolução clara da ação: quando mata Fierro, o negro assume o destino de sua vítima e as identidades aparentemente contrárias de assassino e assassinado se dissolvem, abrindo a história para uma progressão potencialmente infinita. A ação é observada por um terceiro personagem, testemunha totalmente passiva, por causa de um derrame.

Tradução de Carlos Nejar
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Jorge Luís Borges. Ficções. Porto Alegre, Editora Globo, 1969, 158 pp.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

39. A náusea

Sartre (1905/1980)  sempre conservou, durante toda sua vida, a junção entre os temas filosóficos e condição humana, através da literatura. A Náusea, lançada em 1938,  é o romance que o levou à notoriedade. O título inicial era Melancolia, mas por sugestão do editor, Sartre optou por A Náusea. O romance é importante, na obra de Sartre, por ser a primeira a desenvolver o tema que aparecerá no restante de sua obra ficcional: o existencialismo. Está escrito em forma de diário, para dar verossimilhança ao personagem.

O personagem central é um historiador que viajou muito. Recolheu-se à cidade de Bouville para escrever o retrato de um marquês do século XVIII, Rollebon. Como nessa cidade havia arquivos importantes sobre o biografado, mudou-se para lá. Em sua convivência no local, vai aos poucos se desinteressando pela existência de Rollebon, por considerá-lo um personagem de si mesmo, alguém que não é ele mesmo, e abandona a função de historiador, que passa a considerar uma subordinação ao real, ao acontecido, e vai dar asas à liberdade através da ficção.
O encontro do historiador consigo mesmo é o encontro com a liberdade, e isso acontece de forma dramática, pois é o encontro com a contingência, isso é, nada na vida é premeditado. Ocorrem ao acaso. A existência é gratuita.

O livro é muito teatral, com cenas surrealistas, com personagens caricatos, simbólicos, como o Autodidata, que adquire cultura na biblioteca da cidade, lendo autores pela ordem alfabética, sem um objetivo pré-determinado. A moça do rendez-vous representa a caricatura do sexo, a banalização da vida amorosa e das relações humanas. Os casais que vão ao restaurante almoçar, namorar e comer, são falsos, constituem uma imagem projetada, estereótipo, uma tentativa de marcar uma essência humana e não viver a existência em seu decurso gratuito.

A namorada que ele encontra no final do livro, na esperança de retomar um amor perdido, diz respeito ao valor do instante. Ela tem uma característica de viver o instante em toda sua intensidade, mas perdeu isso com o tempo, idealizando-o.  Quando se separam, o personagem toma consciência de que cada um tem a sua história. E supera a náusea, a contingência de existir, ao ouvir uma música que ele considera perfeitamente acabada, como a vida deveria ser, mas não é. Vai escrever um livro de ficção, onde a liberdade apareça.

Sartre debruça-se em A Náusea, sobre a filosofia da existência, onde não existe uma essência humana à qual os exemplares estão determinados, existe o homem existente em sua contingência e sua gratuidade, ao contrário da figura idealizada que o pensamento burguês supunha.

O romance é anterior a O ser e o nada (se o homem existe, Deus é nada; se Deus existe, o homem é nada) e ao O que é literatura?, onde se propôs a responder em que medida a literatura deve ater-se à vida circundante e, a seu modo, refleti-la e procurar transformá-la. Mas contém, em essência, aspectos das duas obras filosófico literárias.

Tradução de Rita Braga
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Jean-Paul Sartre. A náusea. Rio, Nova Fronteira, 2006, 222 pp.