domingo, 12 de dezembro de 2010

O silêncio - uma leitura pessoal

Há um essencial promordial que aproxima a psicanálise da literatura: a metáfora. A literatura lida com a metáfora no campo ficcional, em confronto com a vida real. A personagem, embora verosimilhante, faz parte da fantasia. É dessa personagem que buscamos interpretar atos, atitudes, estilos de vidas, principalmente os conflitos,trazendo-os para nossa história cotidiana.
A psicanálise, grosso modo, lidaria com o paciente (o uso da terminologia é intencional), um ser real de carne e osso que relata ao terapeuta as histórias de sua vida, para que se possam traçar orientações para uma conduta mais saudável. Mas esse paciente relata fatos de uma fantasia porque, ao recontar determinado acontecimento, cria uma história, sua memória seleciona os que lhe interessa (ou seleciona coisas que surgem sem a censura prévia do paciente). Ao analista, cabe trabalhar com a metáfora de verdade contida nessa história. O paciente, como o escritor, usa-se da ficção para contar um fato real, com a diferença de o escritor tem domínio do que escreve e o paciente pode derrapar no inconsciente, esquecendo o que não lhe interessa ou o que lhe causa incomodação. Assim sendo, a história contada pode revelar nuances que só o analista consegue captar. Daí uma diferenciação da metáfora da psicanálise, da metáfora literária.
O silêncio é uma dessas metáforas. O silencio, esse mistério. Silêncio como segredo, como esquecimento, como inibição, como soberba ( menosprezo com o silêncio aos que não me interessam), como afeto, como fuga, como uma espécie de covardia, medo, insegurança.
Silêncio como falta do que dizer (quantas vezes busquei na memória um acontecimento que me marcou e não consegui me expressar ou não fui compreendido suficientemente e me calei, mudei de assunto pela certeza da incomunicabilidade de uma emoção que se truncou...).
O silêncio como esquecimento – aquilo que a memória não guardou, se é que há coisas esquecidas – estas estariam num território do silêncio, enigmáticas, à procura de indagações.
Silêncio como conforto, quando precisamos dele para ler um livro, para escrever uma poesia, para ouvir um cd de música instrumental. Conforto também onde a comunicação se dá através do carinho e do afeto. Comunicação sem diálogos verbais.

Para quem quiser se aventurar no tema do silêncio e suas metáforas, recomendo dois filmes de Bergman: O silêncio, cuja temática é a incomunicabilidade entre seres que deveriam se amar - no caso, duas irmãs. Outro, belíssimo, é Sonata de Outono. Há uma imagem crucial no filme, em que a mãe (Ingrid Bergman)toca piano junto com a filha (Liv Ullman). Enquanto a sonata é tocada, a filha olha a mãe profundamente e a sensação que se tem, é de que ela enxerga perdas, afetos que não se concretizaram na relação de vida das duas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário