domingo, 14 de julho de 2013

As meninas



Ana Clara, Lia e Lorena. Três jovens universitárias perdidas no mundo brasileiro contemporâneo da década de 70. As meninas de Lygia Fagundes Telles, entre os méritos que tem, é o de apresentar a narrativa inserida na história viva da ditadura militar (a obra foi escrita em 1983). As meninas é um documento ficcional vivo de um Brasil estilhaçado na insegurança e falta de perspectivas. As três estudam em São Paulo e moram num pensionato de freiras. Lia tem posicionamento contestador, escreve um livro que não consegue acabar. Lorena é a mais burguesa das três; insegura, quer arrimo em um casamento que a conforte. Ana Clara, a menos favorecida, é viciada, está sempre correndo atrás de dinheiro. Lia, esquerda militante, perdeu o ano por excesso de faltas, tem um namorado preso a ser trocado por um embaixador. Lorena gosta de latim, ouve música clássica o dia inteiro, à espera de um namorado que não telefona nunca. Ana, compradora compulsiva, seguidamente é internada para se desintoxicar das drogas. As três representam vidas que podem se perder a partir de si mesmas, vozes de uma geração violentada, colonizada e drogada, a partir do golpe de 64. 
As meninas configura uma posição de engajamento da escritora, que mostra personagens dominadas pelo discurso dominante. Lya, a comunista, é quem mais tenta lutar contra o esquema. O romance traça um retrato muito fiel do jovem desse momento no Brasil. Lygia Fagundes Telles é pioneira na ficção brasileira, ao inaugurar o fluxo de consciência da mulher na ficção, pois até então era inédito que uma mulher falasse de suas fantasias existenciais e eróticas, de forma tão humana e verdadeira.
Quando era aluno do curso de Letras da UFRGS, lá por 1976, assisti a  uma conferência em que ela participou juntamente com Nélida Piñon, Fernando Morais e Rubem Fonseca,. Lembro dela ter dito que o escritor escreve tentando, quem sabe, recompor um mundo perdido, buscando-se nos personagens e a si mesmo. A obra de Lygia Fagundes Telles apresenta um fio muito tênue entre memória e ficção. Ela mesma mistura as duas coisas, ao escrever. Quando criança, ouvia histórias das moças contratadas pela família para cuidar dela, enquanto trabalhavam. Essas histórias lhe despertaram o gosto pelo mistério, a invenção, a imaginação. Foi assim que se foi tornando escritora. Lygia nasceu em São Paulo em 1924, foi eleita para a Academia Brasileira de Letras em 1985. Entre sua obra, toda ela constituída por uma prosa elegante e bem urdida, destacam-se também os romances Ciranda de pedra e As horas nuas. Excelente contista, também, com os livros Antes do baile verde e Cemitério dos ratos.
                                                                    paulinhopoa2003@yahoo.com.br
 
===============================
Lygia Fagundes Telles. As meninas. SP, Cia. das Letras, 2009, 304 pp, R$ 41,00

Nenhum comentário:

Postar um comentário