sábado, 3 de novembro de 2012

Bili com limão verde na mão


Bili com limão verde na mão, de Décio Pignatari (1927), oferece a possibilidade de várias leituras. Tem ilustrações maravilhosas do premiado ilustrador Daniel Bueno e apresenta o primor estético que caracteriza o estilo concretista do poeta Décio Pignatari. O poema sugere através de palavras, muitas delas aparentemente soltas, imagens carregadas de sons e sensações. Belisa é Bili, Bélica, Bárbara, Bipolar, Biruta, Biônica, Biotônica, à Beça. No degrau mais alto da escada do alpendre, pernas abertas, mão no queixo, Bili, leve e levada abre a boca e diz: “por tudo aquilo que eu sei e que eu não sei, com quase treze anos, a minha vida não está legal”. E ela põe as pernas pra-que-te-quero, saindo de casa, passando pela cidade, cruzando por figuras pitorescas que as crianças de hoje talvez venham a conhecer só no mundo da imaginação (ainda que nós, adultos, a tenhamos vivenciado em nossa infância), dirige-se ao sítio do avô. Chegando, um limão verde cai do nada a seus pés. Este é o ponto de partida para a belíssima história do poeta Décio Pignatari, que mescla prosa poética e poesia, valorizando a palavra no espaço da folha do livro de forma variada e criativa.
Tenho acompanhado meio de perto a presença do livro na vida das crianças e percebo que essas têm liberdade para ler o que querem, do jeito que querem. O estilo individualista da sociedade contemporânea me parece que afastou os pais de participar com o diálogo formador na escolha dos livros de leitura infantil. Essa maravilha que é Bili com limão verde na mão dificilmente cairá nas mãos das crianças, se os pais não lhe facilitarem a oportunidade para que isso aconteça. Hoje o foco da criança na escolha da leitura está nas histórias de terror, muito em voga devido à influência dos videogames e do audiovisual que a mídia trata de fomentar na tevê e nos cinemas para atender ao público infantil . É bacana  a criança ter o poder de escolha do que quer ler, mas é importante a mediação dos pais para trabalhar naquela zona de inteligência entre o que a criança já sabe e o que ela ainda não conhece, mas tem condições de saber, através da aproximação de bom conteúdo de leitura que os pais, como educadores, podem e devem prover a seus filhos. É importante, aos que presenteiam livros infantis, buscar conhecer seus autores, a qualidade editorial da obra, o texto apresentado, para poder dialogar com a criança. Os pais devem, no meu ponto de vista, assumir a responsabilidade pela qualidade da leitura de seus filhos. Isso não traumatiza.
Décio Pignatari, Augusto de campos e Haroldo de campos iniciaram, a partir de 1952, a articulação da chamada poesia concretista, como reação à poesia rigorosamente formal e intelectualizada da geração de 45. Com isso, filiaram-se às experiências mais ousadas das vanguardas europeias do século XX. A poesia concretista desses autores tem como característica a valorização da palavra solta (som, forma visual, carga semântica) que se fragmenta e recompõe na página; o espaço gráfico como agente estrutural do poema; a utilização de recursos tipográficos.
Veja esse poema de Décio Pignatari, onde a linguagem sintética está associada ao dinamismo da sociedade industrial, de que o poema faz uma crítica ácida:

beba coca cola
babe          cola
beba coca
babe cola caco
caco
cola
          C l o a c a

Bili com limão verde na mão tem edição luxuosa da Cosac Naify, especializada em livros de arte. Seu filho merece ganhá-lo. Mas acho que você vai gostar demais do livro, também. O meu, comprei para dá-lo de presente, mas fiquei com ele pra mim.

                                                                            paulinhopoa2003@hotmail.com.br

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Décio Pignatari. Bili com limão verde na mão. SP, Cosac Naify, 2008, 80 pp. R$ 49,90

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