domingo, 29 de maio de 2011

Mamãe Dilma, sai da toca!

Dilma Roussef mandou suspender a campanha do kit anti-homofobia, por um recuo político. O governo havia perdido na votação sobre o novo código florestal. Também anda enredado com o “caso” Palocci. Aproveitando-se da situação, as bancadas dos deputados católicos e evangélicos, que já estavam incomodadas com o chamado “kit anti-homofobia" que estava sendo distribuídos às escolas, resolveram chantagear. O kit são três vídeos e uma cartilha, para servir de discussão entre professor e alunos adolescentes, envolvendo o tema da sexualidade. Os tais parlamentares cristãos, católicos e evangélicos, questionavam o conteúdo do kit, que estaria fazendo propagando em favor da homossexualidade e isso poderia influenciar crianças e jovens a fazerem a opção sexual equivocada. Por isso, ameaçaram o governo Dilma, através do voto. E ela cedeu. Assumindo a carranca da mamãe braba, foi vista descendo a rampa de dedo em riste, afirmando que não caberia à escola envolver-se a situações que envolvessem costumes. Isso caberia à família.
O escola deve contribuir para o fim do preconceito homofóbico, sim! Há pouco material disponível para promover debates. A questão da identidade é muito complexa e muitos adolescentes enfrentam o problema num ambiente muitas vezes hostil a eles. A questão da educação é fundamental na questão da homofobia. A violência contra o homossexual não é só aquela mostrada nos jornais, de pessoas sendo agredidas na rua por grupos radicais. A violência psicológica intencional se dá na escola e dentro de casa, quando o agressor assume o poder do mais forte de maneira opressora.
Seria importante que as pessoas soubessem e aceitassem que a homoafetividade não é algo contagioso. Ninguém muda sua orientação sexual, pois a homossexualidade não é uma doença que se pega ao ser mostrada. Ser heterossexual é normal, mas ser homossexual também é normal. É isso que é preciso ser discutido, pois não é uma doença mental, é uma manifestação natural e positiva. É como nascer destro ou canhoto. A pessoa não vira guei, se é hetero. Quem é homossexual já nasce com o desejo sexual por pessoa do mesmo sexo, quando este se manidesta. Os moralistas confundem o adolescente com a criança indefesa diante de um comportamento que considera agressivo. Mais ou menos assim: o adolescente é um ser em crise, inseguro; se lhe for mostrada uma alternativa de prazer sexual, ele vai optar pelo que é doente, errado.
A meu ver, não existe opção sexual. A questão da identidade, numa sociedade heteronormativa, pode ser algo complicado. O preconceito não é racional. A homossexualidade não é uma escolha. É uma maneira de se expressar afetivamente. Por isso mesmo a escola teria como uma das funções, mostrar a homossexualidade como um espelho positivo. Numa sociedade livre de homofobia, o homossexual poderia exercer sua sexualidade de forma mais tranquila para si. Afinal, não se pode escolher o desejo.
Como as estatísticas apontam que há dez por cento da população mundial constituída por homossexuais, para o governo Dilma, perder dez por cento de votos é menos nocivo do que perder os votos da bancada religiosa que ameaça usar o voto para ajudar a arranhar ainda mais a imagem do amigo Palocci. E estamos feitos?
Viva Manuela D’Ávila!

