domingo, 22 de fevereiro de 2015

Orlando Furioso

Damas e paladins, armas e amores,
As cortesias e as façanhas canto
Do tempo em que o mar d'África os rigores
Dos mouros trouxe, e França esteve em                                        pranto;
Ira os movia e juvenis furores
De Agramante seu rei, disposto a tanto,
Que ousou vingar a morte de Troiano,
Em Carlos rei e imperador romano.

De Orlando, ao mesmo tempo, direi eu
O que nunca se disse, em prosa ou rima,
Que o amor o pôs em fúrias de sandeu
E lhe tirou de homem cordato a estima;
Isto, se a que igual fim quase me deu
E o pouco engenho me corrói qual lima,
Assentir em poupar-me em tal medida,
Que eu possa dar a obra prometida.

Orlando enlouquece de amor. O poema de Ludovico Ariosto foi escrito em 1516, na época do Renascimento, mas não é o retrato fiel do mundo suntuoso da Renascença: sua temática é medieval, seguindo a estética das histórias de cavalaria.  Ariosto seguiu a obra de Boiardo, Orlando Enamorado, publicado em 1486.

Orlando Furioso tem como protagonista o guerreiro cristão e sobrinho de Carlos Magno, Orlando, que chega à crise de loucura por amor da bela Angélica, princesa oriental. Com Orlando e Angélica, temos também o paladino Astolfo. Primo e companheiro de Orlando, Astolfo, depois de transformado em arbusto pela sedutora feiticeira Alcina, consegue voltar a ser quem era e salva Orlando da loucura, voando à lua para buscar-lhe o juízo. Num segundo momento surge  como protagonista, Rogério. Esse jovem guerreiro muçulmano fora criado pelo velho mago Atlante em um palácio posto no cume de montanhas altíssimas, onde o mágico saía voar em seu cavalo alado, Hipogrifo.  Rogério se enamora de uma cristã, a guerreira Bradamente, mas é também seduzido pela perigosa Alcina. Em torno dessas figuras, Ariosto vai criando muitas outras aventuras amorosas. Um terceiro núcleo se concentra nas batalhas entre cristão e muçulmanos.  Sobressaem aí  figuras como a do feroz capitão Rodomonte, que se voltará contra Rogério, e a dos amigos Cloridano e Medoro, este vencedor de Orlando na rivalidade amorosa por Angélica. Ariosto vai entretecendo vários fios, criando expectativas, deixando em suspenso uma aventura para passar a outra, no melhor estilo dos folhetins.

Orlando Furioso, assim como outras histórias famosas de cavalaria, serviram de inspiração a Cervantes, para criar o famoso cavaleiro Dom Quixote, na monumental obra homônima.

Introdução, tradução e notas de Pedro Garcez Guirardi, melhor tradução de 2003.
                                        
             paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Ludovico Ariosto. Orlando Furioso. 2ª ed, SP, Ateliê Editorial, 2004, 290 pp.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Três novelas femininas

Três novelas femininas, de Stephan Zweig apresentam uma trama muito bem amarrada, com um suspense crescente até o final. As protagonistas de cada uma das histórias cedem o direito de ser feliz, por causa do medo e covardia.  Na primeira novela, Medo, Irene, casada com um homem importante de Viena, ao sair da casa de um jovem pianista, seu amante, é abordada por uma mulher que se diz namorada do rapaz e lhe faz ameaças. Apavorada, Irene lhe oferece dinheiro e foge para casa. Dias depois, é abordada pela mesma mulher na rua, que lhe pede uma quantia considerada para manter-se calada.Depois, a mulher manda-lhe um bilhete pedindo mais dinheiro. Irene, acuada, cede. Por fim, a mulher invade sua casa e lhe toma um anel caríssimo. O marido lhe pergunta do anel e Irene inventa uma desculpa. Precisa de dinheiro para resgatar a joia, mas já não tem como consegui-lo. O final da história pega o leitor de surpresa.

