domingo, 27 de maio de 2012

Tirano Banderas

Ramón Del Valle-Inclán (1866-1936), nascido em Galícia, Espanha, foi um romancista, poeta, ator e dramaturgo espanhol que muito contribuiu, com sua obra, para o modernismo na literatura hispano-americana. Visitou o México duas vezes, o que lhe serviu de incentivo para escrever sua obra mais importante, Tirano Banderas, retratando a vida de um ditador mexicano, que comandou o país até sua queda, em 1910, quando se deu a Revolução Mexicana, que instaurou a classe média no poder e apregoou o mito do herói para manter-se no poder até os dias de hoje. Sabe-se que a revolução de 1910 no México foi a primeira revolução de cunho popular na América Latina. Figuras populares lendárias como Pancho Villa e Emiliano Zapata lutaram nela, de 1910 até 1940. Tirano Banderas se estrutura de forma clara em sete partes que, por sua vez, se dividem em livros. A quarta parte (a central), em sete. As outras seis em três, num total de 26 livros. Apresenta ainda um prólogo e um epílogo. A ação da narrativa se passa em três dias. Da figura de Tirano Banderas sabe-se muito pouco. Ela serva de pretexto para o autor expor uma visão amarga da realidade sociopolítica do país. O país imaginário de Tirano Banderas serve ao escritor para criticar não somente uma ditadura concreta, mas um sistema político que degrada e rebaixa a condição humana. Valle-Inclán sintetizou a complexidade social hispano-americana nas figuras do índio, do criollo (o descendente de europeu nascido em solo americano. Mais especificamente, o latino-americano nascido de sangue espanhol com sangue índio) e do imigrante, que chega a esse país imaginário com intuito de enriquecimento. El generalito Banderas é o índio que pode alguma vez ser presidente, mas que vai se desumanizando aos poucos. Tirano Banderas se passa em uma república imaginária, Santa Fe de Tierra Firme, submetida à ditadura de um general, Santos Banderas, um homem obcecado pela paixão da autoridade, escondido sob o reflexo de uma justiça rudimentar e uma crueldade absurda, ingredientes que levam à degradação sumária do ser humano. Ao lado da personagem central, move-se uma pequena corte de aduladores servis, os medíocres estúpidos que aumentam a dimensão nociva do caudilho. Em oposição a essa casta, há as figuras de Don Roque Cepeda, de Filomeno Cuevas, Zacarias El Cruzado e do Coronelito Gándara, que organizam a oposição ao ditador. A narrativa faz uso da caricatura e do grotesco, como uma forma de deformar a realidade com o objetivo de denunciá-la ou criticá-la.
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Valle-Inclán. Tirano Banderas. Madrid, Austral,2006, 252 pp. R$ 30,80 A edição em português encontra-se em sebos, pela Ed. Nova Fronteira ou pelo Círculo do Livro.

