domingo, 27 de outubro de 2013

A casa dos budas ditosos


O baiano João Ubaldo Ribeiro (1941 abre A casa dos budas ditosos, explicando ao leitor a encomenda da Companhia das Letras para escrever um romance sobre o pecado da luxúria, da Coleção Pequenos Pecados, que inclui como tema de cada livro um dos sete pecados capitais. Entretanto, (aí começa a ficção) os originais que constituem A casa dos Budas ditosos foram entregues por um desconhecido ao porteiro do edifício onde João Ubaldo trabalhou, acompanhado de um bilhete assinado pelas iniciais CLB. Informava que se tratava de um relato verídico, no qual apenas a maior parte dos nomes das pessoas citadas foi mudada, e que sua autora era uma mulher de 68 anos, nascida na Bahia e residente no Rio de Janeiro. Autorizava que a obra fosse publicada em nome do João Ubaldo, embora preferisse que ele revelasse aos leitores a verdadeira origem, pois achava irresistível deixar as pessoas sem saber no que acreditar. E assim foi feito. O autor conta o pecado da luxúria através da boca de uma senhora (69 anos) experiente nas lidas da vida sexual. Ela nos diz, por exemplo, que seu texto é Sociohistoricoliteropornô, já que é fixada na fase oral canibalista, pois  adora qualquer tipo de ingestão. Antigamente ela já era fixadinha, mas só agora viu o comportamento com clareza. Afirma que não gosta de psicanálise. Em sua casa, bem antes de Freud achava-se obsceno ficar contando intimidades e fraquezas a estranhos, mas de vez em quando  usa uma frase que é jargão de psicanalista: "- isso é inevitável a sua geração".  Acha-se encaixada nessa situação de fixada na fase oral, não se arrepende de nada do que fez, mas afirma que não há bons tempos, só há tempos. Nada de saudosismo, que é uma espécie de masturbação sem verdadeiro prazer, uma inutilidade atravancadora, que no máximo pode ser empregada para brincadeiras, mas geralmente é perda de tempo mesmo.  Aqueles tempos tinham seu charme, mas eram duros também, cada tempo tem sua dureza. Tomar nas coxas, por exemplo, exige know-how, para ser desfrutado decentemente. A mulher tem que treinar a postura, para estar segura de que vai atingir um orgasmo.
Em uma linguagem obscenamente prazerosa, João Ubaldo conduz com talento e competência sua narrativa. Prova de que trabalho por encomenda pode render bons frutos. O livro é dedicado às mulheres, para que os homens também o leiam. Todos vão se divertir à beça.
Essa é mais uma obra importante que se encontra esgotada. Nos sebos virtuais é possível encontrar um exemplar em muito bom estado de conservação por um preço médio de R$ 15,00. Um exemplar novo, por um preço de R$ 35,00.
                            paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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João Ubaldo Ribeiro. A casa dos Budas ditodos. SP, Cia. Das Letras, 1999, 164 pp. 

domingo, 20 de outubro de 2013

O escorpião da sexta-feira

Antônio, ex-seminarista, saiu de Pau d’Arco (a Macondo de Charles Kiefer) para trabalhar na Cúria metropolitada de Porto Alegre. Uma tarde, sob a luz filtrada dos vitrais, viu a mulher que transformaria sua vida, que o arrastaria num turbilhão de desejo e paixão, e o desviaria definitivamente do destino que tentava traçar até então, com a fé inabalada em Deus. Luísa, ardilosa e irônica, inflexível e fria. Luísa o abandona e o trai. A partir daí, sente perder o controle sobre si mesmo, abandonado numa solidão doída. Volta a lembrar-se da paixão antiga por escorpiões. Encontra Luísa pela última vez e a mata. A partir de então, adquire um escorpião venenoso que usará toda a sexta-feira à noite para matar prostitutas e, com isso, vingar-se da mulher que amou. Para ele, a vida é um conjunto muito reduzido dos mesmos temas, das mesmas situações inúteis.

Fiquei com a impressão, ao ler O escorpião na sexta-feira, de que Charles Kiefer, intimidou-se diante do psicopata Antônio, tratando-o na superficialidade de suas ações, sem aprofundar suas contradições como indivíduo, reduzindo-o a um traço característico básico que o acompanha durante toda a história: a obsessão por Luísa. O romance ganharia muito, se apresentasse contradições, comportamentos imprevisíveis, enigmáticos, que vão sendo definidos no decorrer da narrativa, evoluindo e surpreendendo o leitor. Assim como está, fica tudo previsível.

Charles Kiefer não é um escritor qualquer. Tem três Prêmios Jabuti em seu currículo, além de outros prêmios. É professor universitário de Literatura e administra oficinas literárias. Tem mais de 30 livros publicados, entre romances e contos. Ganhou notoriedade nacional ao publicar sua primeira novela infanto-juvenil, Caminhando na Chuva, em 1984. Atualmente publica seus livros pela editora Record.

                                 paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Charles Kiefer. O escorpião da sexta-feira. Rio, Record, 2006, 112 pp R$ 27,90

domingo, 13 de outubro de 2013

Os sofrimentos do jovem Werther

Wherter, o jovem personagem criado por Goethe, ama desesperadamente a jovem Carlota, comprometida com Alberto, honesto e trabalhador. Torna-se amigo dos dois e passa a cortejar a jovem sem, entretanto, revelar-lhe seus sentimentos. Carlota e Alberto se casam. Wherter decide abandonar a cidade para tentar esquecê-la. Nesse novo lugar, é atraído por uma jovem. Um incidente numa festa, entretanto, faz com que Wherter abandone o emprego, retornando à cidade natal. A paixão por Carlota continua intensa e Wherter vai, gradativamente, enredando-se nas teias de um amor impossível. Acerca-se dela de forma intensa, causando comentários na cidade e desconfiança de Alberto, que pede à esposa que se afaste do jovem. Como isso não acontece, Carlota chama-lhe a atenção, pedindo que não a procure mais. Desesperado, deprime-se e comete o suicídio.

