domingo, 8 de maio de 2011

Os sinais do tempo

Estou acabando a leitura de “Formação do Brasil Contemporâneo”, de Caio Prado Jr. Um clássico da sociologia que nos ajuda a compreender o modelo brasileiro de hoje, a partir da organização colonial, no âmbito de seu povoamento, aspectos materiais e vida social. Das muitas idéias que me chamaram a atenção no texto, destaco uma: a organização da vida familiar. As mulheres eram casadas sem que tivessem escolha de pretendente. E havia a escravidão. Sabe-se que um dos papeis da escrava era a satisfação de seu senhor e dela originaram-se inúmeros filhos bastardos. Havia uma grande miséria social, rondando a nobreza de origem portuguesa, não necessariamente advinda do escravo. Muitos casamentos aconteciam sem o consentimento da Igreja e do Estado, pois essa população estava alijada do abraço do governo. Muitas das uniões livres aconteciam quando uma da parelha fosse de classe inferior. Sabe-se, também, que o machismo na Colônia era um pouquinho mais arraigado no modo de vida do brasileiro do que é hoje. Então, maridos casados com mulheres sem amor, arrumavam amantes de outra categoria social e com elas tinham filhos.
Saindo do livro de Prado Jr., sabemos que o tempo e as coisas mudaram na especificação do matrimônio. As gerações das décadas de 50 e 60 inovaram os padrões de conduta da mulher: a virgindade deixou de ser tabu e as uniões livres, independentemente da valorização de classes sociais, passaram a ser mais freqüente por opção pessoal. Crise do casamento? Penso que não.
Hoje em dia, o casamento na igreja, especialmente, está em alta entre as meninas da nova geração. A simbologia de que a noiva casava de branco, representando o corpo casto e que tem o veuzinho levantado pelo noivo na hora do beijo, selando o fim da virgindade, não faz parte da vida social da nova geração. Como não faz parte a simbologia do pai que entrega a filha, oficialmente perante Deus, para o marido que passa a cuidar dela pelo resto da vida. Lembram da questão do dote que o pai dava ao noivo, como forma de recompensa material? Hoje, não existe mais: há pais de noivas que recebem a ajuda dos pais do noivo, para realizar as bodas.
Qual a moral disso tudo? A velha idéia de casamento de contos de fadas, tipo príncipe William e Kate. A imagem do vestido de noiva inundou a cultura familiar das novas gerações. O vestido precisa ter muita cauda e a igreja uma bela escadaria, para que a noiva possa arrastar sua cauda por alguns metros, causando frisson nas futuras mocinhas casadoiras. Tive recentemente em meu ciclo familiar um caso interessante: duas parentas dessa década de 60, cada uma com seu parceiro, casaram-se somente no civil, não batizaram os filhos e esses nunca freqüentaram a missa. O que lhes aconteceu agora? Seus filhos converteram-se ao catolicismo, batizaram-se, para acalentar o sonho dourado feminino de casar vestidas de noiva. Influência da educação familiar? Nada disso. Essa onda vem de outras esferas da sociabilidade humana. Deus também não tem nada a ver com isso, pois os convertidos ao catolicismo continuam não freqüentando o culto religioso. O que tem a ver, mesmo, é o velho sonho burguês de cinderela vestida de noiva com o falso véu da castidade. Resta um consolo a quem lamenta um retrocesso no comportamento burguês: isso lhes traz felicidade. Que sejam felizes (enquanto dure)!
Além da obra de Caio Prado Jr., recomendo o romance “O Casamento”, de Nelson Rodrigues, em que a falsa moral puritana é demolida em plena década de 60, refletindo já a nova era da ilusória mudança dos costumes.
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Prado Jr., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 23ª ed., SP, Brasiliense, 2008
Rodrigues, Nélson. O Casamento. RJ, Agir, 2006

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