domingo, 20 de maio de 2012

A obscena senhora Hilda Hilst

Essa é escritora que você não pode deixar de ler antes de morrer. Pelo amor de Deus! Hilda Hilst (1930-2004) tem vasta obra entre poesia,prosa e teatro. Era bruxa. Viveu sua velhice solitária na Casa do Sol, sua chácara em Campinas, cercada de cães. Durante sua vida sempre foi preocupada com a sobrevivência da alma. Costumava deixar gravadores ligados pela chácara e afirmava ter captado vozes, fragmentos de frases de espíritos. Quase ninguém acreditava nela. Caio Fernando Abreu, escritor místico, era seu amigo e conviveu com ela um tempo na Casa do Sol. Pouco antes de sua morte, conheceu Zeca Baleiro, que musicou poemas seus, gravados no cd Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé - De Ariana para Dionísio com vozes de Bethânia, Ângela Ro Ro, Zélia Duncan, entre outras. Era admirada por Vinícius de Moraes, Lygia Fagundes Telles e Carlos Drummond de Andrade. Mulher de comportamento avançado, já na juventude, na década de 50 morava sozinha em São Paulo, onde costumava receber pessoas influentes da inteligência paulistana em suas festas. Em determinada fase de sua vida, passou a escrever “textos pornográficos”, sob alegação de que pouca gente, até então, lia suas obras. Trata-se de textos em prosa e poesia eróticas de excelente qualidade, como sempre. Pertencem a essa fase: O caderno rosa de Lory Lambi, Contos d’escárnio, Cartas de um sedutor e Bufólicas. A editora Globo vem relançando toda sua obra, para agrado de público e crítica, algumas já esgotadas.
Se você não leu nenhuma prosa dela, comece por A obscena senhora D. Com cerca de 90 páginas, a narrativa conta a história de uma senhora de sessenta anos que escolhe morar no vão da escada, depois que seu marido morreu. Dali, ela conversa com ele, com alguns moradores da vila onde mora. Também conversa com Deus, a quem chama de “Porco-menino”, “menino-louco”, “menino-precioso”. Em seus diálogos, a mulher quer encontrar respostas. A conversa dela com o marido é sempre o desencontro entre o desejo de ambos. A narradora-personagem acaba, no final das contas, narrando seu desamparo frente à espera de um Deus que a teria abandonado.
Tu não te moves de ti, escrito antes de A obscena senhora D, apresenta uma escritura mais complexa, desenvolvida em três novelas, Tadeu (da razão), Matamoros (da fantasia) e Axelrod (da proporção). Elas compõem entre si uma unidade, relacionada ao tema, onde os personagens se confundem, derramando-se um sobre o outro. O desejo de Tadeu se materializa como personagem na história de Matamoros, para depois, num processo lento de descontrole, perder-se em Axelrod. A autora cria em seus personagens um diálogo de interrogação, quase inquisitorial, chegando sempre a uma espécie de limite.
Se você preferir a poesia de Hilda Hilst, busque na internet que há poemas lindíssimos dela. Em setembro a Folha de São Paulo lançará, da autora, Exercícios, uma reunião de poemas esparsos e alguns inéditos, por R$ 16,90.
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Hilda Hilst. A obscena senhora D. SP, Globo, 2001, 112 pp. R$ 15,00 (nos sebos)
___________ Tu não te moves de ti. SP, Globo, 2004, 184 pp. R$ 20,00 (nos sebos)

domingo, 13 de maio de 2012

O livro de areia

O argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) respirava livros. Depois de cego, tomou emprestado os olhos e as mãos de Maria Kodama, sua secretária, para ler e escrever suas histórias. A relação de Borges com Kodama foi vital para o escritor. A presença dela em sua vida dava-se de forma integral. Colaborou diretamente para alguns livros dele. Acabaram casando-se pouco antes da morte do escritor, para desgosto da família de Borges. Hoje, ela preside a Fundación Internacional Jorge Luis Borges, com sede en Buenos Aires.
O libro de areia, escrito em 1975, está composto de treze contos e um epílogo. No primeiro, O outro, um velho, em Genebra, senta-se num banco de uma praça deserta. Alguém vem e senta-se no mesmo banco e assobia uma canção que o velho pensa conhecer. Dirige-se à pessoa a seu lado, um jovem, e lhe pergunta se mora em rua tal, número qual. O jovem responde que sim. Pergunta-lhe também se seu nome é Jorge Luís Borges. Ele diz sim. O velho lhe diz, então, que também se chama Jorge Luís Borges. Faz referências a vários fatos da vida do jovem Borges, para provar-lhe que o conhecia bem. Começa, então, a contar ao novo Borges a vida que ele vai viver. Assim vai se desenrolando o conto. Borges trata, aí, do duplo, muito frequente em sua escritura.
No segundo relato, Ulrica, o personagem-narrador, um escritor colombiano, em um congresso na cidade inglesa de York, apaixona-se por uma mulher norueguesa bela, de pele clara e longos cabelos longos. O narrador, provavelmente, a relacionou a uma Valquíria, personagem mitológica do folclore nórdico. Os dois são apresentados, fazem um passeio pelo bosque e o escritor apaixona-se por ela, dando-lhe um beijo na boca. Ela diz a ele que terão um momento de amor definitivo num lugar próximo dali. Como ela tem dificuldade em dizer seu nome espanhol, pede para chamá-lo de Sigurd. Então ele diz que vai chamá-la de Brynhild. Esses dois personagens fazem parte de uma história de amor trágica da lenda das Valquírias. Os dois dirigem-se ao local do idílio, despem-se e o amor flui. Foi a primeira e última vez que possuiu a imagem de Ulrica. Outro dado interessante, na história de Borges, é que Ulrica é a heroína de diversas histórias de diversos autores. Borges traça, aí, a mescla da oralidade com a escritura.
Bom, os outros contos do livro são igualmentle fascinantes. Não vou comentá-los para que não perca, leitor, a graça da leitura. Nesses dias frios de outono, sirva uma taça de tannat ou malbec para refrescar as ideias, pegue O livro de areia e entregue-se à leitura de seus contos maravilhosos. Esqueça-se da vida e viva as vidas do livro. Depois interfira nesse mundo com sua realidade. A obra foi lançada em 15 de abril pela Folha de São Paulo, dentro de seu projeto de Literatura Ibero-americana, lançando um livro semanalmente. Você ainda pode encontrar o exemplar nas bancas, se preferir esse tipo de edição, por ser mais acessível. A qualidade de edição é boa.

