domingo, 25 de janeiro de 2015

Omeros

Omeros é um poema épico do escritor caribenho Derek Walcott, ganhador de um Nobel de Literatura, publicado pela primeira vez em 1990. A obra se baseia em mitos universais, para retratar a condição humana de homens simples,  os pescadores de Santa Lúcia,  num meio hostil, lutando pela identidade e pela integração de todas as raças. O poema faz referência aos principais personagens de Homero na Ilíada, numa visão moderna do mito . Santa Lúcia faz parte das Pequenas Antilhas, tendo ao norte Martinica, departamento francês de ultramar, e ao sul Saint Vicent e Granadas.  Santa Lúcia representa a Ítaca de Ulisses; os reinos de Calipso, Circe e Nausícaa, a terra natal de Homero. Restos de um cemitério francês na ilha caribenha são os restos de Troia. O mar das Antilhas é o mar da Grécia, o mar, a analogia mais significativa, o pano de fundo majestoso de Omeros,  dominando o poema, com seus balanços, seus cheiros, seus fragores, suas fúrias.

Três linhas narrativas principais se cruzam ao longo do livro: a rivalidade homérica de Achille e Hector sobre seu amor por Helen;  a história entrelaçada do major Plunkett e sua esposa Maud, que vivem na ilha e deve reconciliar-se com a história da colonização britânica de Santa Lucia; a narrativa autobiográfica do próprio Walcott, como o próprio autor do poema (contradizendo a voz impessoal das epopeias), para falar de sua busca particular de identidade, como mulato, como antilhano, como homem e como poeta de uma língua que foi dos dominadores ingleses antes de ser sua. A figura de Homero é identificada a Sete Mares, preto velho cego, que depois de passar a maior parte da vida navegando pelo mundo, identifica-se com o mar.  Sentado com seu cão à sombra da farmácia (o lugar da cura), conhece os males da humanidade e prevê o seu destino; é o bardo e o profeta, igualando-se aos contadores de história presentes nos povos da África e aos xamãs (aqueles que enxergam no escuro) dos indígenas.

Achille, Helen e Hector (que substitui Paris), formam o triângulo amoroso que movimenta a ação dramática do poema. A deslumbrante Helen é a criada negra de olhos amendoados,  disputada por Achille e Hector. Na realidade, são ambos simples pescadores negros que lutam entre si, se odeiam, mas preservam a dignidade na admiração secreta que um tem pelo outro. Achille é o mais forte dos dois. E é também o único que se preocupa com o problema de sua identidade, que deseja voltar às origens e reencontrar seu pai. Achille é um Aquiles mais simpático, que não atormenta seus amigos com seus ressentimentos e não se mancha com sangue de Heitor. Outra diferença importante é que no poema de Walcott o companheiro do herói não é Prátoclo, mas Filoctete (o Filoctetes de Homero foi um herói grego que foi abandonado numa ilha depois de ser mordido por uma cobra, deixando-o com uma ferida incurável que causava um cheiro horroroso que afastava todos que tentavam se aproximar dele. Entretanto, sem Filoctetes a guerra não seria ganha e os guerreiros tiveram que trazê-lo de volta para lutar com a ferida e tudo). O negro Filoctete também tem um ferimento fétido causado por uma âncora, mas  vive na presença de toda a comunidade.

Derek Walott nasceu em 1930 na cidade de Castries, capital de Santa Lúcia. Filho de um casal de professores, é descendente de ingleses e de negros. Depois de sua formação universitária na Jamaica, ganhou uma bolsa para estudar teatro nos Estados Unidos. Suas obras mais significativas situam-se nas áreas de poesia e do teatro.  Apesar de  sua qualidade poética reconhecida nas literaturas de língua inglesa e de ter ganho o Nobel, infelizmente é muito pouco conhecido no Brasil.  A tradução integral para o português de Omeros, feita pelo conceituado tradutor e crítico literário Paulo Vizioli é um trabalho pioneiro.

O exemplar novo varia de 28 a 57 reais. Pesquise.
    