Na segunda história, Carta de uma desconhecida, um escritor famoso recebe uma carta aparentemente anônima, de uma mulher que lhe narra acontecimentos envolvendo os dois desde a adolescência dela, sem que o escritor consiga lembrar-se de quem se trata, até o final da carta. A mulher decide lhe escrever, contando de sua paixão por ele desde jovem, dos encontros fortuitos durante a mocidade, até a aventura amorosa que originou-lhes o filho que ele desconhecia até então. A covardia dela reside no fato de nunca ter sido notada e nunca ter tomado uma atitude para lutar pelo amor do escritor. O final da história também é uma surpresa que deixará no leitor um tanto de pena e rejeição.

Na terceira, 24 horas na vida de uma mulher, acompanhamos o diálogo de uma viúva aristocrática de 67 anos com um jovem, após um acontecimento inusitado em um hotel de veraneio austríaco, um escândalo, envolvendo uma mulher casada que abandona o marido e os filhos no hotel para fugir com um jovem que conhecera naquele local. O fato causa sérias discussões entre os hóspedes acerca da postura moral da jovem adúltera, até que esse jovem, o narrador da história, decide não julgar a postura dos fugitivos sob o aspecto da condenação. Isso faz a viúva aproximar-se dele, criando confiança para contar um fato que envolveu 24 horas de sua vida e que trouxe a ela marcas profundas. Nesse caso, a senhora, que no relato tinha 44 anos, apaixona-se por um jovem viciado em jogo, depois de livrá-lo de provável suicídio. Ela toma uma atitude importante tarde demais, que no fim a leva a um desenlace decepcionante.

Stefan Zweig (1881-1942) era austríaco de origem judaica, oriundo de uma tradicional família aristocrática. Fugindo do nazismo, escolheu o Brasil para morar, instalando-se em Petrópolis. Abalado pelos desastres da guerra e pelo incômodo de sentir-se deslocado do lugar onde vivera, matou-se juntamente com a esposa.

Três novelas femininas foi organizado por Alberto Dines, especialista no autor, com traduções de Adriana Lisboa e Raquel Abi-Sâmara.

Pesquise no buscapé, pois as livraria oferecem o exemplar novo com variação grande de preços.

               paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Stefan Zweig. Três novelas femininas. Rio, Zahar, 2014, 176 pp. 

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Livro das mil e uma noites


Um dia, o rei da poderosa dinastia persa descobre que a mulher o trai com um escravo. Em crise, sai pelo mundo, querendo saber se existe alguém mais infeliz do que ele. Descobre que sim, e mais, ninguém pode conter as mulheres. Então retorna a seu reino decidido a tomar uma decisão drástica e violenta: casar-se a cada noite com uma mulher diferente, mandando matá-la na manhã seguinte. O vizir encarregado de matar as jovens tinha uma filha chamada Xaharazád (conforme se pronuncia), e outra mais nova chamada Dinarzad. Xaharazád tinha lido livros de compilações, de sabedoria e de medicina; decorara poesias e consultara as crônicas históricas; conhecia tanto os dizeres de toda gente como as palavras dos sábios e dos reis. Era, portanto, além de bela, inteligente, sábia e cultivada. Ela diz ao pai que estaria disposta a casar com o rei, para tentar salvar a vida de mais mulheres que se casassem com ele. O pai acaba concordando.  Xaharazád  montou  uma estratégia infalível por meio de histórias que contava sucessivamente, noite após noite, diante de um rei a princípio assustado, mas depois cada vez mais seduzido e encantado.  Toda noite ela o entretinha contando fábulas de terror e de piedade, de amor e ódio, de medo e de paixões desenfreadas, de atitudes generosas e de comportamentos cruéis, de delicadeza e brutalidade. Quando a noite findava, ela interrompia a história, fato que levava o rei a preservá-la e a indagá-la na noite seguinte sobre a continuação da história, até se completarem mil noites. O rei, nesse período, dormiu com a jovem,que então teve um filho dele, mostrou-lhe a criança e o inteirou de sua artimanha; assim, passou a considerá-la inteligente, tomou-se de simpatia por ela e lhe preservou a vida. Dinarzad  apoiava Saharazád em suas artimanhas.

Livro das mil e uma noites foi traduzido diretamente do árabe por Mamede Mustafa Jarouche, divido  em dois volumes contendo o ramo sírios das fábulas, e dois volumes do ramo egípcio. O quarto volume do ramo egípcio contém as histórias de Aladim e de Ali Babá, as mais conhecidas de todas.

