sábado, 10 de julho de 2010

Perdas

Lidar com perdas não é tarefa das mais fáceis. Mas é inevitável. As perdas fazem parte de nossa vida, seja uma perda amorosa, a perda de um emprego, uma oportunidade, seja a perda de um ente querido. A dimensão dramática do que significa uma perda eu tive com a morte de minha mãe. A ausência dela mostrou um espaço irreparável que não poderia mais ser preenchido. Era tratar de reorganizar a vida, o que fiz buscando meu primeiro emprego, pois era adolescente, nessa época. Hoje, pensando sobre isso, sinto que a pessoa que mais sentiu e se modificou, a partir da ausência de minha mãe, foi meu pai.
Seu sorriso já não era mais o mesmo, até quando algum tom alegre no ambiente o fazia sorrir. Quando não gostava de alguma coisa, limitava-se a resmungar e fechava a cara de poucos amigos. Às vezes eu implicava, perguntando-lhe o que era. Ele respondia nada. Certas dores no corpo, a pedra nos rins...
Percebia-se a mudança também no rosto. A boca que pronunciava palavras silenciosas, enquanto jogava cartas sozinho na sala, não tinha mais cor. Era uma boca de defunto. Os olhos castanhos acumulavam as marcas do tempo a seu redor e os poucos cabelos da parte lateral da cabeça não escondem mais a mescla de grisalhos: era completamente branca.Quando me aproximava para lhe desejar bom-dia, o braço que me tocava o ombro estava completamente flácido.
Quando me sentava na outra ponta da mesa para tomar o café da manhã, sentia sua respiração ofegante. Tossia de vez em quando. Ouvia o barulho da xícara raspando o pires e me sentia assim como ele, também diminuído, gelado, trancado na mesma saudade, parceiro de mesma solidão.
O silêncio enchia a sala. Quando essa triste lembrança da morte dela se tornar saudade, talvez pudéssemos voltar a discutir futebol e política, sorrindo e brigando como velhos amigos. Torcia para que o tempo fizesse surtir seu efeito.
Não foi possível. A saudade dela acabou tirando-lhe a vida alguns anos depois.

Um comentário:

  1. É... Essa coisa da perda tornar-se um dia saudade é plausível, mas o problema é que tudo dentro da gente está em pedaços; é como se nós nos perdessemos a nós mesmo no meio da multidão... Quando a minha mãe partiu, uma parte de mim parece que foi junto com ela... O sorriso da minha alegria calou-se na sizudez do meu rosto sério, enrugado pela dor que palavras não definem. Três anos depois, a partida de meu sobrinho Renato (você o viu bebê na maternidade, lembra?)... Meu peito dói e às vezes chego a pensar que a saudade pode me tirar desse palco da vida por onde ainda transito. Isso me dá um medo danado e um nó me dói lá num canto qualquer da cabeça... Enfim, o silêncio ainda preenche minha sala, gelada pela saudade, onde me degladio com a dor que mata... e comigo mesmo!... Desculpa, Paulo Renato... Devia só comentar mas acabei fazendo mais que isso. Mas acredito que você entende.

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