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Jorges Luís Borges. O livro de areia. SP, Cia. das Letras, 2001, 101 pp. R$ 35,00

A edição da Folha, nas bancas, custa R$ 17,90

domingo, 6 de maio de 2012

Por que você lê best-sellers?

( ) porque você abre o sítio de qualquer livraria na internet e os
best- sellers estão anunciados em destaque na página inicial.

( ) porque quando entra em uma livraria fabulosa, como a Cultura, o que
está exposto em suas gôndolas são esses livros comerciais com forte apelo promocional. Você lê a contracapa, a resenha é convincente. Policial. Você volta para a capa e há uma foto com um ou mais artistas que encenaram o filme baseado no livro. Você viu o filme, gostou,comprou o livro.

( ) porque esses livros já foram testados em seus países de origem,
tiveram grande sucesso comercial. As editoras nacionais gostam de investir nesse tipo de obra, pelo alto recurso financeiro.

( ) porque você folheou uma Veja ou Isto É no consultório de seu médico e
na seção de cultura esses livros estavam mencionados e resenhados.Você foi incentivado à leitura.

( ) São best-sellers "O poderoso Chefão", "Harry Potter", "O melhor de
mim", "A menina que roubava livros", "O caçador de pipas", as sagas de
bruxas da Idade Média, toda a obra de Samanta Schweblin, toda a saga do Ripley, "O código Da Vinci", a obra de Paulo Coelho (por que ele você não lê?).

( ) por nenhuma das assertivas acima. Suas razões são outras. É válido.

Os livros que se tornam best-sellers são previamente planejados para venderem muito no mercado editorial. Não vejo problema nisso. É uma literatura que não apresenta grandes voos existenciais, é uma literatura prazerosa, de passatempo. Bate no joelho de sua perna. Não vai além disso. O best-seller pode servir de porta de entrada para se aprofundar o gosto por uma literatura sofisticada. Mas esse leitor, por si só, talvez não consiga chegar lá. Seria preciso que houvesse uma divulgação mais exposta dessa literatura melhor elaborada, melhor traduzida, mais densa. Mas, quem edita livros precisa ganhar dinheiro. Literatura sofisticada não vende. Então, o leitor mais atento precisa do auxílio para buscar na internet um livro que lhe interesse e o encomende, provavelmente na loja você não o encontrará.
A Folha de São Paulo está buscando fazer autores de literatura ibero-americana best-sellers, com uma diferença: vendendo livros bons e baratos, em bancas de jornais. Acho louvável a iniciativa. Boa literatura. À venda ali, na sua mão. Adquiri o livro do português António Lobo Antunes (1942), contemporâneo de José Saramago, com quem, em vida, teve suas rusgas. Antunes disse que Saramago havia jogado um livro seu no chão. Depois, um disse que nunca havia lido um livro sequer do outro. Frescuras... Assim como Saramago, exige que suas obras sejam editadas no Brasil no original. Como sabemos, Portugal escreve diferente do Brasil (mesmo com o novo acordo de unificação dos dois idiomas).
Memória de elefante mostra as divagações “paranoicas” de um psiquiatra profundamente deprimido, recém-separado da mulher e das duas filhas, numa Lisboa pós-Revolução do Cravos (1974) e pós-independência de Angola (1975). O livro foi escrito em 1979. O relato se passa em um dia e uma noite, mostrando um homem mergulhado em dúvidas existenciais. Esse homem consegue se lembrar de tudo relacionado à sua vida pessoal e coletiva. Daí a memória de elefante do título. O autor, Lobo Antunes, é psiquiatra na vida real, trabalhou em um hospital angolano durante a guerra naquele país. Por isso, e por outras, a obra é considerada autobiográfica. Apesar de suas poucas páginas, o livro é denso, exige atenção na leitura, pelo grande número de informações e pela forma rebuscada que o autor utiliza para desenvolver sua narrativa. Nada impossível, entretanto, a um leitor inteligente e antenado ao mundo globalizado que o rodeia. Vale a pena a leitura.

António Lobo Antunes. Memória de elefante. SP, Folha de São Paulo, 2012, 162 pp. R$ 16,80