domingo, 23 de outubro de 2011

El reino de este mundo



O reino deste mundo, escrita pelo cubano Alejo Carpentier, em 1949, é uma narrativa épica que apresenta como cenário um recorte história do Haiti, do dominio francês a sua libertação. A narrativa apresenta sua estrutura centrada no realismo mágico, ou real maravilhoso, que teve seu início justamente nesta obra de Carpentier. No prólogo da novela, o autor relata que, em 1943 visitou o Haiti e entrou em contato com as ruínas do tempo de Henri Christophe, escravo liberto que se tornou rei, lá pelo início do século XIX. Esse contato lhe suscitou uma realidade maravihosa, em que a cultura popular e seus mitos misturavam-se à realidade histórica. Alejo Carpentier nos diz que o maravilhoso começa a existir de maneira inequívoca, da alteração inesperada da realidade – o milagre, de uma revelação privilegiada da realidade, de uma iluminação inabitual que favorece a riqueza inesperada da realidade, ampliando-a com especial intensidade, em virtude de uma exaltação do espírito. A sensação do real maravilhoso pressupõe uma fé. E uma aceitação dessa fé como parte da cultura de um povo. Carpentier pisara uma terra onde milhares de homens ansiosos de liberdade acreditaram nos poderes sagrados de Mackandal, um escravo africano descrito em algumas resenhas históricas como sacerdote do vodu haitiano. Adepto da magia negra, Mackandal estaría preparando uma poção de magia negra, feita com ervas, para envenenar os senhores de escravos do Haiti. Capturado, foi queimado em praça pública, em 1788. A fé popular produziu a lenda de que, ao morrer queimado, Mackandal transformara-se em uma mariposa noturna que fugira voando, para proteger os seus.
Como se pode notar, o real maravihoso encontra-se a cada passo das vidas de homens que inscreveram na história latino-americana e deixaram marcas ainda presentes na cultura oral de um povo. Alejo Carpentier acreditava em uma práxis latino-americana. O escritor deveria ter uma consciencia nacional, que espelhasse sua obra. A literatura latino-americana, a partir de Carpentier, passou a valorizar o real maravilhoso, até a década de 70: hábitos, costumes, crenças, a cultura oral,de um povo que, desvalorizado pela história oficial, construiu a história de um país. Alejo Carpentier, em suma, acreditava no papel social do romancista. O narrador deveria compreender uma visão de mundo e dar-lhe uma visão ampliada, universal, compremetendo-se com ese mundo. O escritor das Américas latinas deveria buscar na cultura popular de seu país, do líder popular que teve sua voz cortada pelos donos do poder em todas as etapas da história de seu país. Esse líder transforma-se no herói épico da narrativa latino-americana. Através da narrativa épica, o popular particular passa a adquirir status de universalidade.
A novela O Reino deste mundo começa com Ti Noel, um joven escravo, escutando maravilhado os mitos de Mackandal, negro rebelado contra os brancos, com poderes sobrenaturais de curar e transformar-se em diversos animais. Queimado na fogueira, o mito do herói negro sobrevive na cultura oral. O dono de Ti Noel, proprietário de terras, depois da norte da esposa, decide vender suas terras e mudar-se dali, levando o escravo. Ele consegue, depois de um tempo, comprar sua alforria e volta ao lugar de origen, onde tem contato com uma nova etapa de opressão política, durante o regime de Henri Christophe, ex–escravo que se torna imperador do Haiti. Ti Noel, mais maduro, assiste, com novas esperanças, à rebelião de outro líder escravo, Bouckman, querendo a libertação da escravidão já nos moldes dos ideais da revolução francesa. O Haiti, diga-se de passagem, foi o primeiro país a abolir a escravidão, em 1804. Com a norte de Christophe, entretanto, uma nova aristocracia toma o poder, apoderando-se de antigas fazendas e restituindo o regime escravocrata. Ti Noel, assim, faz uma reflexão sobre o destino do homem que padece, espera e trabalha para pessoas que nunca conhecerá e nunca será feliz, posto queo homem ansia, sempre, por uma felicidade situada além do que lhe é outorgado.
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Obras de Alejo Carpentier usadas como pano de fundo:

O reino deste mundo. São Paulo, Martins Editora, 2010. 136pp
Literatura e consciência política na América Latina. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1975. 144pp
El siglo de las luces. Madrid, Austral, 2007. 351pp

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