                               paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Derek Walcott. Omeros. 2ª ed SP, Cia. das Letras,  2011, 440 pp.


domingo, 18 de janeiro de 2015

Sábado

Henry Perowne é um neurocirurgião conceituado, especializado em operar tumores de cérebro com rara habilidade. Vive confortavelmente em  Londres, é feliz no casamento, tendo uma mulher advogada, uma filha poeta e um filho músico de blues. A vida para ele é quase milimetricamente traçada, tudo corre costumeiramente, sem maiores transtornos.

No sábado  de 15 de fevereiro de 2003, pela manhã, sai para jogar sua partida costumeira com um colega do hospital, para depois, à tarde visitar a mãe em uma clínica, vítima de Alzeimer, para depois retornar à casa para preparar um jantar para o sogro que vem visitar a família. No caminho, é parado no trânsito, devido a uma manifestação contra a invasão do Iraque pelos norte-americanos, em decorrência do atentado de 11 de setembro, pouco tempo atrás. Quando tenta escapar do tumulto através de uma manobra irregular, é atingido por um carro ocupado por três jovens de atitude suspeita. Todos descem dos carros, o jovem que estava à direção propõe uma indenização em dinheiro vivo e Henry recusa. O jovem torna-se violento e o agride. Percebendo que o jovem apresenta sintomas de descontrole muscular, usa de seus conhecimentos profissionais para minar os planos do agressor, dando-lhe o diagnóstico de que o rapaz apresenta suspeita da síndrome de Huntington (informe-se). Essa atitude, que mais tarde Henry classifica de antiprofissional, desconcerta o rapaz, que desiste do caso e vai embora, deixando Henry seguir seu caminho. Esse acontecimento interfere no pensamento de Henry várias vezes durante o dia, embora tente manter sua vida normal, apesar do incidente. À noite, durante o jantar, a casa é invadida pelo jovem perturbado, armado de uma faca. O fato trará consequências graves para o médico e sua família.

A interferência de alguém na vida de um personagem, causando-lhe danos é recorrente na obra de  Ian McEwan.  Em Reparação, uma menina constrói uma história fantasiosa sobre uma cena que presencia. Comete um crime com efeitos devastadores na vida de toda a família e passa o resto de sua existência tentando desfazer o mal que causou. Em Amor sem fim, um homem prepara um piquenique no campo para festejar a volta de sua mulher de uma viagem, quando um incidente com um balão põe em risco a vida de uma criança.  Um dos homens que o ajuda passa a alimentar por ele uma paixão tão instantânea quanto obsessiva, que chegará aos limites da perseguição e da loucura (leia matéria no blog).

A narrativa de Sábado contém um suspense que prende e incomoda o leitor até o final. O exemplar novo em edição de bolso custa em média R$ 26,00.

Tradução de Rubens Figueiredo.

            paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Ian McEwan. Sábado. SP, Cia. das Letras, 2013, 304 pp.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Assim na terra

Na voz de Luiz Sérgio Metz, a natureza ganha vida em Assim na terra: a água dos pequenos córregos, terra batida, erosão,tufos de macegas, barro, rastro de roda, pegadas de homem descalço, a asa de um pássaro que se escondeu numa tulha, homens conduzindo um resto de tropa marcada a ferro, uma árvore seca, o emblema da caveira sobre dois ossos, as tábuas do assoalho rangendo sob os pés.
Um gaúcho solitário, do tipo campeiro, encontra, em suas andanças, um homem dormindo na mata. Beira os setenta, pela aparência do rosto. Veste bombacha escura e botas com o bico embarrado. O homem acorda e se apresenta, Gomercindo. Os dois saem a caminhar, encontram uma casa grande, ao lado um galpão. Uma vela se acende.  O galpão parece uma espécie de templo do tempo, com muita acústica e pouca mobília. Sólido, mas também muito simples, embora não fosse apenas simples nem de uma solidez comum, de pedra sobre outra que se enxertam, armado apenas de algum madeirame. Ali dentro daria para se guardar os sótãos da infância. Eles ficariam protegidos do rigor, acomodados até uns sobre os outros formando uma sub-edificação de subjetivos para visitação. Mas há uma escrivaninha, com nervuras nos cantos, com gavetas, um tampo claro no pavio amarelo, sem nada encima. As janelas estão todas fechadas e a vela sobre a escrivaninha é nova. Não há nenhuma medida de tempo, então. Gomercindo olha-o sem fixar os olhos, tudo está fora de alcance. O velho propõe-lhe que seja feito um tratado sobre o sul, "procurar os signos que estava no piso e nas janelas e nas portas e nas paredes: associações urbanas , ruas para dentro de barrocas, as linhas telefônicas, os gritos raspando dentro dos fios, os raseis de setembro, as unhas que se agarravam às pedras que se soltavam como grãos de espigas, brugalhaus". 

