quinta-feira, 24 de março de 2011

A Justiça é míope

O que você acha da justiça? A resposta a essa pergunta envolve, entre tantas coisas, tocar na lâmina do que seria a justiça. Sua função. Considerar a justiça cega significaria dizer que se baseia na verdade dos fatos, doa a quem doer. Piada. A justiça não é cega, é míope. Muitas vezes, está olhando para o interesse de determinados homens, determinadas classes.
Uma noite dessas assisti ao programa "Conversas Cruzadas". Nele, dois advogados defendiam o direito do motorista flagrado em uma batida, suspeito de dirigir alcoolizado, de não soprar no bafômetro, baseado no parágrafo único do artigo 186 do código de processo penal, que diz que o cidadão tem o direito de não produzir prova contra si mesmo. De outro lado, um PM e um Azuizinho defendendo o uso do aparelho, em casos de suspeita de embriaguez do motorista, baseado na Lei 11705/08. Na verdade, existe uma óbvia contradição na legislação brasileira que regula o trânsito. É que a lei proíbe o cidadão que ingeriu bebida alcoólica mas não há como punir o motorista alcoolizado flagrado na direção de um veículo automotivo. O PM e o Azulzinho estavam argumentando favoravelmente a Resolução do Conselho Estadual de Trânsito que torna mais rígida a fiscalização de embriaguez ao volante. A norma permite que, a partir de agora, os agentes de trânsito utilizem o bafômetro em todas as ações de fiscalização e não somente quando suspeitarem da conduta do motorista. Aliás, esse era o mote do programa: os advogados condenando a Resolução e os aplicadores da lei anti-álcool no volante aprovando-a.
Nós sabemos como pensam os advogados: defender seus clientes mesmo que esses estejam errados. Daí a Justiça já tem subterfúgios em Artigos e Parágrafos, para burlar leis de repressão como a do álcoolizado ao volante. Sabe-se que na defesa do réu, vale ocultar fatos, desdizer o que foi dito, conseguir testemunhas eventuais (lembram a que depôs em favor do motorista que atropelou os ciclistas na João Alfredo? O cara estava no carro atrás do atropelador e alegou que ele quase matou pessoas porque corria o risco de ser linchado.)Se você cometer um ato ilícito, fuja, busque um advogado e monte sua historinha para comover a opinião pública.
O que vale mais? Um corrupto político no congresso, na assembléia, no governo estadual, ou a moralidade política restituída? Nenhum dos dois, decidiu o STF . O que vale mais é a Contituição e seu artigo 16 que diz claramente que só é possível alterar a regra eleitoral um ano antes do pleito. A Lei da Ficha Limpa, uma proposta popular, foi aprovada pelo Congresso no primeiro semestre do ano passado e aprovada três dias antes das convenções partidárias, povocando uma avalanche de dúvidas sobre sua validade. Às vésperas do segundo turno, o julgamento do STF não conseguiu desempatar a questão. Dos 10 ministros presentes à sessão, cinco votaram a favor da aplicação da lei e cinco a consideram inconstitucional. Foi necessária a nomeação de novo ministro para que o julgamento fosse concluído, validando a lei apenas para as eleições de 2012. Uma legião de parlamentares “ficha suja” já se prepara para assumir em Brasilia e nos estados, desbancando os que só tomaram posse porque a fila andou. É verdade que eleitores em todas as partes não se importaram nem um pouco com o currículo judicial dos candidatos corruptos eleitos. Já os eleitores frustrados com a vinda ou a volta deles, se pergunta se a decisão do STF foi adequada. Entre dois artigos constitucionais, o principio da anterioridade ganhou precedência sobre outro, o art. 14, justamente o que inspirou a Lei da Ficha Limpa. O parágrafo nono diz que uma lei deve estabelecer quem pode se eleger e quando, desde que fiquem garantidas “a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato”.
Interesses judiciais a parte, a decisão é antipática às mais de um milhão de assinaturas que pedia uma revisão na Lei, para que as eleições atentassem a uma regra de moralidade sadia cristalina.
Isso é só o começo, muita água vai rolar. Já vou ministro do judiciário dizendo que é possível que a lei da ficha limpa ainda não seja aplicada para 2012. Mais, o STF pode adiar a Lei por uma década, se a Corte decidir que candidatos só podem ser barrados após esgotados todos os recursos à Justiça. Quem sabe não fica para outra encarnação!?

sábado, 12 de março de 2011

As rugas que me vejo

Acompanhei um capítulo de Insensato Coração em que Glória Pires aparecia em close, mostrando as rugas da mulher simples, tipo anti-heroína. Puxa, uma personagem verossimilhante, que bacana! Comentei com uma de minhas irmãs noveleiras, estava gostando da Glória Pires mostrar-se ao natural, sem a pele esticada. Minha irmã jogou água fria, afirmando que as rugas da personagem não seriam rugas de Glória Pires, aquilo era maquilagem. Atrizes sem a pele plastificada seriam raras na televisão. Não fui a fundo na questão, mas devo confessar que admiro artistas e personalidades que aceitam envelhecer com naturalidade, sem buscar esconder a idade. É como estivessem ampliando o leque social de suas atuações. Gostei quando ouvi certa vez Fernanda Montenegro dizer que não fazia plástica no rosto porque, daí, "como ficariam suas velhas?". Depois Fernanda fez uns retoques e algumas de suas velhas não ficaram mais. Notem que ultimamente só a vemos fazendo papeis de mulheres da alta sociedade, elas podem pagar suas plásticas. Outra vez li um depoimento de Marina Lima, quando lançou seu belo cd Marina Lima, de 1991 (lembram da música Grávida: eu tô grávida/grávida de um beija-flor/grávida de terra/de um liquidificador/e vou parir/um terremoto, uma bomba, uma cor). Pois ela dizia que estava com 34 anos e as pessoas diziam - não parece! Marina queria que parecesse sim! Ter respeito à idade que se tem era forma de valorizar sua história de vida.
Os que assumem sua idade aceitando as rugas como passaporte de vida, é coisa de que gosto. Tenho 57 anos e aceito minhas rugas como um trofeu(rugas masculinas parecem ser mais aceitas em nossa cultura?) e admiro os da minha troupe que respeitam os sinais da idade no rosto. Tá, tudo bem, tem quem goste de não "se sentir velho", são narcisistas, sentem-se aos 60 como se tivessem 15 anos, mas é bacana estar de cara limpa, sem se achar outra pessoa. Eu não consigo imaginar Maitê Proença, por exemplo, fazendo o papel de empregada doméstica em filme ou novela. Torço para que haja alguém que possa fazê-lo, empregando seu rosto com as marcas do tempo.
A verdade, contudo, é que vivemos o culto do corpo, da moda do corpo meio embrutecido para homens e mulheres. No caso das mulheres, especialmente as artistas, o culto da performance passa pelo desnudamento do corpo, então, dá-lhe repuxo!
Aos que curtiram a crônica, recomendo o cd de Marina Lima e o livro de Lya Luft: Secreta Mirada. A edição que tenho é da Mandarim. Muito provavelmente deva existir uma edição atualizada pela Record, sua editora atual.