domingo, 8 de setembro de 2013

Os dragões não conhecem o paraíso

Caio Fernando Abreu nos avisa em Os dragões não conhecem o paraíso, que os textos podem ser lidos como histórias autônomas. Também podem ser lidos, fazendo parte de um romance móbile, em que as partes se interligam formando um todo, de acordo com o gosto do autor.
Em Linda, o personagem narrador volta para morar com a velha mãe solitária, está com sintomas da AIDS na pele. Em O destino desfolhou, ele relembra a infância e adolescência, quando teve contato com a morte na presença de Beatriz, antigo amor que morreu de leucemia na adolescência, virando uma estrela. Em À beira do mar aberto, relata a paixão não revelada pelo outro. Em Semana, blues, as marcas da ausência de Ana em sua vida, sem que soubesse os motivos. Vodca, lágrimas e café; os ciclos da terapia, psicodramas,  sonhos junguianos, promessas a Santo Antônio; o mundo tornando-se, aos poucos, um enorme leque escancarado de mil possibilidades além de Ana. Em Saudade de Audrey Hepburn, um cara solitário caminha pela noite paulistana, como à procura de um outro que perdera numa véspera de São João. Nessa trajetória de lembranças, a presença das entidades do candomblé. Em O rapaz mais triste do mundo, um homem solitário no fundo de um bar guei observa um homem também solitário de 40 anos que pega uma cerveja e senta numa mesa onde há um rapaz de uns 20 anos. Os dois se evitam, não se olham, não se falam. Esse rapaz parece ser o rapaz mais triste do mundo. Ele é, com os outros e com o leitor, um único homem perdido na noite, cercado de álcool e muita solidão. Sapatinhos vermelhos é o fetiche de uma mulher de meia idade, curtindo a fossa de uma separação na madrugada de uma sexta-feira santa. Num quarto da cidade grande, sofrendo de tédio e com ideias de suicídio, lembra da praiazinha de areia bem clara, no meio da sanga, em Passo do Guanxuma (cidade ficcional presente na obra de Caio), onde teve um encontro com Dudu há sete anos atrás, que teria motivado, quiçá, sua ida para São Paulo. Para fugir à ideia do suicídio ela escreve uma carta a Dudu. Em A dama da noite, ela, numa boate, bêbada, espera aquele um que virá buscá-la de uma hora para outra. Ela aluga um jovem para despejar seus demônios, é a dama da noite que envenena, contamina o sangue com todos os vírus, é a dama infeliz que, a cada noite, naquele bar, se mata e contamina a si mesma com a solidão dos desamados. Em Mel e girassóis, um homem e uma mulher passam férias sozinhos num hotel à beira-mar. Casualmente, fazem contato e vão se aproximando até um aparente happy-end, posto que quando os dois se descobrem, é véspera de cada um voltar a suas origens. Em A outra voz, morte e esperança. No conto Pequeno monstro, sabemos da presença de um primo que vem passar férias na praia e desencadeia a descoberta da sexualidade em um adolescente. A solidão é o tema de Os dragões não conhecem o paraíso, porque não precisam ser aceitos. Fogem do paraíso banal que inventamos, porque detestam o mundo perfeito que inventamos, onde nada dói, numa eterna monotonia de falsidade. Seu paraíso é o conflito, nunca a harmonia. Os homens precisam da ilusão do amor para não afundarem no poço da ilusão de Deus. Da ilusão do amor para não afundarem no poço horrível da solidão absoluta; da ilusão de Deus, para não se perderem no caos da desordem sem nexo.

                         paulinhopoa2003@yahoo.com.br
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Caio Fernando Abreu. Os dragões não conhecem o paraíso. Rio, Nova Fronteira, 2010, 192 pp. R$ 39,90

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