domingo, 25 de março de 2012

Morte em Veneza

Morte em Veneza, do alemão Thomas Mann (1875-1955) é uma novela primorosa, com pouco mais de 100 páginas, que se lê de um fôlego só. Início do século XX. Um escritor renomado, no envelhecer da vida, decide partir em férias para o norte da Itália, com o intuito de se recuperar de um esgotamento nervoso e de uma crise pessoal e criativa, estabelecendo-se em uma das praias de Veneza. Figura solitária (sempre fora uma criança frágil e enferma, o que lhe impediu um contato social maior), um dia, no hotel, seus olhos se fixam na figura de um adolescente de uma beleza andrógina que lhe chama a atenção. O escritor é tomado de uma paixão platônica arrebatadora. Todo seu pensamento, a partir dali, estará voltado a encontrar e admirar o jovem rapaz. Tenta algumas aproximações, mas não consegue falar-lhe pessoalmente. Esse passa a ser o seu conflito, não conseguir exprimir sua admiração, seja pela grande diferença de idade entre eles, seja por que sua afetividade reprimida, seja porque a morte lhe bata à porta no momento em que a peste começa a fazer vítimas em Veneza e ele é uma delas. Num final belo e triste, o velho artista vai morrendo, enquanto a imagem do belo menino traça uma coreografia no espaço, quando se despede de Veneza para voltar a sua terra natal.
A paixão do escritor pelo menino não apresenta conotação sexual, necessariamente, mas eleição do jovem como um ideal de beleza. Ele segue o jovem como à procura de um ideal estético. Vislumbra a beleza perfeita, mas é impossível agarrá-la, conferir-lhe a forma definitiva. Ele não poderá conservar aquele ideal de graça de forma perfeita junto a si, nada que criasse atingiria aquela visão estética. O escritor tenta rejuvenescer de um modo artificial, tornando-se uma caricatura da figura respeitável de equilíbrio e força que fora um dia. Já não pertence mais a esse mundo.
Luchino Visconti conseguiu transpor a obra literária para o cinema de forma magnífica. A única mudança evidente é a profissão de Aschenbach, que no livro é escritor e no filme, músico. Isso não altera o sentido da obra. A escolha de Dirk Bogarde para viver o papel do artista atormentado foi perfeita. Todo o conflito existencial do músico é interpretado de forma convincente, com o uso de pouquíssimos diálogos. As imagens do filme passam com fidelidade o clima proposto pela narrativa literária.
Thomas Mann, Prêmio Nobel de Literatura de 1929, é autor também de Os Buddenbrooks, A montanha mágica (sua obra-prima) e Doutor Fausto.
Se você quiser ter o prazer duplo de ler a novela e assistir ao filme, a Espaço Video tem a película em dvd.
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Thomas Mann. Morte em Veneza. RJ, Nova Fronteira, 2010, 116 pp 18,00

domingo, 18 de março de 2012

O Mundo

Juan José Millás (1946), nasceu em Valência, Espanha, mudando-se para Madrid ainda criança. Escritor e jornalista, publica seus artigos no jornal El País. Seu último romance traduzido para o português, O mundo, ganhou o Prêmio Planeta de 2007. O narrador da trama narra os anos de infância vividos em sua Valencia natal e mudança posterior a Madrid, onde foram morar em um bairro pobre, devido às carências econômicas de seus pais. A visão que a personagem quando criança tem da rua através de sua janela, é a metáfora do mundo que ele quer viver e investigar. Sua amizade com El Vitamina, amigo doente, é fundamental nessa descoberta. Depois, descobre o prazer pela leitura, com as novelas de Readers Digest. Na fase adulta, tem um relacionamento não correspondido que o marca para sempre. A seguir, passa a falar das novelas que escreve, da morte dos pais e do traslados de suas cinzas para Valência. A crítica espanhola comenta a possibilidade da obra ser autobiográfica, dado que a história, contada em primeira pessoa por Juanjo, mesmo apelido do autor, é bastante parecida com a vida do escritor, desde sua infância em Valência, passando por Madrid até a idade adulta, quando se torna escritor.
O mundo apresenta uma visão doce e solitária de uma criança que quer se sentir importante e amada, por parte de um adulto que sente dor de seu passado. É uma rememoração também de feitos de sua juventude, que se convertem em aventuras sentimentais do cotidiano. Pode-se, igualmente, fazer a analogia de um monólogo de um paciente frente a um analista que escuta em silêncio. Esse exercício de autoficção é uma mistura de invenção e memória. Um texto híbrido que compreende fatos reais e inventados. Neste caso, o verossímil e o coerente se respeitam plenamente nesta novela e, portanto, o mundo descrito em O mundo é crível e a voz narrativa bastante convincente e verdadeira.
"Os olhos do menino Juanjo que descobrem o mundo se confundem com o do escritor maduro, que carrega consigo para a vida adulta as reminiscências de uma infância em que o universo era construído entre a rua e a casa, os amigos e os parentes. Um convite delicado e prazeroso para construir e viver seu próprio mundo."
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Juan José Millás. O mundo, 2009, Planeta Literário, 216pp R$45,00