domingo, 22 de maio de 2011

O dia em que Gêmeos beijou Virgem

Um dia desses uma moça me disse que tinha conhecido um cara e os dois ficaram meio a fim um do outro. O problema é, ela me disse, que não sei se ele é casado, não posso entrar numa fria. Mal se conheceram e já começaram as incertezas, falei a ela. Quando se está só e se busca alguém para preencher a solidão indesejada, a probabilidade de se engatar um namoro pode ter o significado de se pensar a probabilidade como uma realidade que precisa se concretizar. Não deveria ser assim, quando estamos na fase amadurecida da vida, em plena segunda idade. Mas o coração não envelhece. Amar alguém, ou melhor dizendo, desejar o amor de alguém nos torna adolescentes no que se refere a insegurança, ingenuidade, romantismo, conflito, exagero. Essas são as fontes da adrenalina que podem servir de combustão a um coração premente de paixão.
Agora, paixão é incômodo, é desarrumação do sentimento. Pode ser ansiedade. Daí ela continuou falando e me disse que não sabia nada dele, era tímido, cheio de charadinhas. Daí cortei, perguntando qual era o signo dele. Ela não sabia. Manda um torpedo pra ele e pergunta. E se ele estiver envolvido no trabalho? Ele responde depois, manda! Mandou. Mais tarde um pouco ela me telefonou dizendo: é Virgem. Ah, Virgo é foda, tem os pés no chão, não dá saltos rasantes com medo de se machucar. Gosta de esconder o jogo? Sim, falei, gosta de fazer mistério. Teu gato poderá ser discreto, mas crítico. Portanto, não te ofendas com ponderações que podem cheirar a um puxãozinho de orelhas. É que o virginiano gosta de enxergar no defeito uma forma de mudança. Portanto, analisa se a mudança poderá ser boa ou não. Precisarias fazê-lo entender que nem tudo pode ser mudado e que a perfeição não existe. Provavelmente ele seja um cara inteligente (cuidado com tua baixa estima, não vá te considerar "burra" que de burra não tens nada). Por prezar a inteligência e o pragmatismo, às vezes o virginiano se esquece de que tem coração. Por isso, terás de abrir essa vereda na pessoa dele.
A moça parou, pensou e disse: - não sabia que entendias de horóscopo. Não és ateu? Sou, mas adoro frescuras, até porque o horóscopo não aprofunda nada além do básico. Mas em se tratando de amor, saber o horóscopo e as combinações de signo é como um perfume que a gente põe para agradar. Mas não faz falta, embora seja gostoso seu odor. Teu signo qual é? Gêmeos, ela me diz.
Puxa vida! Gêmeos... Ao contrário do virginiano, o geminiano é muito amoroso (chega a ser chato e até pegajoso). Não vai te meter a fazer cobranças de que ele não seja romântico, ou até que seja frio e objetivo demais. A objetividade é uma arma do virginiano para esconder seus sentimentos. Trata de descobrir esse lado sensível dele e fazer disso uma arma de sedução tua. O virginiano odeia brigas e discussões, por isso mesmo trata de não bater boca com ele, pois ele é mestre em fugir de situações constrangedoras. Ah, outra coisa que deves saber lidar: muitas vezes ele poderá ser escorregadio, se o colocares na parede ou fizeres pressão ou chantagem para conseguires o que desejas. Ele poderá fingir que não entendeu teu recado e fugir discretamente pela porta dos fundos. Virginiano nunca faz o que não quer.
Tá, ela disse, e o geminiano? Faz sempre o que outro quer, eu disse, desde que ele esteja na tua. Ela ficou meio assim assim. Nos despedimos. Enquanto colocava o fone no gancho, pensava que bom seria se a ficção do horóscopo pudesse ter o poder de odorificar a relação dos dois. Se a moça pensasse somente no presente, deixando as dúvidas para daqui a pouco, poderia curtir bons momentos, resolver suas pendengas da encucação aos pouquinhos. Mas a vida não é assim. Eu, que adoro viver só, me basto comigo, só quero ter alguém como parceiro, não como complemento, não posso querer que todos sejam assim. Há os que acham muito bom estar acompanhados. Rita Lee já disse numa de suas canções: “Me recuso a ficar só/Antes mal acompanhada”. Cada qual com seu caminho, desde que seja o da felicidade.
Para os que curtiram o tema, recomendo dois livros muito legais: Secreta Mirada, de Lya Luft, sobre a busca do amor na maturidade. Outro é Morangos Mofados, de Caio Fernando Abreu, de cujo conto “O dia que Urano Entrou em Escorpião” serviu de mote para esta crônica.

