domingo, 30 de dezembro de 2012

Virgínia Woolf, a medida da vida

O professor vienense Herbert Marder (1934), é professor emérito de inglês em renomada universidade norte-americana. Sempre gostou de Virgínia Woolf (1882/1941). Já havia escrito um livro sobre a autora, antes de empreender-se na interessante biografia dessa escritora magnífica, um dos pilares do romance moderno universal.
O biógrafo abre o livro, perguntando: por que há quem escreva biografias e por que há quem as leia? Bem, pode ser por uma busca de identidade, por rememorar quem fez ou criou estórias que se mantiveram vivas para a humanidade. O biógrafo é quase um romancista. A diferença está no fato de a personagem ser filha da imaginação do romancista, ao passo que para o biógrafo, o biografado transcende a imaginação para ser humano. O bom biógrafo busca seguir os passos do biografado, combinando um estilo discreto à tentativa de transmitir verdades emocionais, bem como históricas, sobre a pessoa e os fatos. Herbert Marder passou-me a sensação de ter sido honesto na busca de traçar o perfil de Virgínia Woolf. Não se ateve a comentar relações bissexuais esparsas que a autora teve com algumas mulheres, nem expôs as crises psicológicas que a escritora teve, foram inúmeras, de forma sensacionalista. Sua decisão de escrever essa biografia, ele explica, surgiu de um fascínio seu pelo modo como as pessoas mudam sob grande tensão. Assim, descreveu as mudanças por que Virgínia passou na década de 1930, seus esforços para se opor à insanidade coletiva sem tornar as coisas piores. A escritora vivenciou os ataques de Hitler sobre a Inglaterra, no início da segunda guerra mundial. Virgínia, entretanto, recusava-se a imitar o inimigo, respondendo à violência com resistência passiva e uma veemente indiferença, que alguns críticos denunciaram como parte do caráter alienado da escritora à política, o que não foi verdade, conforme o leitor vai verificar se ler a biografia. O biógrafo mapeou a interseção da evolução pessoal da escritora com os eventos históricos. Nesse caminho, o autor descobriu mudanças numa personalidade que, de início, nutria antigos preconceitos que cedia, às vezes, mas se reformulou. Vivendo numa sociedade elitizada, soube simpatizar com a classe trabalhadora pobre e sem educação.
Marder procurou ouvir o que Virginia Woolf realmente disse, não o que se esperaria que ela dissesse. Confiar, também, no próprio testemunho da escritora e traçar os motivos de sua criação artística, o cerne de sua identidade definido por suas próprias palavras. O autor teve acesso ao diário de Virgínia Woolf e a algumas cartas trocadas com pessoas próximas a elas. Virginia escrevia cartas e anotações de diário numa velocidade espantosa. Esses escritos, sem padronização e sem censura lhe deram a vívida impressão da personalidade da autora.
Dona de uma escritura refinadíssima, onde predomina o fluxo de consciência, quando as ações externas parecem ter menos valor que o processo de pensamento integral de um personagem, com o raciocínio lógico entremeado com impressões pessoais momentâneas e exibindo os processos de associação de idéias, quase toda sua obra é constituída de obras-primas. As que mais se destacam, sob meu ponto de vista, são Orlando e Mrs. Dalloway. Virgínia Woolf esteve sempre perto dos limites psicológicos extremos. Tinha transtorno bipolar. Durante anos mantivera sua doença sob controle, mas sabendo que sempre poderia voltar. Quando estava bem, sua energia era notável, mas quando sucumbia às crises, tinha fortes dores de cabeça e surtos de melancolia. Em março de 1941, após um colapso nervoso, ela conseguiu sair de casa sem ser vista e entrou no rio próximo a sua propriedade, para morrer afogada.
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Herbert Marder. Virginia Woolf, a medida da vida. SP, Cosac Naify, 2011, 584 pp. R$ 77,00 

