domingo, 24 de junho de 2012

Respiração artificial

Ricardo Piglia, nascido em 1940 na Província de Buenos Aires, é dos melhores da literatura argentina, com amplo reconhecimento internacional. Romancista e ensaísta, tem os romances Alvo noturno (seu último romance), Dinheiro queimado, Respiração Artificial, Nome falso e A invasão traduzidos para o português, além dos livros de ensaio Formas Breves, O laboratório do escritor e O último leitor. A Folha de São Paulo está lançando agora Respiração Artificial , dentro de sua coleção Literatura Ibero-americana. Seu primeiro romance é considerado um dos dez melhores da literatura argentina. A interrogação sobre o passado de um possível traidor, através de sua autobiografia, sustenta a intriga, num relato satírico onde a paródia se faz presente, criando uma nova forma de ficção. A história começa narrando a vida de Enrique Osório, exilado político do século XIX, que escreveu sua autobiografia, acompanhada de uma carta para alguém no futuro. O professor Marcelo Maggi encontra esses escritos por acaso e trata de elucidar o quebra-cabeças de Osório. Para isso, escreve a seu sobrinho, o escritor Emilio Renzi, solicitando um encontro num bar do interior país, fora das esferas do poder. O objetivo do professor é mostrar ao sobrinho fatos do passado que afetam sua vida. A narração oculta e revela mensagens, interroga sobre os sentidos do mundo, das ideias e do cotidiano, a partir de vários personagens. O romance move-se em estilos e registros diversos, até transformar-se numa grande metáfora desses tempos sombrios, em que os homens precisam de um ar artificial para poder sobreviver. A trama tem um viés filosófico forte, através do polaco Tardewski, que se diz discípulo de Wittgenstein, mostrando fatos originais, como o encontro de Hitler e Kafka num bar em Praga. Wittgenstein, filósofo austríaco naturalizado inglês, lançou o conceito da "filosofia da linguagem comum" que, mais ou menos, diz que os filósofos fazem confusão de suas ideias filosóficas, distorcendo ou desconsiderando o que as palavras realmente significam na linguagem cotidiana. A trama acontece em 1976, no período de grande repressão política na Argentina. Ricardo Piglia é dos grandes. Você não pode morrer sem ler um livro dele.
================================= Ricardo Piglia. Respiração Artificial. SP, Cia. de Bolso, 2010 200 pp. R$ 20,00

A edição da Folha de SP já está nas bancas, por R$ 18,70.




R$ 20,00

domingo, 17 de junho de 2012

A condição humana

A revolução russa de 1917 influenciou a criação do partido comunista chinês, que tinha entre seus líderes o ativista político Mao Tse-tung. O PCC começou a organizar massas de trabalhadores. Em 1927, organizou uma rebelião que tomou a cidade de Xangai. O objetivo da rebelião era tirar do poder o regime corrupto que até o momento dominava a China. Chiang Kai-Shek, militar e político, contou com o apoio dos comunistas para unificar a China. Após a tomada de Xangai, entretanto, tratou de eliminá-los. Grosso modo, esse é o mote histórico que serve de base à trama de A condição humana, de André Malraux, considerado o precursor do romance moderno. Aproveitando a realidade de uma guerra como cenário de sua história, o autor conseguiu exprimir a consciência ao mesmo tempo social e pessoal de toda uma época. Entretanto, a novela não tem conotações históricas e nem é panfleto de exaltação do partido comunista chinês. Trata-se de uma trama muito bem amarrada, com cenas rápidas e dinâmicas, mostrando personagens verossímeis agindo diante de uma situação de conflito. Há críticos que comparam a novela como um quase script cinematográfico, tal a objetividade com que o autor estrutura a história. Baseado em fatos reais, Malraux cria personagens cuja consciência no momento dos conflitos revolucionários, atuam enquanto a ação se desenrola. O essencial é o confronto trágico da vontade humana com as forças políticas. As duas primeiras partes estão localizados em Xangai, 21-23 de março de 1927. O romance começa abruptamente com um assassinato. Em seguida, aparece o clima de violência que permeia o livro e também a solidão do assassino que, desde o primeiro crime, vai se tornar um terrorista. Na terceira parte, vemos uma discussão política em que existem diferentes concepções da revolução. Os revolucionário tramam o assassinato de Chiang Kai-Shek, mas o plano é abortado. A cena dessa ação é descrita de forma a tirar o fôlego do leitor. Começa a perseguição implacável aos comunistas revolucionários. Muitos “terroristas” são presos, alguns se suicidam na prisão. O romance termina com um final cínico. Um francês que havia organizado a resistência contra os revolucionários, negocia em Paris com os representantes dos grandes bancos a exploração de uma China ainda capitalista. Quanto os revolucionários sobreviventes, fazem uma reflexão dos sobreviventes sobre a fidelidade à inssurreição de 1927 e a continuidade da luta.
André Malraux (1901-1976) participou ativamente de todas as batalhas ideológicas do século XX, desde o nacionalismo chinês até a guerra civil espanhola. Foi militante do partido comunista francês. Isso não o impediu de criticar severamente a postura de Stálin na União Soviética. Durante os acontecimentos de maio de 1968 foi solidário a De Gaule, causando a ira da esquerda intelectual da época.
A condição humana foi publicado em 1933, recebendo o Prêmio Goncourt. Há outra obra do autor traduzida em português, A Esperança, tendo como pano de fundo a guerra civil espanhola.
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André Malraux. A condição humana. Rio, Bestbolso, 2009 350 pp R$ 18,00