domingo, 15 de maio de 2011

A fala e a escrita

No dia 13 de maio, o Jornal Nacional noticiou a polêmica que um livro didático recomendado pelo Mec para a EJA estaria causando por aí, a de afirmar que não existe o certo e errado na língua, mas o adequado e inadequado. A matéria exemplificou um trecho do livro que mostrava, através de um diálogo indireto, que se pode falar “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” , sem que isso possa ser visto como um erro. Sob o olhar da linguística, o “os” marcaria o sentido plural da idéia, não sendo necessário flexionar todas as demais palavras no plural(na frase, com exceção do verbo). É muito comum, na fala informal, expressões dessa natureza. Não é por burrice que se fala “os livro”, mas por economia de linguagem. No inglês isso é comum, faz parte da estrutura da língua. No português não é assim, existem as flexões, porque existem as concordâncias. Sem fugir ao fato de não ser erro, linguagem dessa natureza (e outras como “tu fez”, “tu mandou” – típico do linguajar gaúcho) não poderia ser considerada errada, já que a maioria (incluindo-se os intelectuais) falam dessa maneira, informalmente. Entretanto, se o Jornal Nacional tivesse publicado o restante do parágrafo de onde extraíram o trecho para criticar o Mec (o trecho integral do livro está transcrito no final da crônica), talvez não houvesse essa pendenga toda. Os autores não afirmam que se deve ensinar a falar errado na escola, como alguns âncoras de jornais da tevê mencionaram. Aliás, como se publicaram bobagens a respeito! Muitas pessoas que não tinham lido o livro, menos ainda as páginas do livro em que se baseou a reportagem, saíram vociferando a torto e a direito.
Deve-se aproveitar e valorizar a oralidade no aprendizado da língua escrita, sim. Assim como deve ser explicado que a fala existe, mas que há outra maneira de se dizer a mesma coisa, utilizando-se da língua culta padrão (o educador deve ter presente o aspecto político da questão, para não incorrer no erro de admitir que se fala certo ou errado). Quando se trata de didática, é importante ressaltar que a fala é uma coisa e a escrita é outra coisa. A escrita é a representação da fala, mas não é só isso. A escrita é mais complexa (e incompleta)que a fala.A gramática normativa ensinada na escola é um sistema de conservação da estrutura do português. O que acontece muitas vezes, é que variedades da linguagem oral passam a ser usadas por muita gente, passam a ser escritas por muita gente. E o que a norma culta padrão faz: a incorpora na linguagem escrita padrão como correta. Algo que poderia ser considerado errado noutros tempos, hoje não é. Lembram de o soja (que era o certo) e a soja (o errado). Hoje as duas estão certas, porque todos falaram tanto a soja e escreviam a palavra como feminina, que o termo virou substantivo e foi aprovado à norma padrão sem problemas. Atenção! Não estou querendo insinuar que os livro seria correto na linguagem escrita. Pelo menos por enquanto!
As pessoas entram na escola para aprender e ler e a escrever. Falar elas já sabem, formulam sua própria gramática e dela depreendemos razões coerentes para explicar determinados usos específicos de determinado grupo, que se constituem dialeto, linguagem falada e entendida por determinada comunidade. Na escola, as pessoas vão aprender que as coisas que se falam de uma maneira, podem ser escritas de outra. O erro, portanto, existiria na escrita, não na fala. Quanto mais as pessoas estudam a língua, vão aprendendo a falar a língua culta padrão, que é a língua ditada pelas regras gramaticais da escrita (que é a língua do poder, não nos esqueçamos disso). E a discernir que “os livro”, na sua comunidade falante, está adequado, mas que num texto escrito, ou numa linguagem formal, falada em determinada situação, poderá ser inadequado.
Ninguém fala errado, a menos que seja um profissional da fala, como certo jornalista famoso de uma rádio famosa aqui de Porto Alegre, que disse numa entrevista, “tu dissesses”; e outro repórter esportivo que disse num programa de tevê, “o jogador vai vim de Montevidéu na segunda-feira”. Esses estão falando errado, pois estudaram a gramática padrão, e usam o meio de comunicação para se expressar para o todo e não para sua comunidade restrita.
O que a imprensa talvez pudesse ter apontado, é a validade ou não de se tratar a dicotomia linguística e gramática num livro de Eja. O que será que ela queria com isso, hein?
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Agradeço a Tere e Amarildo, de São Leopoldo/RS, pelo empenho para que eu pudesse ter acesso aos livros da Eja.

A quem aprecia o tema da sociolingüística, recomendo dois livros saborosos de ler:
Luft, Celso. Língua e liberdade. Ática, 1998
Bagno, Marcos. Preconceito lingüístico. Loyola, 2009

O texto "A concordância entre as palavras", na íntegra:
A concordância entre as palavras é uma importante característica da linguagem escrita e oral. Ela é um dos princípios que ajudam na elaboração de orações com significado, porque mostra a relação existente entre as palavras.
Verifique como isso funciona:
Alguns insetos provocam doenças, às vezes, fatais à população ribeirinhas.
Insetos (masculino, plural) – alguns (masculino, plural)
Doenças (feminino, plural) – fatais (feminino, plural)
População (feminino, singular) – ribeirinha (feminino, singular)
As palavras centrais (insetos, doenças, população) são acompanhadas por outras que esclarecem algo sobre elas. As palavras acompanhantes são escritas no mesmo gênero (masculino/feminino) e no mesmo número (singular/plural) que as palavras centrais.
Essa relação ocorre na norma culta. Muitas vezes, na norma popular, a concordância acontece de maneira diferente. Veja:

Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado.
Livro (masculino, singular) – os (masculino, plural) ilustrado(masculino, singular) interessante (masculino, singular) emprestado (masculino, singular)
Você acha que o autor dessa frase se refere a um livro ou a mais de um livro? Vejamos:
O fato de haver a palavra os (plural) indica que se trata de mais de um livro. Na variedade popular, basta que esse primeiro termo esteja no plural para indicar mais de um referente. Reescrevendo a frase no padrão da norma culta, teremos:
Os livros ilustrados mais interessantes estão emprestados.
Você pode estar perguntando: “Mas eu posso falar ‘os livro’”?.
Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito lingüístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas lingüísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião.
Existe outro tipo de concordância: a que envolve o verbo. Observe seu funcionamento:
O menino pegou o peixe. (menino, singular/pegou, singular)
Os meninos pegaram o peixe. (meninos, plural/pegaram, plural)
O menino pegou o peixe. (menino, 3ª pessoa/pegou, 3ª pessoa)
Eu peguei o peixe. (eu, 1ª pessoa/peguei, 1ª pessoa)
Na norma culta, o verbo concorda, ao mesmo tempo, em número (singular/plural) e em pessoa (1ª/2ª/3ª) com o ser envolvido na ação que ele indica.
Na variedade popular, contudo, é comum a concordância funcionar de outra forma. Há ocorrências como:
Nós pega o peixe. (nós, 1ª pessoa, plural/pega, 3ª pessoa, singular)
Os menino pega o peixe. (menino, 3ª pessoa, idéia de plural – por causa do “os”/pega, 3ª pessoa, singular)
Nos dois exemplos, apesar de o verbo estar no singular, quem ouve a frase sabe que há mais de uma pessoa envolvida na ação de pegar o peixe. Mais uma vez, é importante que o falante de português domine as duas variedades e escolha a que julgar adequada à sua situação de fala.
Por uma vida melhor: Educação de jovens e adultos: segundo segumento do ensino fundamental, volume 2 – SP: Global: Ação Educativa, 2009 (Coleção viver, aprender). Vários autores, PP. 14 a 16)

domingo, 8 de maio de 2011

Os sinais do tempo

Estou acabando a leitura de “Formação do Brasil Contemporâneo”, de Caio Prado Jr. Um clássico da sociologia que nos ajuda a compreender o modelo brasileiro de hoje, a partir da organização colonial, no âmbito de seu povoamento, aspectos materiais e vida social. Das muitas idéias que me chamaram a atenção no texto, destaco uma: a organização da vida familiar. As mulheres eram casadas sem que tivessem escolha de pretendente. E havia a escravidão. Sabe-se que um dos papeis da escrava era a satisfação de seu senhor e dela originaram-se inúmeros filhos bastardos. Havia uma grande miséria social, rondando a nobreza de origem portuguesa, não necessariamente advinda do escravo. Muitos casamentos aconteciam sem o consentimento da Igreja e do Estado, pois essa população estava alijada do abraço do governo. Muitas das uniões livres aconteciam quando uma da parelha fosse de classe inferior. Sabe-se, também, que o machismo na Colônia era um pouquinho mais arraigado no modo de vida do brasileiro do que é hoje. Então, maridos casados com mulheres sem amor, arrumavam amantes de outra categoria social e com elas tinham filhos.
Saindo do livro de Prado Jr., sabemos que o tempo e as coisas mudaram na especificação do matrimônio. As gerações das décadas de 50 e 60 inovaram os padrões de conduta da mulher: a virgindade deixou de ser tabu e as uniões livres, independentemente da valorização de classes sociais, passaram a ser mais freqüente por opção pessoal. Crise do casamento? Penso que não.
Hoje em dia, o casamento na igreja, especialmente, está em alta entre as meninas da nova geração. A simbologia de que a noiva casava de branco, representando o corpo casto e que tem o veuzinho levantado pelo noivo na hora do beijo, selando o fim da virgindade, não faz parte da vida social da nova geração. Como não faz parte a simbologia do pai que entrega a filha, oficialmente perante Deus, para o marido que passa a cuidar dela pelo resto da vida. Lembram da questão do dote que o pai dava ao noivo, como forma de recompensa material? Hoje, não existe mais: há pais de noivas que recebem a ajuda dos pais do noivo, para realizar as bodas.
Qual a moral disso tudo? A velha idéia de casamento de contos de fadas, tipo príncipe William e Kate. A imagem do vestido de noiva inundou a cultura familiar das novas gerações. O vestido precisa ter muita cauda e a igreja uma bela escadaria, para que a noiva possa arrastar sua cauda por alguns metros, causando frisson nas futuras mocinhas casadoiras. Tive recentemente em meu ciclo familiar um caso interessante: duas parentas dessa década de 60, cada uma com seu parceiro, casaram-se somente no civil, não batizaram os filhos e esses nunca freqüentaram a missa. O que lhes aconteceu agora? Seus filhos converteram-se ao catolicismo, batizaram-se, para acalentar o sonho dourado feminino de casar vestidas de noiva. Influência da educação familiar? Nada disso. Essa onda vem de outras esferas da sociabilidade humana. Deus também não tem nada a ver com isso, pois os convertidos ao catolicismo continuam não freqüentando o culto religioso. O que tem a ver, mesmo, é o velho sonho burguês de cinderela vestida de noiva com o falso véu da castidade. Resta um consolo a quem lamenta um retrocesso no comportamento burguês: isso lhes traz felicidade. Que sejam felizes (enquanto dure)!
Além da obra de Caio Prado Jr., recomendo o romance “O Casamento”, de Nelson Rodrigues, em que a falsa moral puritana é demolida em plena década de 60, refletindo já a nova era da ilusória mudança dos costumes.
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Prado Jr., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 23ª ed., SP, Brasiliense, 2008
Rodrigues, Nélson. O Casamento. RJ, Agir, 2006

