domingo, 28 de outubro de 2012

Os embaixadores

Henry James (1843/1916) nasceu em Nova Iorque e morreu em Londres, tendo, inclusive, adquirido naturalidade inglesa. Foi um virtuose do estilo literário, usando-se de imagens poéticas e sintaxe primorosa. Escreveu inúmeros romances, além de peças de teatro. Entre os romances, destacam-se, em português, A taça de ouro, Retrato de uma Senhora e A volta do Parafuso. Seus prefácios aos principais romances, que foram reeditados em edição de luxo antes de sua morte, tornaram-se famosos, influenciando profundamente parte da crítica literária internacional.
Lewis Lambert Strether, o protagonista de Os Embaixadores, tem 55 anos. Perdeu a mulher e o filho há anos e sente, até o momento, a culpa pela morte deles. Está envolvido com a Sra. Newsome, viúva rica que financia a revista que ele edita. Essa senhora resolve enviá-lo a Paris, para encontrar o filho dela, Chad, que estaria se desencaminhando na cidade-luz, e trazê-lo de volta para Massachusetts. Se isso fosse feito, a sra. Newsome casar-se-ia com Strether. Ela escolhera Strether como embaixador, não só porque era velho amigo de confiança da família, mas também para testar a sua lealdade. Por outro lado, Strether, casando-se com a viúva, herdaria uma grande fortuna, garantindo seu status na classe alta de sua comunidade. Ao estabelecer-se temporariamente em Paris, entretanto, começa a perceber a vida pacata e entrincheirada em que vivia e começa a expandir seus horizontes. Constata, ainda, que Chad não está perdido como sua mãe supunha, ainda que esteja se relacionando com uma senhora mais velha e casada. Strether resolve, então, incentivar o jovem Chad a viver a vida em toda sua plenitude, gozando todas suas oportunidades. A delicada inteligência crítica de Strether é acompanhada por uma generosidade moral em favor dos outros, juntando-se a isso um senso obsessivo sobre seus conflitos pessoais. Em Paris, torna-se amigo da jovem Maria Gostrey, com quem tem diálogos profundos sobre as incertezas e a beleza da vida. No final do romance ele retorna à cidade de origem, mas sente que já não é o mesmo de antes. Há esperança.
Romance muito bem escrito e incessantemente retrabalhado por Henry James, foi considerado pelo próprio escritor como sua melhor obra. Nele se desenvolve uma técnica narrativa chamada de fluxo de consciência, em que o escritor apresenta o ponto de vista de Strether, através do exame profundo de seus processos mentais, diluindo as distinções entre consciente e inconsciente, realidade e desejo, as lembranças da personagem e a situação presentemente narrada, etc. Clarice Lispector, Dostoievski, Tolstoi, Beckett, Faulkner, Virgínia Woolf, além de Joyce, usavam e abusavam desse estilo tão característico do romance moderno.

                                                                                    paulinhopoa2003@yahoo.com.br

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Henry James. Os embaixadores. SP, Cosac Naify, 2010, 608 pp. R$ 110,00

domingo, 21 de outubro de 2012

Fantasma sai de cena

Nathan Zuckermann, fantasma do escritor Philip Roth (1933) reaparece mais uma vez em Fantasma sai de cena. O narrador judeu, que já protagonizara O escritor fantasma e Pastoral Americana (já comentado neste blog recentemente), além de outros romances, sai de seu isolamento, nas montanhas, para Nova Iorque, que não visitava há quase quinze anos, para tentar resolver seu problema de incontinência urinária, decorrente de um câncer que o fizera retirar a próstata. A época da ida de Zuckermann gira em torno do atentado de 11 de setembro de 2011. Uma noite, ao retornar ao hotel, lendo o jornal ele avista o anúncio de um casal de escritores que lhe interessa: o casal procura um sítio nas montanhas em local isolado, em troca do apartamento deles em Nova Iorque, por um ano. Zuckermann andava um tanto abalado pela previsão de uma intervenção cirúrgica para tentar conter a incontinência urinária, outro tanto enfastiado da solidão a que se submetera, já que morava sozinho havia onze anos numa casinha que ficava numa estrada de terra numa região bem rural, tendo tomado a decisão de levar uma vida isolada cerca de dois anos antes de lhe ter surgido o câncer. Tinha pouco contato com pessoas, não ia a jantares nem a cinema, não via televisão, escrevia durante a maior parte do dia e com frequência à noite. Lia, principalmente, os primeiros livros que descobrira quando era estudante. Aquele anúncio subitamente despertara nele um desejo inexplicável de mudar de ares por um tempo, para quebrar, quem sabe, a sua vida pacata de ouvir música, fazer caminhadas no mato no verão ou nadar na lagoa próxima à casa. Sem saber bem o que estava fazendo, pega o telefona e digita o número que consta no anúncio.
Enquanto se desenrolam as tratativas para a assinatura de permuta temporária, Zuckermann vê-se assediado por um jovem jornalista inescrupuloso, candidato a escritor, que busca incessantemente obter informações sobre um escritor famoso, já morto, que havia ajudado Zuckermann a dar os primeiros passos em sua carreira de escritor. Esse escritor falecido teria um segredo que não interessava à família que fosse revelado. A partir de então, a vida de Zuckerman acaba se tornando um inferno.
Não se pode dizer que Philip Roth vá retirar de cena definitivamente seu alter ego. O que se sabe é que, mais uma vez, em Fantasma sai de cena, Roth consegue amarrar muito bem sua história, criando interesse do início ao fim da narrativa.