domingo, 10 de junho de 2012

Alvo Noturno


Quando foi perguntado ao escritor argentino Ricardo Piglia (1940) por que havia demorado tanto para publicar seu último romance Alvo Noturno, lançado no Brasil em 2011, já que sua última obra de ficção, Dinheiro queimado (Plata quemada), havia sido publicada em 1997, ele disse que mantém um método de trabalho que não recomenda a ninguém, que consiste em fazer uma primeira versão do romance e deixá-la de lado. Quando regressa à história, tem a sensação de que ela está mais nítida. Alvo noturno é uma trama policial, onde um crime ocorre no início e há um comissário de polícia que investiga o caso, vindo a ser, no decorrer da história, auxiliado por um jornalista. O romance transparece com clareza as relações entre corrupção e poder político. Croce, o comissário fora de moda em relação a seus métodos, é um ser marginalizado que tem um olhar lúcido, distanciado, que está sempre questionando a verdade. O comissário Croce é um cara meio louco, já não é tão racional e nem se aproxima da verdade por métodos mais práticos. Busca decifrar o crime através de suas percepções, que são inexplicáveis. No povoado onde vive e onde ocorre o crime, seu método é aceito, pois ele sempre desvenda os crimes. O homem assassinado no povoado que fica próximo a Buenos Aires é um negro porto-riquenho que veio para a Argentina, por causa de duas gêmeas de uma família rica da região. Ao contrário de outros países latino-americanos, a Argentina não teve lastros significativos com os africanos, muito embora haja um racismo muito forte. Mestiços de índios e negros, chamados de zambos, eram a classe mais baixa da escala social do Rio da Prata. Então, aparecer um mulato cheio de dinheiro, vindo do nada, envolvido com duas irmãs de uma família tradicional da sociedade local, pode tornar mais previsível o fato dele ser assassinado. A partir do crime, entretanto, a história cresce, mostrando o inferno das relações familiares: o falso culpado e o culpado verdadeiro, fraude, paixões e traição. Vale muito a pena a leitura.

Ricardo Piglia é escritor e professor de literatura latino-americana, considerado um dos melhores da literatura argentina na atualidade. Dizem que é o sucessor de Borges (não entendo por que Borges tenha de ter um seguidor ou por que não possa existir Borges e Piglia sem que este deva alguma coisa àquele). Seus romances Respiração Artificial, A Cidade Ausente, Dinheiro Queimado e Alvo Noturno já estão publicados no Brasil. É autor, também, de contos, ensaios sobre ficção e roteiros para cinema. É dele o roteiro do filme Coração Iluminado, dirigido por Héctor Babenco. Sua obra Dinheiro Queimado foi para o cinema com o título de Plata Quemada.
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Ricardo Piglia. Alvo Noturno. SP, Cia. das Letras, 2011, 256 pp. R$ 45,

