domingo, 25 de novembro de 2012

1968, o ano que não terminou

Devido à Verdade Tropical, só agora li 1968, o ano que não terminou. Estava guardado na estante, assim como outros, na fila de espera. Gostei muito do livro. Especialmente, porque em 1968 eu era um adolescente meio à deriva, que acompanhava os fatos conturbados do período sem a maturidade e a fundamentação necessária para compreendê-lo claramente.
O jornalista Zuenir Ventura abre o livro relembrando a festa de réveillon de 68 na casa da historiadora Heloísa Buarque de Hollanda e seu marido, onde pessoas elegantes e já descoladas pela revolução dos costumes, notadamente os costumes femininos, dão o clima “libertário” da alta sociedade carioca. Mas o livro envereda, mesmo, é para o caminho da luta  contra a ditadura durante o governo Costa e Silva, com a politização dos estudantes secundaristas e universitários, fazendo passeatas e protestos. A trajetória do livro acaba com o AI5, em dezembro daquele ano, suprimindo as liberdades individuais, impondo a censura, e a perseguição seguida de tortura e banimento do país. Isso seria a justificativa para a frase do título: “o ano que não terminou”.
A geração de 68 talvez tenha sido a última geração literária do Brasil, pelo menos no sentido de que seu aprendizado intelectual e sua percepção estética foram forjados pela leitura. Foi criada lendo, mais do que vendo televisão. As moças e rapazes de então já começavam a preferir o cinema e o rock, mas as suas cabeças tinham sido feitas basicamente pelos livros, que lhes deu o gosto da palavra argumentativa. E do palavrão, que passou a fazer parte da fala cotidiana, tomando conta, inclusive, do teatro da época. Na verdade, a geração de 68 teve com a linguagem escrita uma cumplicidade que a televisão não permitiria depois. O boom editorial do ano indica um tipo de demanda que se detinha de maneira especial em livros de densas ideias e em refinadas obras de ficção: Marx, Mao, Guevara, Luckács, Gramsci, James Joyce, Hermann Hesse, Norman Mailer e Marcuse. A editora Civilização Brasileira era a queridinha da época.
O livro encontra-se esgotado, mas é encontrado com facilidade em sebos.

                                                                                   paulinhopoa2003@yahoo.com.br

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Zuenir Ventura. 1968, o ano que não terminou. 3ª ed, SP, Planeta, 2008, 288 pp.

domingo, 18 de novembro de 2012

Verdade tropical

Em 1991, Caetano Veloso estava preparando o lançamento do seu disco Circuladô e um de seus produtores pediu-lhe que escrevesse um artigo sobre Carmem Miranda, para circular na imprensa norte-americana. Caetano acabou fazendo o ensaio. Por causa do que esse texto sugeria sobre o tropicalismo, um editor de Nova Iorque sugeriu que ali se insinuava um livro. Apesar de relutar, inicialmente, o cantor pensou que talvez fosse uma oportunidade de valorizar e situar a experiência da música popular brasileira em termos mundiais. Assim nasceu Verdade tropical, um texto memória onde são descritos sua formação musical e o desenvolvimento de seu trabalho como cantor e compositor. Caetano fala também sobre períodos decisivos de sua vida pessoal, como a infância e a adolescência em Santo Amaro da Purificação, seu primeiro casamento com Dedé, sua amizade com Chico Buarque e Gilberto Gil, sua prisão em 68 e o exílio em Londres. Mas o foco acaba iluminando mesmo a música brasileira, sobretudo o tropicalismo, e sua relação com outras manifestações musicais, como a bossa nova, a jovem guarda e os festivais da canção. O autor reflete também sobre questões que eclodiram nas décadas de 60 e 70, como as drogas, a sexualidade e a ditadura.
Existe um livro com escritos de Caetano Veloso, Alegria, alegria, coletânea de textos, entrevistas e depoimentos, organizada pelo poeta Waly Salomão, lá pelo ano de 1979. Há mais dois lançamentos pela Cia. das Letras: O mundo não é chato, reunindo escritos para jornais, revistas, contracapas de discos ou que surgiram como prefácios e conferências, além de alguns textos inéditos, e Letra só/sobre as letras, trazendo 180 letras de canções de Caetano Veloso, organizadas pelo poeta Eucanaã Ferraz. O livro apresenta, também , comentários inéditos do compositor a respeito de seus versos, além de fotos e ilustrações. Antropofagia, lançado pela Penguin Compahia, é um dos capítulos de Verdade Tropical, lançado separadamente, em que o cantor e compositor comenta o encontro do movimento tropicalista com a poesia modernista, especialmente de Oswald de Andrade.

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Caetano Veloso. Verdade tropical. SP, Companhia de Bolso, 2008, 520 pp. R$ 29,50