As palavras estavam além das tesouras de um mero galpão ou de suas telhas, ou de sua geometria.  Ele parecia querer terminar o livro que trouxera, mas ficava marcando uma página com a unha, num vaivém na margem direita.

Luiz Sérgio Metz nasceu em Santo Ângelo , RS, em 1952 e faleceu em 1996, devido a um câncer. Conhecido como "Jacaré", foi letrista do grupo nativista Tambo do Bando. Dele eu já havia lido o livro de contos O primeiro e o segundo homem, já comentado neste blog. Assim na terra descreve a atmosfera do pampa com lirismo e densidade, numa jornada a cavalo, sem destino .

O exemplar novo varia de 22 a 35 reais.
                       
 paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Luiz Sérgio Metz. Assim na terra. SP, Cosac Naify, 2013, 224 pp.

domingo, 4 de janeiro de 2015

O senhor do lado esquerdo

O escritor carioca Alberto Mussa (1961) costuma afirmar que a história das cidades é a história de seus crimes. A cidade do Rio de Janeiro tem sido descoberta desde seus primórdios do século XIX através de seus crimes, nos romances que narra. O Senhor do lado esquerdo acontece no ano de 1913, apresentando ao leitor a  investigação do assassinato do secretário do presidente da república, mesclada com  crônicas diversas acerca da história e dos mitos da cidade do Rio de Janeiro na época.

O narrador nos que No dia 13 de junho de 1913, por volta das quatro horas da tarde,o secretário da presidência da república chegou à Casa das Trocas, aparentemente uma clínica ginecológica administrada por Miroslav Zmuda, espécie de  ginecologista ou obstetra, visto que fazia abortos, esterilizava, tratava enfermidades venéreas. Embora não tenha sido um erotólogo, na acepção clássica do termo, tinha especial interesse pela fisiologia do coito. E foi um dos primeiros cientistas ocidentais a estudar o fenômeno da atração sexual. E assim surgiu a Casa das Trocas - de que dona Brigiitte foi a principal mentora.

O secretário  foi recebido pela prostituta Fortunata. Minutos depois de terem entrado no quarto, Fortunata desceu para apanhar duas taças e uma garrafa de vinho tinto, na adega improvisada pelo doutor Zmuda, embaixo da grande escadaria, onde a lenda diz haver uma passagem secreta construída por dom Pedro I. Em torno das seis, Fortunata passou pelo salão oval superior, onde ficavam as colegas, demonstrando pressa e reagindo com rispidez incomum a uma gentileza, antes de sair, pela porta da frente. Estava num vestido de tafetá azul e levava nas orelhas o par de brincos de ouro, em forma de cavalo marinho.

Pouco antes das oito, após considerarem exagerado o tempo de permanência do secretário no quarto, dona Brigitte pediu que fossem acordar o cliente ilustre - que foi achado morto, fortemente preso à cama por amarras e ainda com fundas impressões de dedos no pescoço. O laudo confirmou a asfixia como causa mortis, não havendo indícios de latrocínio.

Eis o motivo condutor para a trama interessante de O homem do lado esquerdo, contado com humor e doses de ironia. É gostoso de ler.
                                 paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Alberto Mussa. O senhor do lado esquerdo. 2ª ed, Rio, Record, 2013, 304 pp, R$ 35,00