domingo, 3 de junho de 2012

O caso da Chácara Chão

Você lembra a polêmica com o Prêmio Jabuti de Literatura do ano passado? O romance de Edney Silvestre, Se eu fechar meus olhos agora, ganhou o prêmio como melhor romance. Chico Buarque, com Leite Derramado ficou em segundo e Luís Fernando Veríssimo em terceiro, com Os espiões. A Câmara Brasileira do Livro, que organiza o prêmio, escolhia, ainda, entre todos os selecionados de todas as categoria (conto, poesia, romance, reportagem), o Livro do Ano. E aconteceu que o Leite Derramado, do Chico, ganhou, deixando Edney Silvestre e a editora Record, que lançou a obra, descontentes. Para eles, quem deveria ganhar seria Se eu fechar os olhos agora, que havia ficado na frente. Agora houve mudança nas regras, só o primeiro colocado de cada categoria concorre ao Livro do Ano. Aproveitando-se do imbróglio, Domingos Pellegrini Jr. escreveu uma carta aberta no jornal de literatura O rascunho, endereçada a Milton Hatoum, escritor manauara, reclamando do que vem acontecendo com seu livro O caso da Chácara Chão (da Ed. Record, a mesma do Se eu fechar meus olhos agora), vencedor do Prêmio Jabuti de 2001. O livro de Hatoum, Dois Irmãos, da Cia. das Letras (a mesma do livro do Chico Buarque) havia ficado em segundo lugar. Mas, Dois Irmãos ganhou repercussão maior que o vencedor do Jabuti, sendo confundido como o vencedor do prêmio. A CBL contribuiu para essa confusão, ao publicar, no seu site, não a relação dos vencedores por ordem de premiação, mas as relações dos três títulos finalistas em ordem alfabética, como faz na divulgação no período entre a revelação dos finalistas e a premiação. Talvez também tenha contribuído o fato de a Companhia das Letras, já em 2001, ter colocado tarja sobrecapando o livro, com a informação promocional “Vencedor do Prêmio Jabuti”. Resumo da história: foi uma briga política entre duas grandes editoras do mercado brasileiro. Eu havia lido Dois Irmãos e gostei muito. Não havia lido o livro de Pellegrini. Decidi comprá-lo e ler. De início, me incomodou o estilo infanto-juvenil. Os diálogos soavam artificiais. O autor é um dos expoentes da literatura para jovens, possui vários prêmios nessa categoria. Quando me dei conta, entretanto, estava envolvido na história e li o romance quase sem parar. A trama se sustenta em forma de suspense, prendendo a atenção até o final. O livro de Pellegrini tem uma trama policial. É também um painel social, onde as pessoas se debatem entre o crime e a decência, o isolamento e a comunidade, a covardia e a cidadania. O personagem central da história é um escritor de literatura juvenil que vive com a mulher, a filha pequena e o enteado adolescente em uma chácara nas imediações de Londrina. Uma noite, a família é assaltada por dois elementos, um branco de origem rica e um mulato de origem humilde, licenciado da PM por uso de drogas. Na briga, o escritor fere com facão o ladrão da PM. A dupla foge, roubando joias e dólares. A polícia é chamada, os bandidos presos, mas o escritor e sua mulher são vítimas de uma armadilha. As coisas fervem, a polícia e a opinião pública ficam do lado dos bandidos, os advogados sugerem a retirada da queixa e a busca para salvar a dignidade do casal segue adiante por outros meios. Paralelamente, próximo à chácara, constroem um enorme galpão para promover festas e shows, com o som a todo o volume. A comunidade local se mobiliza para coibir o estabelecimento de funcionar, inicialmente sem sucesso. No final do livro, as coisas se resolvem. O assaltante pobre é desmascarado e condenado e o assaltante rico consegue sair do país impune. Domingos Pellegrini Jr. baseou-se em fatos reais acontecidos com ele mesmo, quando foi assaltado em sua chácara, em situações semelhantes às do livro. Longe de ser um livro-cabeça, sua leitura prazerosa empolga.
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Domingos Pellegrini Jr. O caso da Chácara Chão. 5ª ed., Rio, Ed. Record, 2007, 340 pp. R$ 39,90