domingo, 11 de março de 2012

Passageiro do fim do dia

Passageiro do fim do dia versa sobre a periferia pobre da cidade grande, tocando na violência e injustiça sistemática. Sua proposta é mostrar as relações sociais que justificam as desigualdades e as dificuldades para se perceber essas desigualdades. Trata-se de um romance social, sem os ranços naturalistas de que os pobres são pobres porque são vítimas do sistema. Fim de uma sexta-feira, como de hábito, Pedro vai passar o fim de semana com a namorada, que vive com o pai e uma tia num bairro planejado, a 40 km do centro, cujos lotes foram distribuídos à população carente. Ele embarca num ônibus no centro da cidade e pratica o exercício pessoal de “Não ver, não entender e até não sentir”. Entretanto, tudo acontecerá durante o percurso que se inicia e que se prolongará durante horas, retardado por uma comoção imprecisa no destino da viagem. De radinho no ouvido, lendo seu livro a intervalos, observando distraído o que se passa dentro do ônibus e fora nas ruas, Pedro insensivelmente costura as ideias: o amor pela namorada, a lembrança de um acidente doloroso de que guarda sequela no corpo, a mãe, os estudos universitários interrompidos, seu pequeno sebo no centro da cidade, coisas que a namorada lhe contou sobre o bairro onde vive, sobre a pobreza da família, sobre os planos que alimenta para o futuro, sobre a exploração no trabalho. Os acontecimentos atuais, escassos mas cheios de tensão, somando-se às divagações de Pedro: será que o ônibus chegará a seu destino? Ao longo de um engarrafamento que parece não ter mais fim, os bairros e as ruas se sucedem enquanto o sol se põe.
Rubens Figueiredo (1955), além de escritor é professor de português na rede estadual de ensino e tradutor de obras russas importantes, como Guerra e Paz, de Tolstói. Com Passageiro do fim do dia, ganhou o Prêmio Brasil Telecom de Literatura e o Prêmio São Paulo de Literatura, como o livro do ano em 2011.
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Rubens Figueiredo. Passageiro do fim do dia. SP, Cia. das Letras, 2010 200 pp R$ 42,00

domingo, 4 de março de 2012

Pedro Páramo

Juan Rulfo (1918 - 1986), romancista, contista e fotógrafo nascido no México, começou a trabalhar em dois capítulos de Pedro Páramo (1955), publicados em revistas literárias. Mais tarde, com auxílio de uma bolsa, pôde concluir a obra, que ganhou dimensões internacionais, tendo sido traduzida em vários idiomas. O filho de Pedro Páramo, Juan Preciado vai a Comala para encontrar seu pai. No entanto, essa jornada tem sua essência na busca de identidade. Comala é um lugar desabitado, cheio de fantasmas, almas perdidas daqueles que lá viviam. Através de conversas com essas almas perdidas, Juan Preciado percebe estar vivendo, com eles, o coletivo passado de Comala e da história de Pedro Páramo, o cacique que fora tão importante para seu povo. O leitor vai perceber, através da trama meio enredada (mas inteligível), que Juan Preciado conversa com Dorotea, a mulher que lhe conta toda a história de Comala e de seu povo, numa situação “real maravilhosa” que não posso contar, para não estragar uma das muitas surpresas da escritura. A novela de Juan Rulfo tem um estilo surrealista, cuja estética influenciou o real maravilhoso, característica que predominou na literatura latino-americana a partir da década de 40/50. O resultado é uma obra de grande perfeição técnica, que contou com várias versões e títulos anteriores para chegar à final. Graças a este desenvolvimento, a novela tem a particularidade e a singularidade dos personagens fortes, num ambiente fascinante. A estrutura da narrativa apresenta uma sequência em ordem cronológica contada em primeira pessoa, por Juan Preciado. Há outra sequência mostrada em terceira pessoa, narrando acontecimentos relacionados a seu pai, Pedro Páramo, em certa desordem cronológica. Há, ainda uma terceira sequência, que mistura as duas anteriores. Juan Rulfo não descuida do contexto histórico e social, fazendo referência à Revolução Mexicana de 1910, num México rural, em que Pedro Páramo é um cacique de um povo tiranizado pelo poder capitalista que se instalou no país a partir do século XX.
O livro tem tradução em português. Compre e leia, o leitor não irá se arrepender.

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Juan Rulfo. Pedro Páramo. Bestbolso, 2009, 134 pp R$ 12,90