domingo, 18 de dezembro de 2011

O Ofício de Viver

O italiano Cesare Pavese (1908-1950), poeta e romancista, manteve uma atividade intelectual antifacista. Quando o regime fascista fechou a revista em que trabalhava como seu diretor, Pavese foi desterrado no sul da Calábria (1935-36), onde começou a escrever O Ofício de Viver, diário pessoal que acompanha os últimos quinze anos de sua vida. Entretanto, seu posicionamento político nunca apareceu em sua escritura. Nas páginas de seu diário, todo ele escrito na primeira pessoa, afloram tensões obscuras centradas na dificuldade das relações entre os sexos que explodem numa tragédia final, transmitindo um sentido desolado de inutilidade da vida.
Em suas páginas encontramos considerações sobre sua poética, leituras críticas de outros escritores, lado a lado com desabafos e lamentos inflamados sobre sua vida pessoal e suas desilusões amorosas, acompanhados de reflexões sobre a morte, intimamente associado à idéia de suicídio. Dado como encerrado pelo autor cerca de uma semana antes da morte, e por ele próprio assinalados pelos limites cronológicos 1935-1950, constitui, assim, a evidência da trágica decisão consciente e antecipadamente tomada, e que vem ganhando corpo ao longo dos anos, de pôr termo à vida. No diário não há descrições nem alusões ao lugar em que se encontra. Referências a acontecimentos políticos também não se registram. O que se acentua em suas páginas é o clima de solidão. É a sua vida interior e a imagem da sua profunda angústia de viver.
Sobre as mulheres, que são a fonte direta de seu sofrimento, nada revela, nenhum retrato faz delas. São impessoais, despidas de sentimentos e movidas apenas por interesses, quase desumanizadas. O seu destino de perdedor em relação às mulheres tem como marco um acontecimento de 1929, quando ele conhece Tina, comunista e professora e matemática. Ela tivera uma enlace amoroso com um intelectual de esquerda. Pavese, entretanto, apaixona-se por ela. Em maio de 1935 a polícia invade a casa dele e encontra as cartas desse intelectual endereçadas a Tina. Pavese, para agradá-la, aceitara que a correspondência fosse enviada a sua casa. Quando ele regressa do exílio da Calábria, Tina já estava casada. O choque foi muito forte para ele. Jamais conseguiu compreender a atitude dela. A partir de então, Pavese torna-se, como ele mesmo diz de si mesmo no diário, um misógino. As mulheres nunca transmitem uma idéia afetiva, antes de decepção. Passam a representar para ele apenas um objeto de que se desfruta por breves momentos.
Pavese cultivou a idéia do suicídio ao longo de toda a vida, associando-a constantemente ao tema do amor. A autodestruição identifica-se com uma vida que para ele parece de pouca importância, apesar da consolidação do seu sucesso na carreira editorial e na de escritor. A 18 de agosto de 1950, quando ingere os soníferos que o libertariam de viver, escreve as últimas palavras do seu diário: “Tudo isto é asqueroso. Palavras, não. Um gesto. Não escreverei mais.”
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Cesare Pavese. O Ofício de Viver. Lisboa, Relógio D’água, 2004. 404 pp

Além de O Ofício de Viver, Pavese tem os seguintes livros traduzidos para o português:
Diálogos de Leucó. Ed. Cosac Naify. Em 27 de agosto de 1950, quando foi Cesare Pavese encontrado morto em um quarto de hotel em Turim. Ao lado de seu corpo, havia apenas um livro, 'Diálogos com Leucó', no qual escreveu suas palavras de despedida. Escritos em sua maioria entre 1943 e 1946, estes 'Diálogos' entre seres da mitologia grega versam sobre o que Pavese considerava as questões fundamentais da existência humana - o destino, a violência, o amor, a morte, a poesia.
Trabalhar cansa. Ed. Cosac Naify. Poesia. Com um verso mais narrativo, aberto à prosa da vida cotidiana, o autor retratou as noites insones das cidades, as figuras de proletários, camponeses, prostitutas, bandidos, bêbados e mendigos vivendo seu drama diário.
A lua e as fogueiras. Ed. Berlendis & Vertecch. Publicado originalmente em 1950, 'A lua e as fogueiras' é o último e mais bonito romance de Cesare Pavese. Nele, o personagem central retorna rico à cidade de Santo Stefano Belbo, de onde partiu ainda jovem para "fazer a América", pretendendo usufruir uma vida abastada. Não é mais o rapaz obrigado a trabalhar nos campos, mas um homem maduro que agora pode ser um patrão. Numa paisagem em que, aparentemente, nada mudou, encontra tudo transformado. Não só pela passagem do tempo e pelas transformações históricas, mas, principalmente, porque ele próprio mudou. Outro tema típico de Pavese aqui se repete - o retorno com o pensamento à vida de jovem, mas sob a luz dos novos tempos, em busca da identidade do protagonista com um mundo que, obviamente, se transformou. Mas a narrativa demonstra que a busca da identidade não se resolve com o retorno do protagonista ao paese, à sua terra natal. Este se descobre ainda um expatriado, em uma contínua busca de contato com as suas raízes e com seu passado infantil, situação que, no plano biográfico, também era a de Pavese que, não por acaso, situa a história na mesma Santo Stefano em que nasceu.
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Meu agradecimento especial à tradutora Margarida Periquito, pelas informações imprescindíveis.

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