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Philip Roth. Fantasma sai de cena. SP, Cia das Letras, 2008, 288 pp. R$ 46,50

domingo, 14 de outubro de 2012

Pastoral americana

Pastoral Americana (1997) é o vigésimo segundo livro de Philip Roth (1933), um dos escritores norte-americanos mais famosos e importantes da atualidade. Seus livros vendem como água, com o mérito de serem grandes romances, desses que balançam a estrutura do leitor. Este romance longo explora o curso da história americana a partir dos anos 1940, que o narrador de Roth e alter ego, Nathan Zuckerman, considera como um período de ouro para as convulsões sociais que marcaram a década de 1960 e início de 1970. O ponto central da história é um personagem judeu chamado sueco Levov, homem excepcional em todos os aspectos. Foi atleta brilhante, tendo sido ídolo da juventude na cidade onde morava. É empresário de sucesso, marido e pai dedicado, cujo único objetivo é viver uma vida tranquila em Rimrock, lugarejo rural de New Jersey . Sua vida torna-se um inferno, quando sua filha de dezesseis anos rebela-se, entrando em um grupo de protesto anti-Vietnã, plantando uma bomba na estação de correios local e matando uma pessoa. A vida de Levov é abalada para o resto de sua vida. A estrutura narrativa funciona em ziguezague no tempo. Esse “tumor” na vida de Levov vem à tona, quando ele procura Zuckermann, já escritor famoso, para que este conte a vida de seu pai, que fora fabricante de luvas para senhoras e passara a direção da empresa, já com ramificações no exterior, para Levov. Na verdade, o que Levov acaba fazendo, é contar sua própria vida, para tentar entender, sem sucesso, o que teria dado errado na educação da filha. Roth explora de forma contundente a transformação da vida americana do pós-segunda guerra. Aborda de forma crítica questões como a natureza da educação judaica, a relação impositiva entre pai e filho (o sueco largou a profissão de jogador famoso para administrar os negócios do pai, na marra), o contraste entre sua personalidade e a da filha. Aborda, ainda relações de lealdade e traição familiar, além do fanatismo político que tomou conta dos Estados Unidos no período da guerra do Vietnã, do movimento híppie, dos grupos guerrilheiros como os Panteras Negras, etc.
O escritor Zuckerman apareceu em outros romances de Philip Roth, como O Escritor Fantasma e O fantasma sai de cena. Se você foi, como eu, adolescente na década de 70/80, deve ter lido ou visto o filme baseado no livro Complexo de Portnoy, talvez o livro mais famoso de Roth, considerado um dos dez melhores romances americanos, pela crítica.
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Philip Roth. Pastoral Americana. SP, Cia das Letras, 1998, 478 pp. R$ 69,00

domingo, 7 de outubro de 2012

Livro do desassossego

Livro do desassossego é o livro de prosa de Fernando Pessoa (1988/1935) que mais se aproxima do romance. Nele, Pessoa nos apresenta o diário de Bernardo Soares, mais um heterônimo seu. Fernando Pessoa nos conta no prefácio do livro, que conhecera seu heterônimo Bernardo Soares num pequeno restaurante de sobreloja, frequentado por tipos curiosos, mas sem interesse. Todas as vezes que calhava dele jantar no local, encontrava sempre um indivíduo lá pelos seus trinta anos, magro, curvado exageradamente quando estava sentado, vestido com certo desleixo. No rosto pálido, havia um ar de quem sofrera muito na vida. Com o tempo, observando-o melhor, notou sob o abatimento aparente e a impressão de angústia que sempre carregava, um certo ar de inteligência que o animava. Soube, através de um criado do estabelecimento, que era empregado no comércio, numa casa ali perto.
Um dia houve uma cena de pugilato na rua em frente ao restaurante que acabou aproximando os dois. Ao se aproximar das janelas para olhar o ocorrido, Pessoa trocou com o homem obscuro uma frase casual, e ele respondeu no mesmo tom. Desde esse dia passaram a se cumprimentar, até que, uma vez, caminharam juntos. O homem, a certa altura perguntou a Pessoa se ele escrevia. Pessoa respondeu-lhe que sim, falou-lhe da Revista Orpheu, onde escrevia. O homem surpreendeu-se positivamente, pois conhecia a revista. Então, revelou ao poeta que escrevia também, durante a noite, para espantar a solidão. Bem, o homem acaba convidando Pessoa a visitar seu quarto humilde e lhe mostra seus escritos, que constituem o Livro do desassossego, com que o leitor vai se deliciar.
Bernardo Soares nos diz em seu diário, que nunca fizera nada a não ser sonhar. Era apenas esse o sentido de sua vida. Nunca tivera outra preocupação verdadeira a não ser sua vida interior. Ele nos afirma que nunca pretendeu ser outra coisa, que não um sonhador. Pertencera sempre “ao que não está onde estou e ao que nunca pude ser”. Tudo que tivera de seu, por mais baixo que fosse, constituía-se de poesia para ele. Nunca amou senão coisa nenhuma. À vida, nunca pediu senão que passasse por ele sem que ele a sentisse. Do amor, exigiu apenas que nunca deixasse de ser um sonho distante. Para ele, não há saudade mais dolorosa do que as das coisas que nunca foram.
Livro do desassossego é um livro fragmentário, sempre em estudo pelos estudiosos do poeta. A cada edição, a obra sofre algum acréscimo ou decréscimo, já que Pessoa não era lá muito organizado com suas notas. Quase tudo que Fernando Pessoa produziu, foi publicado após sua morte. Na edição da obra que recomendo, a organizadora explica o processo de edição do texto.

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Fernando Pessoa. Livro do desassossego. SP, Cia. De Bolso, 2006, 560 pp. R$ 33,00