domingo, 1 de janeiro de 2012

Quatro histórias de Graciliano Ramos

A obra de Graciliano Ramos apresenta uma visão amarga e pessimista do mundo, através de seus personagens. Seu estilo primordial é o da precisão, da capacidade de transmitir sensações e impressões com um mínimo de metáforas, só com o jogo vocabular.
Com João Valério, em Caetés (1933), penetramos nesse terreno quase alucinatório que é o homem dentro de si mesmo. Através das reminiscências de sua vida, nos envolvemos no acontecimento central do romance: o adultério. Fazendeiro arruinado que vendera tudo e mudara para a cidade, uma noite dá dois beijos no pescoço de Luísa, mulher de Adrião, seu chefe no trabalho. Rejeitado por ela, sai de lá envergonhado e arrependido com a declaração de amor que fizera. Depois de tempos de insistência, tornam-se amantes. Uma carta anônima revela o idílio. Adrião acaba dando-se um tiro. Com a morte do marido, Luísa rechaça as intenções de João Valério. Paralelamente aos conflitos interiores de João Valério, conhecemos personagens arrogantes, outros de moral duvidosa, numa cidade pequena do interior alagoano. É o primeiro romance de Graciliano Ramos. Apresenta uma falha: quando da morte do marido de Luísa, o destino dela com João Valério sofre um corte, de forma indecisa. Mas isso não prejudica a leitura.
Em São Bernardo (1934), Paulo Honório, aos 50 anos, em completa solidão, decide escrever suas memórias, como se através delas pudesse recuperar algo que perdeu: Madalena, sua mulher já morta. Fazendeiro cruel, impiedoso e destituído de afeto, resolveu um dia casar-se e avistou em Madalena, pobre, solteira já quase chegando aos 30 anos, uma possibilidade que tratou de consolidar. A diferença entre eles era imensa: Madalena era culta, tinha idéias socialistas de amor ao próximo e à justiça social. Expunha atitudes humanas que ele reprimia. Paulo Honório era rude, exercia a posse às pessoas que dependiam financeiramente dele, como se fossem mercadorias. A vida dos dois era um inferno. Madalena lhe mostrava os defeitos e injustiças que cometia, ele as respondia com ofensas e humilhações. Após três anos de brigas e ofensas, Madalena se mata, deixando-lhe um filho que ele não ama. Paulo Honório criara um mundo que se curvava à sua vontade, menos Madalena. Abandonado por empregados próximos a ele, caiu em completa solidão, passou a se afastar das pessoas da cidade. Com a Revolução de 1930, cafeeiros e grandes latifundiários perderam poder. Sua fazenda perdeu prestígio e Paulo Honório perdeu dinheiro. Após três anos da morte de Madalena, numa noite de insônia, decidiu escrever um livro sobre sua vida, que é a história de São Bernardo. Paulo Honório fechou o livro escrevendo uma linha: “estraguei minha vida estupidamente”.
Angústia (1936), terceiro romance de Graciliano Ramos é a história de um crime. Foi publicado graças à ajuda de amigos, pois o escritor encontrava-se preso sob o comando do Estado Novo. O livro apresenta Luís da Silva, funcionário público de origem pobre, remoendo suas lembranças. É necessário chegar ao final do romance para compreender melhor as primeiras páginas do livro. Luís da Silva sai da doença e prostração após 30 dias de convalescença, por causa de um crime que acabara de cometer, motivado por ciúmes. Quando começa a história, portanto, esse fato já aconteceu. Assim como Paulo Honório de São Bernardo, Luís da Silva apresenta o sentimento de posse. Apaixona-se por Marina, moça simples, pobre e fútil. Numa passagem do romance, Luís afirma que construíra dentro dele uma Marina diferente da real, mas que se confundia com ela. Como não a possui, visto que o casamento entre os dois não se realiza, passa a cultivar-lhe um ciúme doentio.

Se Paulo Honório é vítima da arrogância e prepotência, Fabiano, de Vidas Secas, é vítima da seca e da miséria. Homem rude, introspectivo, interiormente mostra-se alguém revoltado com as injustiças que sofre dos mais fortes, ainda que exteriormente baixe a cabeça, sem reação. Ele e sua família vêem-se forçados a migrarem em busca de condições melhores de sobrevivência, já que estão passando fome. No primeiro capítulo, Fabiano, Vitória, sua mulher, o menino mais velho, o menino mais novo e a cachorra Baleia são retirantes em busca de um novo pedaço de terra. Alojam-se numa fazenda como servidores. A chuva volta ao sertão, a vida melhora um pouquinho. Por fim, o lugar volta a sofrer a seca e Fabiano decide partir em busca de uma terra da promissão nunca atingida. Cada personagem ganha um capítulo, que é como um retrato de apresentação à história. Os capítulos, quase todos, apresentam uma estrutura independente dentro do universo da novela, atuando como módulos. Rico em monólogos interiores, através da técnica do discurso indireto livre, Vidas Secas mostra toda a maestria do escritor Graciliano Ramos. O capítulo O soldado amarelo é uma obra-prima.
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Graciliano Ramos. Caetés. 31ª ed., Record, 2006, 302 pp
____________ São Bernardo. 71ª ed., Record, 2001, 224 pp
____________ Angústia. 65ª ed., Record, 2011 336 pp
____________ Vidas secas. 85ª Ed. Record, 2002 160 pp

2 comentários:

  1. Oi, Paulinho, fiquei com vontade de ler Graciliano. Nunca antes havia me chamado a atenção, apesar de sua importância na nossa literatura. Acho que vou sanar esta falha em 2012. Grata pelas dicas. Beijo.

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  2. Apesar da visão pessimista de mundo, seus romances são de leitura rápida e interessante. Tomara que gostes.

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