terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A Inserção da Literatura de Consumo no Âmbito da Cultura - 2ª parte

Retornemos, então, aos meios de comunicação que difundem a cultura de forma mais rápida, popularizando-a através da imagem. A divulgação da imagem é de suma importância, porque passa a influenciar fortemente a poesia brasileira, a partir da década de 50 pelos concretistas. Com o advento da televisão, a partir da década de 60, a imagem passa a conviver com as formas escrita e auditiva (o rádio). O advento da tevê incorpora uma linguagem cotidiana, de massa, que altera e acrescenta elementos novos à cultura brasileira. Os meios de comunicação visual veiculam mais rapidamente os processos de aquisição e informação. A tevê substitui o cinema e passa a ter a fama de divulgadora de cultura de massa, atingindo um número cada vez maior de pessoas. Temos aí a questão da comunicação de massa, que se mistura com a cultura popular distanciada da cultura erudita. Por atingir grande número de pessoas, passa a ser utilizada para divulgar a propaganda de consumo. Para atingir um número maior de pessoas, há uma homogeneização do aspecto cultura e uma adequação mediana que agrade a gregos e troianos, tornando a cultura de massa fraca estética e significativamente.
A cultura de massa que surge na década de 60 vem impulsionada com a ideologia hípie da década de 60 exportada dos EUA para o mundo, da experiência grupal de vida, com os megafestivais ao ar livre, expressando uma arte também grupal. No Brasil, esse reflexo configurou-se através de uma atividade mais caracteristicamente brasileira, através dos festivais da canção que acabaram chegando à televisão. A música popular passa, a partir daí, a tomar gradativamente o lugar da poesia. As letras das canções retomam a importância da oralidade de tempos idos, para divulgar a palavra. Atualmente, elas tornam-se objeto de estudo da literatura brasileira. A questão da delimitação da literatura como forma de cultura da sociedade de consumo atual, compreende a forma da canção como veículo de expressão da arte da palavra.
Isto posto, e tomando-se a noção de que a canção, por apresentar o uso da palavra criativamente pode ser estudada literariamente, sigamos com uma análise de casos envolvendo imagens de nosso cotidiano - ou do cotidiano de uma determinada época, sob o pressuposto de que "Não é possível analisar uma obra literária, deixando de estabelecer a relação com a sociedade." A afirmação parte da concepção adorniana, de que a autonomia da arte é problemática, na medida que, a partir do século XIX, com a divisão do trabalho, transformou-se em mercadoria.
A canção popular, já dissemos, adquiriu força com os festivais da canção veiculados pela televisão na década de 60/70. Vem dessa época, também, o movimento artístico brasileiro que se denominou Tropicalismo e teve os músicos baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil representantes das muitas figuras importantes da época. A Tropicália consistiu em reaproximar os ideais do manifesto modernista de 22, difundi-lo e acrescentar tudo o que de moderno estivesse acontecendo no momento, sendo incorporado no estilo de vida da sociedade urbana. Era a releitura do antropofagismo oswaldiano: deglutir e retornar à realidade sobre o aspecto da novidade.
Caetano Veloso utilizou em suas canções as imagens presentes na
sociedade de consumo da época. Alegria, Alegria, um dos ícones do movimento, revela interessantemente o cotidiano urbano de quem consome coca-cola, curte seus ídolos cinematográficos. A literariedade do poema está na afirmação do eu do poeta destacado do mundo massificado. No cotidiano de quem caminha contra o vento, sem uma identidade específica, encontra-se a pessoa que afirma: Eu vou/Por que não? Por que não? O poeta cantador pretende (quer) seguir vivendo, incorporando ao seu estilo de vida o que o mundo moderno lhe proporciona nas bancas de revistas, nas notícias, nos presidentes, na namorada (vínculo com a tradição: o casamento). Caetano Veloso veicula na canção dois universos: o da massificação (ou modernização, para sermos menos radicais) e o do indivíduo devidamente valorizado dentro desse universo. A canção apresenta o enredo de uma crônica da influência dos meios de comunicação de massa nos tempos modernos por um sujeito único.
A crônica é outra forma de expressão da literatura que representa a sociedade urbana em seu cotidiano. Não podemos esquecer de que o jornal e a revista continuam a existir como forma de divulgação da cultura popular. E a crônica, assim, insere-se como modelo de divulgação da literatura, pela simplicidade discursiva e por veicular elementos da atualidade do leitor de jornais e revistas, propiciando, também, leitura rápida e descartável.
Gênero híbrido, a crônica trabalha com o fato real. O cronista é um contador de histórias curtas, geralmente irônicas, que mistura o narrador à personagem, criando o contraste que acentua a ironia presente.
Luís Fernando Veríssimo, um dos melhores cronistas atuais, faz uma sátira da miséria humana em O mais terrível. A história gira em torno de um motorista que para no sinal e é abordado por uma criança de rua que lhe pede um trocado, chamando-o de tio. O narrador/personagem vai acrescentando elementos a partir da expressão "O mais terrível", até quebrar a expectativa criada pela expressão, provocando um efeito do humor. Contrapõe o mais terrível de ela estar no chão e ele no carro bacana, dele escolher a cara para dizer que não tem trocado, dela ter-lhe cuspido na cara e, o mais terrível: não lhe ter acertado o cuspe. A crônica é formada for partes, a princípio autônomas, mas que se relacionam no sentido geral do texto, que é a crónica da convivência com a dor dos outros, sem que se possa fazer nada para mudar a realidade do momento.
Nelson Rodrigues foi outro dos que modernizaram a literatura brasileira, pela presença cotidiana do ser humano comum, do subúrbio, como personagem central de sua obra, tanto o conto, a crônica e o teatro. Moderno por colocar o ser humano comum com sua linguagem, suas taras, seus impulsos primários que movem as paixões. No conto A Esbofeteada, o narrador conta a história de Silene, que rouba o namorado da amiga pelo prazer de ser esbofeteada como Ismênia tivera sido por Sinval, o namorado.
Assim, Nelson Rodrigues trabalha a ambivalência ódio/amor, repulsão/atração. Toda a castidade esconde em si a obscenidade. O grande tema de Nelson Rodrigues em sua obra foi o puritanismo. Tema esse que aparece no conto desenvolvido pelo absurdo, mostrando o seu reverso: a inconfessada satisfação pela subjugação física que sexualmente dá prazer, numa inversão moral de Silene, a tarada.
Finalizando, cumpre ressaltar os limites da criação literária através do que ela expressa de popular em personagens e situações através da canção, da crônica e do conto de cujos autores citados tivemos um caso elucidativo. Dentro de cada forma literária encontra-se o elemento integrador dessas três modalidades: a classe média exposta em seu cotidiano, envolvida em fatos sociais presentes da vida brasileira.

Bibliografia consultada:
Textos teóricos:
SODRÉ, Nelson W. Síntese da história da cultura brasileira. 3a. ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1974.
PEREIRA, Carlos A. M. O que é contracultura. 4a. ed. São Paulo, Brasiliense, 1983.
SANTANA, Afonso Romano de. Música popular e moderna poesia brasileira. Petrópolis, Vozes, 1986.
PAVIANI, Jayme. Estética mínima. Porto Alegre, EDIPUCRS, 1996
Textos literários:
Alegria, alegria. Caetano Veloso
O mais terrível. Luís Fernando Veríssimo
A esbofeteada. Nelson Rodrigues

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