Até o momento eu li os dois volumes do ramo sírio. As histórias são, de certa forma, amarradas através de personagens que se sucedem, formando um todo coerente. São histórias para adultos, algumas de um amor apaixonado, outras bem picantes.  O volume I apresente uma série de histórias curtas, como O burro, o boi, o mercador e sua esposa  e O barbeiro de Bagdá e seus irmãos, subdivida em várias histórias envolvendo os mesmos personagens. O volume II contém histórias mais longas e igualmente belas, como a do jovem Nurudin Bakkar, que se paixona pela concubina do califa e as consequências desse amor profundo e duradouro que leva os dois a consequências trágicas. Há também a história de Nurudin Haqan, filho de um vizir muito bondoso que ganhara um valor vultoso em dinheiro para comprar uma concubina formosa e inteligente. O vizir encontra a jovem, mas seu filho a engana, tirando-lhe a virgindade. O vizir morre e o jovem Nurudin e a jovem se apaixonam. Nurudin muda radicalmente de vida, dividindo seus bens materiais e seu dinheiro para fazer o bem. Quando fica pobre, busca auxilio a quem havia ajudado e é tratado com desprezo. O final da história é surpreendente.
As mil e uma noites inspirou a escritora Nélida Piñon em belo romance Vozes do Deserto, já comentado neste blog.
    
              paulinhopoa2003@yahoo.com.br

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Livro das mil e uma noites, volume I: ramo sírio. 2ª ed, SP, Globo, 2005, 424 pp., R$ 55,00

Obs.: os preços de livros que divulgo são os de valor máximo.  Mas se você buscar o livro sugerido no Buscapé, por exemplo, vai encontrar um exemplar novo, às vezes, com preços bem mais acessíveis. 

domingo, 1 de fevereiro de 2015

A Flecha de Deus

Os nativos da Nigéria, até o momento da colonização inglesa, contavam histórias para ensinar a eles que não importa quão forte ou grande seja um homem, jamais deve desafiar o seu chi, o deus de cada pessoa, que é só dela, responsável por sua identidade e destino.

A partir do momento da entrada do homem branco em suas terras, os povos de Okperi  e Umuaro passaram a ser grandes inimigos. Uma grande guerra selvagem se desatou entre eles, por um pedaço de terra. A inimizade se agravara porque Okperi aceitava missionários e gente do governo, ao passo que Umuaro permanecia atrasada.

Para muitas nações coloniais, a administração nativa significava o governo pelo homem branco. Não era assim que os britânicos pensavam em relação à Nigéria. Eles acreditavam em um governo indireto, baseado em instituições nativas, moldando o modo de pensar do negro africano de acordo com seus interesses.  Os colonizadores escolhiam o chefe nativo a comandar uma comunidade e forneciam a ele suportes da cultura ocidental para poderem governar. Isso quer dizer que esses chefes eram "comprados" com dinheiro, prestígio e bem-estar, para executar a forma de administrar do branco.

Ezeulu, sacerdote de Umuaro, conseguiu compreender o jogo do homem branco: desmanchar seus costumes. Os brancos, sabendo da existência de Ezeulu e de sua influência entre os nativos, mandam chamá-lo para torná-lo um chefe entre os seus, mas Ezeulu não aceita, pois quer proteger sua aldeia. Entretanto, está num dilema, pois proteger seu povo significa isolá-lo do progresso oriundo da colonização.  Com isso, passa a enfrentar ameaças que o colonizador lhe traz, como também dos próprios habitantes de Umuaro, que passam  a duvidar até mesmo de seus rituais e crenças mais antigas.

Chinua Achebe nasceu em Ogidi, Nigéria, em 1930. É um dos mais respeitados escritores africanos da atualidade. Atuou na diplomacia durante os conflitos entre o governo da Nigéria e o povo ibo, no final da década de 1960. Ganhou o Prêmio da Paz oferecido pela Feira de Frankfurt, na Alemanha, em 2002. Em 2007, recebeu o Man Booker International, um dos mais importantes prêmios das literaturas de língua inglesa.

Tradução de Vera Queiroz da Costa e Silva
    
                                           pauinhopoa2003@yahoo.com.br
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Chinua Achebe. A flecha de Deus.  SP, Cia. das Letras, 2011, 342 pp, R$35,00