domingo, 5 de maio de 2013

Caminhos da literdade

Sartre escreveu em O que é a literatura?, que um dos principais motivos da criação artística seria a necessidade do homem sentir-se essencial em relação ao mundo. O universo do escritor deveria mostrar em toda a sua profundidade o exame, a admiração, a indignação e o amor generoso como promessa de mudar o mundo para compactuar com a liberdade do leitor. Grosso modo, a obra de arte, de qualquer ângulo, é um ato de confiança na liberdade dos homens. Para isso, deve-lhe restituir a indignação e a opacidade do mundo como forma de reflexão.
Sartre teve suas atitudes políticas oscilando entre comunismo, anticomunismo e neutralismo, oscilações compreensíveis a um intelectual que pensava o mundo em toda sua amplitude, discutidas no âmbito filosófico e político. A supervalorização que teve esses aspectos, entretanto, injustiçou sua obra romanceada e dramatúrgica de valor apreciável. Sartre escreveu pelo menos um romance que perdura até hoje: A Náusea. E uma peça igualmente memorável: As Moscas.
A trilogia Os caminhos da liberdade, de 1945, compreende três romances, desenvolvendo estudos morais, de alcance social e político de importância documentária indiscutível, mas de mérito literário menor, conforme aponta Otto Maria Carpeaux em sua monumental História da Literatura Ocidental. Havia o planejamento de um quarto romance, que não chegou a ser escrito. 
A idade da razão, o primeiro, passa-se em Paris, 1938, às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Mathieu é um professor de filosofia que defende a ideia da liberdade individual, desprezando qualquer tipo de compromisso. A gravidez inesperada de sua namorada, entretanto, coloca em xeque seus conceitos e os dos que o rodeiam.  Mathieu propõe o aborto e a namorada em princípio aceita, sem convicção. Entretanto, Mathieu não tem dinheiro para fazer o serviço com segurança e busca conseguir o dinheiro emprestado com amigos, sem sucesso. Crenças que forjou na sua juventude são desafiadas. Deve tomar decisões que afetarão sua vida futura. Decide roubar o dinheiro de uma velha boêmia sovina. No final, assume que roubou o dinheiro, mas a namorada decide não interromper a gestação e os dois se separam. Sartre levanta nesse primeiro volume, a questão de que realmente seja a liberdade, o compromisso e o amor.

No segundo, Sursis, os acontecimentos nas vidas de diversas pessoas na Europa se entrecruzam, enquanto o continente se consome na angústia da inevitabilidade da guerra. Os personagens de “A Idade da Razão”, cada um vivendo as suas vidas, à espera de serem chamados como reservistas do exército francês, todos com a certeza de não poderem mais sonhar com a liberdade. A história transcorre em sete dias que antecedem o acordo da França e Inglaterra com a Alemanha, como tentativa de evitar a guerra. Para Mathieu, a iminência da guerra significaria que sua vida estaria morta. Considerava-se um homem pacífico e, naquele momento, o futuro se lhe apresentava como uma incógnita. Nesse romance, Sartre descreve a angústia de todos os estratos da população. Ele se utiliza desse contexto para pensar, através de um emaranhado de situações, sobre o que a liberdade representa de importante para o ser humano e a ameaça que isso representa, com o advento da guerra.

Com a morte na alma, terceiro volume da trilogia, conduz o leitor a uma viagem amarga dos mesmos personagens,  marcada por um mesmo acontecimento: a tomada de Paris pelos alemães em 1940. Entrelaçam-se reflexões de um grupo de soldados perplexos ante a derrota iminente, de indivíduos que tentam escapar, mas se encontram submersos na impotência e na presença avassaladora da morte. Mathieu encontra-se lutando pelo exército francês. Todos os heróis da saga chegam a um momento crucial de suas vidas. A guerra os obriga a fazer escolhas, cujas consequências podem ser vitais. Sartre descreve personagens sempre torturados por sua escolha excepcional nesse contexto da guerra. Trata-se da privação da liberdade.

Os caminhos da liberdade pode ser visto como datada, já que os acontecimentos e o pensamento de Sartre modificavam-se de acordo com os acontecimentos do século XX. Vale a pena ser lida pelos amantes de Sartre, como forma de tomar contato com as vertentes do existencialismo, do qual ele foi um dos propagadores mais eminentes.

                                                     paulinhopoa2003@yahoo.com.br

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Sartre. A idade da razão. Rio, Nova Fronteira, 2012, 372 pp. R$ 16,90 (Saraiva de bolso)
_____ Sursis. 4ª ed. Rio, Nova Fronteira, 2005, 440 pp. R$ 53,90
_____ Com a morte na alma. Rio, Nova Fronteira, 2012, 376 pp. R$ 14,40 (Saraiva de bolso)

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