domingo, 1 de maio de 2011

O novo de novo

Sou de uma geração que tinha um propósito no futuro. Batalhei desde cedo, a buscar um ideal distante que seria minha realidade depois de adulto. Hoje, os jovens não tem essa preocupação da mesma forma que eu tinha pelo futuro. Eles têm essa preocupação, mas não se cobram por isso como nos cobrávamos, os de minha geração. Notem que estou falando de jovens de classe média, os que podem estudar até a universidade sem precisar trabalhar. Os menos afortunados continuam buscando o trabalho desde a juventude, deixando o estudo para mais tarde. Nós, que trabalhávamos para poder estudar, demos o chão para que eles pudessem fazer seu rumo de outra forma, menos estressante, quem sabe. Mas então, hoje em dia é possível fazer vestibular quatro, cinco vezes, quem sabe passando em todos e trocando de cursos como se troca de pulôver no inverno. O jovem de hoje, me parece, amadurece mais devagar e sem cobranças. Os de minha geração não, o amadurecimento vinha na marra! Não se podia perder tempo. Nessa nossa meta equivocada, quantos jovens do passado não fizeram cursos divergentes de sua vontade, quantos não investiram em empregos e carreiras sem estímulo nenhum... Hoje os jovens estão perdidos sim, mas não se preocupam com isso. Nós também nos perdíamos, mas investíamos em um caminho que nos levasse a uma independência financeira que nos afastasse da casa dos pais. Nós achávamos que tínhamos que ajudar os pais. Hoje os pais continuam ajudando os filhos, mesmo quando se casam. Nossa geração tinha um posicionamento político, oriundo do contato com os grêmios estudantis da escola secundária e da universidade. Hoje não, hoje é outra época. A mim, pelo menos, me cabe buscar compreender e aceitar que o tempo é outro e eu sou de outra época. Mas que não estou alijado do presente. É necessário que me adapte aos tempos atuais, pois afinal de contas, ainda possuo a característica de saber onde ponho os pés e faço de tudo para não ficar muito pra trás nessa trilha do presente.
O que os jovens querem da vida? Essa pergunta nós, da minha geração, saberemos responder com hipóteses variadas. Mas será que os jovens de hoje sabem a resposta? Talvez nem lhes interesse esse assunto. Mas uma coisa é certa: precisamos acreditar neles, com todo esse caos que me parece evidente, mas que não é nenhuma tragédia. O mundo vai continuar a existir, eu e minha geração tiraremos nosso time de campo e vamos assistir ao jogo deles. Creio que eles saberão jogar da sua forma, com a criatividade inusitada que nossa mente da geração passada talvez não consiga aceitar, mas o tempo segue, o tempo não para. Lembremo-nos de que o chão que eles pisam nós ajudamos a construir.