domingo, 14 de agosto de 2011

Dia do Pai

A lembrança de meu pai é de um homem velho. Quando nasci, ele tinha mais de 50. Aos dez anos, a imagem dele era de alguém que exercia sua autoridade sobre a família. Ele nunca foi de bater nos filhos, na maturidade, mas usava o sermão como arma infalível para consertar alguma coisa em meu comportamento arredio. Em minha adolescência, lá pelos 14, 15, 16, discutíamos muito, pois punha em prova sua maneira de pensar, antiga, ao comportamento novo da geração de 60. Mas não éramos de muita conversa um com o outro, não. Sempre fui um cara reservado, fazia as coisas em silêncio. Na minha infância, tinha três irmãs na casa. Menino não se podia meter na vida feminina. Por isso mesmo fazia minhas brincadeiras e fantasias no pátio, na rua, com a liberdade que me era designada. Um irmão me disse um dia desses, que meu pai era uma pessoa fora de série, pena que eu convivera já com a velhice dele, com algumas doenças e não pudera participar de seu estilo peculiar na educação dos filhos. Seu poder de força, com a idade avançada, não era a mesma que meu irmão vivenciara em sua juventude. Meu pai, para ele, era um herói. A única herança que ele dizia legar aos filhos, era a educação. Era necessário estudar. Mais que trabalhar. Sempre admirei a forma como meus irmãos mais velhos se relacionavam com ele, tendo como ponto de vista o respeito. Comigo e minha irmã mais nova, nossa convivência era mais aberta, havia respeito, mas podíamos divergir, discutir, brigar, pois esse era o caminho que ele escolhia sempre, permitir o diálogo.
Uma imagem que me dói de meu pai, era a de pessoa solitária. Minha mãe havia morrido. Minha irmã e eu trabalhávamos e ele cuidava da casa, rodeado de sua solidão e da lembrança de minha mãe, que partira há pouco. Seu sorriso já não era mais o mesmo, até quando algum tom alegre no ambiente o fazia sorrir. Quando não gostava de alguma coisa, limitava-se a resmungar e fechava a cara de poucos amigos. Às vezes eu implicava, perguntando-lhe o que era. Ele respondia nada. Certas dores no corpo, a pedra nos rins...
Percebia-se a mudança também no rosto. A boca que pronunciava palavras silenciosas, enquanto jogava cartas sozinho na sala, era uma boca de defunto. Os olhos castanhos acumulavam as marcas do tempo a seu redor e os poucos cabelos da parte lateral da cabeça não escondiam mais a mescla de grisalhos: era completamente branca.Quando se aproximava para me desejar bom dia, o braço que me tocava o ombro, completamente flácido, era leve e indeciso.
Quando me sentava na outra ponta da mesa para tomar o café da manhã, sentia sua respiração ofegante. Tossia de vez em quando. Ouvia o barulho da xícara raspando o pires e me sentia assim como ele, também diminuído, trancado na mesma saudade, parceiro de mesma solidão.
O silêncio enchia a sala. Quando essa triste lembrança da morte dela se tornasse saudade, talvez pudéssemos discutir futebol e política, sorrindo e brigando como amigos. Torcia para que o tempo fizesse surtir seu efeito.
Não foi possível. A saudade dela acabou tirando-lhe a vida alguns anos depois. A coisa de que mais sinto falta em relação a ele, é de poder lhe dar um abraço apertado.

domingo, 7 de agosto de 2011

A vulgarização do afeto

Você já esteve em uma rodinha de amigos, certamente, batendo papo, até que a roda se desfaz por motivo vário e cada um se despede, dá um abaninho e diz: “tchau, um beijo”. O beijo não é dado. É falado. As pessoas estão todas juntas, uma frente às outras, e o beijo sai falado. Entre homens é o afeto falado do “até mais, um abraço”. Puxa vida! Por que não dar um abraço corpo a corpo? Já repararam que muitos homens se abraçam colocando a mão no peito um do outro, para evitar o confronto corpo a corpo mais direto? É da cultura machista. Não tem jeito. Pois é, mas assim é a vida. Pode ser que as pessoas dessa rodinha não sejam grandes amigos a ponto dos lábios tocarem o rosto do outro. Então se usa a tal cortesia de demonstrar um afeto não tão próximo através do beijinho falado e não dado.
Certa vez, quando estava em Brasília montando um curso de linha na Gepes do Banco do Brasil, fui apresentado a uma educadora, dessas chefas com alto cargo inerente à competência de sua função. Muito cortês à primeira vista, chamava-me pelo nome toda a vez em que conversávamos no horário do lanche coletivo. Quando finalizou o lanche, ela desejou um bom final de tarde a todos e a todas (não sei por que dessa moda, pois o gênero “todos” inclui, quem exclui é o “todas”) e propôs que todos ali presentes se dessem um abraço de confraternização. No dia seguinte, cruzamos eu e ela em sentidos opostos no imenso corredor deserto da Gepes. Quando chegamos bem próximos, olho para ela, mas ela ignora minha presença, como se eu não existisse passando por ela naquele momento. Fiquei intrigado. No dia anterior ela propôs um abraço de confraternização. Abraço é coisa séria, gente! No dia seguinte, já propôs que fôssemos anônimos, fingindo desconhecer um ao outro. Essa característica, aliás, é típica de ambientes de trabalho em que há muita gente e não se pode ou não se quer estar “arreganhando os dentes” a toda hora e momento.
Ora, não se trata de arreganhar os dentes a toda hora e momento. Um olhar não tira pedaço de ninguém. Não é preciso nem falar, basta o esboço de um sorriso que a cordialidade está feita. Mas a vida é assim mesmo. Já me disseram que ninguém é obrigado a estar feliz o tempo todo. Eu penso, entretanto, que é possível a delicadeza e a gentileza sem grandes estardalhaços, que daí é exagero falso. Se fôssemos mais autênticos em nossa forma de demonstrar afeto a terceiros, poderíamos, quem sabe nessa tal rodinha, dar um adeus e “até a próxima”. Senão, dá um beijo, cara, não custa nada!