sábado, 10 de novembro de 2012

Alice no País das Maravilhas

Nicolau Sevcenko, o tradutor da belíssima edição de Alice no País das maravilhas pela Editora Cosac Nayfi , conta-nos que Lewis Carroll(1832/1898) não gostava da forma organizada como a sociedade britânica estava submetida durante a era vitoriana, período em que viveu o autor. Para ele, nada de rotinas mecânicas, da disciplina que fazia as crianças repetir hábitos que as transformavam, mais tarde, em seres mecanizados preocupados com o trabalho e atividades condicionantes. Carroll queria ver crianças barulhentas, arteiras. Por causa disso, criou em Alice no País das Maravilhas, uma menina que via a realidade de forma diferente. Ao perseguir um coelho num jardim, cai, através de um buraco, num mundo repleto de fantasias, onde os animais falam, há rainhas más e duquesas boas. Alice diminui e cresce de tamanho algumas vezes, para participar de forma integral nesse mundo subterrâneo mágico, que é o mundo de sua imaginação. Alice não deixa de ser uma menina rebelde, que enfrenta com indignação as criaturas presunçosas, mal-humoradas e autoritárias do País das Maravilhas. Carroll, assim, subverte o moralismo cultural e a moral puritana de sua época, que não tolerava desvios de comportamento. Para mudar esse cenário, o autor de Alice focou suas histórias no território encantado, imaginativo e lúcido das crianças, satirizando o mundo dos adultos, suas maneiras afetadas, sua seriedade aborrecida, seus preconceitos e sua arrogância autoritária e indolente.
Alice no País das Maravilhas é um livro maravilhoso e divertido. Acompanham a história as belíssimas ilustrações de Luiz Zerbini, que fazem suas criaturas criar aderência, a partir de cartas de baralho, tomando vida. É um livro para crianças especiais, aquelas cujos pais lhes propiciam o aconchego silencioso necessário para emocionar-se com a leitura de Alice. Alice é livro que os adultos devem ler e reler, pois trata-se de obra-prima.
O filme de Tim Burton misturou as personagens de Alice no País das Maravilhas com as de Alice através do espelho, colocando Alice como uma jovem de 19 anos que se recusa a casar-se sem amor. O filme não tem a magia que o livro proporciona.
Há outras traduções de Alice em outras editoras, com preços menores. Esse da Cosac Naify, entretanto, vale o preço. É obra de arte.
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Lewis Carroll. Alice no País das Maravilhas. SP, Cosac Naify, 2009, 168pp. R$ 49,00

sábado, 3 de novembro de 2012

Bili com limão verde na mão


Bili com limão verde na mão, de Décio Pignatari (1927), oferece a possibilidade de várias leituras. Tem ilustrações maravilhosas do premiado ilustrador Daniel Bueno e apresenta o primor estético que caracteriza o estilo concretista do poeta Décio Pignatari. O poema sugere através de palavras, muitas delas aparentemente soltas, imagens carregadas de sons e sensações. Belisa é Bili, Bélica, Bárbara, Bipolar, Biruta, Biônica, Biotônica, à Beça. No degrau mais alto da escada do alpendre, pernas abertas, mão no queixo, Bili, leve e levada abre a boca e diz: “por tudo aquilo que eu sei e que eu não sei, com quase treze anos, a minha vida não está legal”. E ela põe as pernas pra-que-te-quero, saindo de casa, passando pela cidade, cruzando por figuras pitorescas que as crianças de hoje talvez venham a conhecer só no mundo da imaginação (ainda que nós, adultos, a tenhamos vivenciado em nossa infância), dirige-se ao sítio do avô. Chegando, um limão verde cai do nada a seus pés. Este é o ponto de partida para a belíssima história do poeta Décio Pignatari, que mescla prosa poética e poesia, valorizando a palavra no espaço da folha do livro de forma variada e criativa.
Tenho acompanhado meio de perto a presença do livro na vida das crianças e percebo que essas têm liberdade para ler o que querem, do jeito que querem. O estilo individualista da sociedade contemporânea me parece que afastou os pais de participar com o diálogo formador na escolha dos livros de leitura infantil. Essa maravilha que é Bili com limão verde na mão dificilmente cairá nas mãos das crianças, se os pais não lhe facilitarem a oportunidade para que isso aconteça. Hoje o foco da criança na escolha da leitura está nas histórias de terror, muito em voga devido à influência dos videogames e do audiovisual que a mídia trata de fomentar na tevê e nos cinemas para atender ao público infantil . É bacana  a criança ter o poder de escolha do que quer ler, mas é importante a mediação dos pais para trabalhar naquela zona de inteligência entre o que a criança já sabe e o que ela ainda não conhece, mas tem condições de saber, através da aproximação de bom conteúdo de leitura que os pais, como educadores, podem e devem prover a seus filhos. É importante, aos que presenteiam livros infantis, buscar conhecer seus autores, a qualidade editorial da obra, o texto apresentado, para poder dialogar com a criança. Os pais devem, no meu ponto de vista, assumir a responsabilidade pela qualidade da leitura de seus filhos. Isso não traumatiza.
Décio Pignatari, Augusto de campos e Haroldo de campos iniciaram, a partir de 1952, a articulação da chamada poesia concretista, como reação à poesia rigorosamente formal e intelectualizada da geração de 45. Com isso, filiaram-se às experiências mais ousadas das vanguardas europeias do século XX. A poesia concretista desses autores tem como característica a valorização da palavra solta (som, forma visual, carga semântica) que se fragmenta e recompõe na página; o espaço gráfico como agente estrutural do poema; a utilização de recursos tipográficos.
Veja esse poema de Décio Pignatari, onde a linguagem sintética está associada ao dinamismo da sociedade industrial, de que o poema faz uma crítica ácida:

beba coca cola
babe          cola
beba coca
babe cola caco
caco
cola
          C l o a c a

Bili com limão verde na mão tem edição luxuosa da Cosac Naify, especializada em livros de arte. Seu filho merece ganhá-lo. Mas acho que você vai gostar demais do livro, também. O meu, comprei para dá-lo de presente, mas fiquei com ele pra mim.

                                                                            paulinhopoa2003@hotmail.com.br

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Décio Pignatari. Bili com limão verde na mão. SP, Cosac Naify, 2008, 80 pp. R$ 49,90