domingo, 23 de dezembro de 2012

O ano da morte de Ricardo Reis


Eu tentava gostar de José Saramago algumas vezes, mas implicava sempre com sua sintaxe meio endurecida. Sentia falta de poesia em sua prosa, dádiva da linguagem ficcional. Seu texto me ecoa sem emoção, com objetividade quase total. O evangelho segundo Jesus Cristo não me agradou, larguei após a leitura de uma dezena de páginas. Ensaio sobre a cegueira eu gostei, havia certo dinamismo na ação. Ensaio sobre a lucidez eu li todo. Mas não gostei. Vi na tevê uma entrevista com a patrona de uma das feiras do livro de Porto Alegre, Jane Tutikian, em que ela dizia não gostar dos livros de Saramago pós-Prêmio Nobel. Mas afirmava gostar de sua fase anterior, com livros como O ano da morte de Ricardo Reis, que decidi ler, para ver se me penitenciava do ranço ao autor.
Ricardo Reis é um dos heterônimos de Fernando Pessoa. Segundo o poeta, teria nascido no Porto em 1887, estudado em colégio jesuíta e formado em medicina. Monárquico, auto-exilou-se no Brasil desde 1917.  Solteiro, evitava se apaixonar para não ter de sofrer. Aceitava, ainda as limitações e a fatalidade da condição humana. Latinista, de formação clássica, Ricardo Reis escrevia odes, buscando a serenidade da alma, sem medo de enfrentar a morte, vivendo cada instante como se fosse único, fugindo à dor, posto  que a razão sobrepunha-se sempre à emoção. Apresenta, em sua linguagem poética culta e precisa, muitas alusões à mitologia, em geral rica de ideias, com um caráter moralista.
Fernando Pessoa não nos informa a data da morte de Ricardo Reis. Isso serviu de pretexto para Saramago criar seu romance, com a volta de Ricardo Reis à Lisboa, em 1935, ano em que Fernando Pessoa faleceu. Sua morte ocorre em 1936, quando os sonhos monárquicos estão já enterrados e Salazar toma o poder, mergulhando Portugal numa ditadura fascista por 48 anos, até sua extinção em 1978, com a Revolução dos Cravos. Em toda sua vida, o Ricardo Reis de Saramago nunca assistira a um comício político. A causa dessa cultivada ignorância estaria nas particularidades do seu temperamento, na educação que recebeu, nos gostos clássicos com que se identificou, num certo pudor, também. Mas o alarido nacional, a guerra civil portuguesa, acordam-lhe no espírito uma pequenina chama de curiosidade.
A pedra no caminho da leitura do romance consistiu na separação do Ricardo Reis de Fernando Pessoa para o Ricardo Reis de Saramago. Durante toda a narrativa, eu cobrava uma prosa poética que não existiu, o Reis de Saramago pouco fala de sua poesia. O personagem de Saramago é um cidadão que vale pela profissão de médico, não de poeta. Ricardo Reis de Saramago tem relações afetivas não assumidas por diferenças de classe social e de cultura com a criada Lidia, de quem vai ter um filho. Também se interessa por Marcenda, uma jovem burguesa com deficiência física em um dos braços, mas a relação não se concretiza. Ricardo Reis dialoga com o espírito de seu criador, Fernando Pessoa, com quem tem digressões político-filosóficas.

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José Saramago. O ano da morte de Ricardo Reis. SP, Cia. Das Letras, 2011, 474 pp. R$ 59,00

domingo, 16 de dezembro de 2012

Retrato de uma senhora

Isabel é uma jovem norte-americana que vai para a Inglaterra com uma tia, também americana, mas que mora em Londres com o marido, já velho e doente. Essa tia tem um filho jovem e belo, que lhe faz a corte, assim como Lorde Warterburg, que se apaixona por ela e acaba lhe pedindo em casamento. A jovem recusa o pedido, de forma inesperada. Um dia, o primo pede ao pai a inclua no testamento, fazendo-a rica. O tio de Isabel morre e ela herda grande fortuna em dinheiro e acaba, aparentemente, casando-se sem amor com um homem sem posses que a cortejara por interesse.
Esse é o ponto de partida do romance de Henri James (1843/1916), escrito em 1881 que busca emparelhar valores do novo mundo com o do velho continente. A escrita do autor norte-americano que adotou cidadania britânica possui um estilo limpo, clássico, em que as ações externas pouco acontecem, para que a vida interior das personagens criem um clima que envolve o leitor de forma integral. Quando lemos Henri James, enxergamos a literatura de Virgínia Woolf e um pouco substancial de James Joyce na penumbra. Não é para menos, seus romances antecedem os desses autores, o quais tiveram influência confessa do fluxo de consciência, que surge a partir da obra do autor de Retrato de uma senhora.
A primeira idéia de Retrato de uma senhora parece ser confrontar o destino da jovem Isabel, seja ele qual for. A partir de então, o autor começa a formar um plano para trazer a personagem como figura central da trama. O que faz uma moça de espírito livre perder sua liberdade? Será que Isabel estará empenhada em viver com as consequências de sua escolha com integridade, ou como uma espécie de teimosia?