O argumento de Os sofrimentos do jovem Wherter teve, como substrato, acontecimentos semelhantes na vida de Goethe, mas sem o final trágico. Em suas memórias, o autor alemão conta que teve uma paixão não correspondida por uma jovem casada e narrava seus dissabores a um amigo, através de cartas. O casal era amigo de Goethe e comentou que algumas cenas e acontecimentos do Werther tinham realmente acontecido na vida deles. A cena do incidente, quando Werther parte para a Corte também foi verdadeira. Lá conheceu Wilhelm, pastor protestante. Goethe trabalhava na Corte, quando conheceu Wilhelm, dando-lhe acesso, assim, à aristocracia local. Wilhelm  apaixonara-se por uma jovem casada. Certa vez, o pastor protestante compareceu para um almoço na casa de um conde, sem ser convidado, para vê-la, mas é tratado com frieza. Para complicar ainda mais a situação, o conde pediu-lhe que se retirasse. Frustrado pela humilhação,  comete o suicídio. Goethe pôde, assim, extrair de sua experiência pessoal os elementos essenciais da primeira parte de sua obra, e emprestou a experiência trágica do amigo Wilhelm para a segunda parte.

Goethe escreveu Os desenganos do jovem Werther entre fevereiro e abril de 1774, aos 25 anos, portanto. O romance faz parte do contexto histórico e político do Sturm und Drang (tempestade e ímpeto), a época áurea do romantismo alemão. Esse movimento, juntamento com as influências românticas inglesas e francesas, influencou sobremaneira o romantismo brasileiro, especificamente a segunda geração romântica dos poetas Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu e Fagundes Varela, para citar os mais conhecidos. Para Werther (e os românticos), os sentimentos tornam-se mais importantes que a racionalidade. Acaba morrendo de amor. A natureza exerce fascínio ao jovem. Refugiava-se nela quando estava contente e também quando estava deprimido. Era a busca de encontrar-se a si mesmo, alargando sua sensibilidade. Goethe experimenta, ainda, outra característica do Romantismo, que é a liberdade artística. A história de Werther é apresentada através das cartas datadas de Werther a Wilhelm. A partir de determinado momento, quando Werther começa a perder a razão, surge outro narrador, na figura do editor das cartas de Werther. A história, então, foi contada a partir da morte de Werther.
Quando atingiu sua maturidade como escritor, Goethe foi influenciado pelo classicismo alemão, que sucedeu ao romantismo. É dessa fase sua derradeira obra-prima, o monumental Fausto, dividido em duas partes. Há uma edição bilíngue muito bem cuidada, da Editora 34, com tradução do original alemão de Jenny Klabin Segall.

Há duas traduções do Werther confiáveis, a de Marcelo Backes, pela LPM e de Marion Fleischer, pela Martins Fontes. Não é muito fácil de encontrar exemplares novos nas livrarias. Você consegue comprá-los no site da Livraria Martins Fontes por R$ 16,00 o da LPM e 43,57 o da Martins Fontes. Nos sebos virtuais é possível encontrá-los por preços mais acessíveis. Eu recomendaria a tradução da Martins Fontes, que apresenta o texto mais redondinho, contemplando a poeticidade da prosa de Goethe.
                         paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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J. W. Goethe. Os sofrimentos do jovem Werther. SP, Martins Fontes, 2007, 176 pp.

domingo, 6 de outubro de 2013

Diário de um ano ruim


O sul-africano J. M. Coetzee (1940) nos apresenta, em Diário de um ano ruim, um velho escritor solitário que se encontra com uma jovem na lavanderia do condomínio, onde moram. Fica Interessado. Busca informações da moça com o porteiro do prédio. No segundo encontro, em um parque, leva adiante seu plano de se aproximar. Descobre que trabalha como secretária para seu companheiro. Como já está seduzido, arma uma estratégia para trazê-la para si. Conta-lhe que está produzindo material para contribuir para um livro, ideia de um editor da Alemanha, cujo projeto é reunir seis colaboradores de seis países, dizendo o que quiserem sobre qualquer assunto que escolherem, pronunciando-se sobre o que está errado no mundo de hoje. Esse fato é verídico na ficção (na vida de Coetzee também). Faz o convite: como está com prazo apertado,  precisando urgentemente de uma secretária que o ajude a organizar o material, precisa dela para trabalhar com ele, oferece-lhe pagar muito bem. Ela aceita. Porém, o companheiro da jovem instala um spyware no computador do escritor e passa a monitorar os dois.

A história é contada em três planos: o diário que vai constituindo um ensaio sobre temas relevantes da atualidade. Esse plano aproxima o narrador do próprio Coetzee, que costuma dar palestras ao redor do mundo sobre esses temas (recentemente esteve em Porto Alegre, para falar sobre a censura na África do Sul). O segundo e o terceiro planos são contados como notas de rodapé: num, é o escritor narrando sua atração e relacionamento com a secretária; noutro, é a secretária que revela seu ponto de vista sobre o escritor.
O livro pode ser lido de várias formas. O leitor vai escolher a que lhe for mais cômoda. Coetzee, como sempre, se reinventa a cada romance. A tradução é de José Rubens Siqueira

                            paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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J. M. Coetzee. Diário de um ano ruim. SP, Cia. das Letras, 2008, 248 pp. R$ 39,50