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Henry James. Retrato de uma senhora. SP, Companhia de Bolso, 2007, 680 pp. R$ 35,00

domingo, 9 de dezembro de 2012

O velho e o mar

O velho e o mar, de Ernst Hemmingway (1899/1961), relata um velho pescador em alto mar, que vai torturando um peixe grande aos poucos, para provar sua utilidade como pescador e sua força como ser humano. Depois de morto o peixe, vêm os tubarões, sentindo a carne do peixe morto, para devorá-lo. O velho mata todos eles, e não eram dois nem três bichos. Consegue chegar em terra firme com a carcaça do peixe já completamente devorado pelos tubarões. A prova de que havia pego um peixe grande havia sido conseguida. O velho, cansado da árdua luta, vai para casa e acaba adoecendo. Olivro de Hemmingway foi escrito em 1952 e, segundo a crítica, é a obra-prima do escritor norte-americano. Teria sido, essa novela, o motivo do Prêmio Nobel a ele. Os adeptos do conceito de preservar a natureza e nela incluindo os animais podem desgostar da luta desse velho solitário, que mata tubarões a torto e a direito para tentar preservar um único peixe morto. Na época de Hemingway, não havia essa consciência ecológica, ainda. Levemos em conta, que matar animais fazia (ainda faz) parte da cultura dita civilizada, tais como safáris na África etc.
Fazendo a releitura da obra, percebi que o tema da narrativa é a derrota. O velho no mar busca uma atitude de valor ético para enfrentá-la. No final, a morte e o nada. O velho pescador é um ser deprimido pelas contingências de sua velhice. Ninguém acredita em suas histórias de homem que pesca peixes graúdos. Seus colegas pescadores lhe zombam o que chamam ser sua fantasia de contador de histórias sem pé nem cabeça. Há um menino, entretanto, que lhe admira e que aprendeu muito com o velho. É esse menino que o incentiva a vencer o desafio de sua vida, que é provar seu valor como ser humano. Se fosse otimista, o velho pescador não teria voltado, sabe-se lá, derrotado. Acontece que o escritor Hemmingway não dava muitas chances a seus personagens de serem felizes.
Hemmingway bebeu do nihilismo e da descrença no ser humano decorrentes das guerras que assolaram o mundo na primeira metade do século XX. O escritor lutou na Espanha contra Franco. Era bom vivant, viveu em Paris nos primórdios do século XX ao lado de escritores estrangeiros consagrados que escolheram a capital francesa para viver, como Gertrude Stein e Samuel Beckett. Também morou cerca de 20 anos em Cuba. O cenário de O velho e o mar se passa no mar do caribe e seu velho pescador é um cubano. Autodestrutivo, era chegado ao fumo e ao álcool. Com hipertensão, diabético e depressivo, matou-se com uma arma de caça em 02/07/1961.

                                                                       paulinhopoa2003@yahoo.com.br

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Ernst Hemingway. O velho e o mar. 73ª Ed., RJ, Bertrand Brasil, 2011, 128pp. R$ 31,00

domingo, 2 de dezembro de 2012

O apanhador no campo de centeio


Holden, 16 anos, é um jovem com crise depressiva intensa motivada pelo fato de que ele se recusa a crescer. Ele nos conta sua história de uma clínica de reabilitação, onde está internado para se recuperar da crise. Desse presente ele mergulha numa série de acontecimentos envolvendo relacionamento com colegas do colégio interno, de onde foi expulso, tentativas frustradas com garotas e o uso abusivo do cigarro e do álcool. Os fatos narrados não se afastam muito do presente. Holden tenta, obstinadamente, evitar o confronto com os pais, gasta todo o dinheiro que tem e resolve, já perdido e sem grana, partir para a zona rural dos Estados Unidos para trabalhar em uma fazenda que ele não sabe dinheiro qual seja e nem se dará certo. Seu amor por  Phoebe, a irmã pequena, acaba fazendo ele se redimir e o que vemos, no final, é a volta ao começo, quando ele se interna para se recuperar.
Escrito no início da década de 50, período em que a juventude americana já começava a se desestruturar, colocando o pé na estrada com álcool, drogas e rodk’ll n roll, o romance de Salinger apresenta-nos um jovem que ainda não consegue se desprender da família ( embora queira fugir dela), porque precisa dela, ainda, para sobreviver.
O norte-americo Jerome David Salinger (1915/2010) fez parte de uma corrente de romancistas que enveredaram pelo romance que desenvolve personagens patológicos, separando-se, assim, do naturalismo social do romance que se vinha fazendo então. O apanhador no campo de centeio reflete, assim, preocupações psicológicas e sexuais de um jovem separado do mundo político, industrial e comercial norte-americano, entregue às suas angústias e procurando de forma caótica  uma forma de salvação individualista.
Salinger teve um sucesso estrondoso com seu romance. Além dele publicou alguns contos que foram reunidos em livro. E nada mais. Decidiu isolar-se do mundo, assim como Raduan Nassar fizera no Brasil, após publicar duas novelas memoráveis. Ninguém entendeu o silêncio de Salinger, porque ele não falou com ninguém sobre essa misteriosa saída da cena literária.

                                                                          paulinhopoa2003@yahoo.com.br

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D. J. Salinger. O apanhador no campo de centeio. 17ª ed., Petrópolis, Editora do Autor, 1999, 208 pp.  R$ 59,90